segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

A Propagação da Franco-Maçonaria

Cá estamos de novo, com mais uma peça do nosso breviário, que esperamos, continue a constituir um ponto de interesse para todos quantos gostam de conhecer mais aprofundadamente alguns dos sub-textos contidos nos escritos e nos discursos políticos, e reforçar assim a própria capacidade de perceber porque é que algumas coisas acontecem da maneira que acontecem e alguns dos nossos governantes fazem o que fazem.

Voltamos hoje ao final do nosso texto sobre as origens históricas da Maçonaria para aprofundar um pouco mais este tema e ver como esta organização se desenvolveu e propagou desde a formação da Grande Loja de Inglaterra até ao início do Século XX.

5.4 – Propagação e Desenvolvimento da Maçonaria


Conforme vimos na primeira parte deste artigo, em 1717, as velhas lojas maçónicas haviam praticamente desaparecido e a partir daqui as novas lojas surgiram como sociedades de convívio, o que estava em contradição com o papel de associação profissional de outros tempos. É neste ano que os membros de quatro Lojas inglesas se reúnem para formar a Grande Loja de Inglaterra. Ao que parece, eram poucos em número e de baixa condição social, o que dificultou o crescimento da organização até 1721, ano em que diversos membros da Nobreza e da Real Sociedade Britânica aderiram a esta associação. A partir desta data, a Maçonaria espalhou-se rapidamente por toda a Europa e chegou ao Novo-Mundo.

A rapidez desta propagação deveu-se principalmente ao espírito da época. As disputas religiosas, o poder exercido pelas autoridades eclesiásticas e o descontentamento generalizado com as condições sociais levaram a que os Homens procurassem iluminação e alívio nos mistérios da antiguidade e tentassem, através da união das diversas tendências, reconstruir a sociedade numa base puramente Humana. Neste contexto, a Franco-Maçonaria, pela sua ambiguidade e elasticidade pareceu a muita gente ser o melhor caminho para esse objectivo.

Para se adaptar às particularidades de diferentes países e classes sociais, o sistema original, que vigorou entre 1717 e 1723 sofreu modificações mais ou menos profundas. Parece que em 1717 estava em uso apenas uma simples cerimónia de admissão e um único grau, já em 1723, a Grande Loja de Inglaterra reconhece dois graus (aprendiz e companheiro). O sistema de três graus começou a praticar-se em 1725 e tornou-se universal apenas a seguir a 1730. Os símbolos e práticas rituais praticados entre 1717 e 1738, altura em que se introduziram mais graus, em conjunto com as “Old Charges”, são considerados a Franco-Maçonaria pura original. Um quarto grau, chamado do Arco Real (Royal Arch), está em uso desde 1740, e é mencionado pela primeira vez em 1743.

Em 1751, foi estabelecida uma Loja rival da Grande Loja de Inglaterra e através da acção do seu Grande Secretário Lawrence Dermott, rapidamente ultrapassou a Grande Loja de 1717. Os membros desta Grande Loja ficaram conhecidos como os “Maçons Antigos”, sendo também conhecidos como “Maçons de York”, como referência à pretensa Grande Loja de Inglaterra original, reunida em 926 d.C., em York. Tendo obtido o controlo da Grande Loja Unida de Inglaterra, esta acabou por assumir a sua forma ritualística em 1813.

A seguir a 1730, o espírito religioso da Maçonaria Anglo-Saxónica retrocedeu no sentido da ortodoxia Bíblica Cristã, o que se reflectiu na cristianização dos rituais e na popularização das obras de Hutchinson, Preston e Oliver junto dos Maçons Anglo-Americanos. Isto provavelmente deveu-se ao conservadorismo da sociedade Anglófona em matérias religiosas e, sem dúvida, à influência de membros eclesiásticos na instituição de Capelões nas Lojas que é mencionada nos registos ingleses desde 1733.

A reforma produzida pela união entre as duas Grandes Lojas de Inglaterra em 1813 consistiu principalmente na restauração do carácter não-sectário, de acordo com a qual todas as alusões a uma religião em particular deviam ser omitidas dos trabalhos da loja. Foi ainda decretado que “deverá haver a mais perfeita união de obrigação, de disciplina ou trabalho (…) de acordo com os landmarks, leis e tradições originais (…) por todo o mundo maçónico (…) desde o dia desta união até ao fim dos tempos”. Ao tomar esta atitude, de uma certa forma, a Grande Loja Unida sobrestimou a sua autoridade. Este decreto foi aceite só até um certo ponto nos Estados Unidos, onde a Maçonaria, fundada em 1730, foi seguindo os passos da evolução da Maçonaria da Inglaterra.

O título de Grande Loja mãe dos Estados Unidos foi objecto de uma longa controvérsia entre as Grandes Lojas da Pensilvânia e do Massachussets. A opinião que prevaleceu é a de que antes do reconhecimento destas Lojas, existiu em Filadélfia uma Loja regular com registos desde 1731. Em 1734, Benjamin Franklin publicou uma edição dos Livro de Constituições inglês. Haviam então Lojas reconhecidas pela Grande Loja de Inglaterra e pela Grande Loja da Escócia. Depois da Guerra da Independência, a seguir a 1883, a maior parte destas Lojas passaram para a dependência das mais antigas. À união destes dois sistemas em Inglaterra, em 1813, seguiu-se uma fusão similar na América, que deu origem ao rito Americano, que se pratica desde então.

Em França e na Alemanha, no início, a Maçonaria era praticada de acordo com o ritual inglês, mas rapidamente surgiu a chamada Maçonaria Escocesa. Nessa altura, apenas os nobres eram admitidos na associação como membros de pleno direito, sendo a organização conhecida como uma associação de cavalheiros honrados. A exclusividade da associação a esse estrato social originou que se propagasse então a ideia de que a Franco-Maçonaria estaria ligada às antigas ordens militares, pois, na época, era um conceito mais aceitável que a associação às antigas Guildas de pedreiros e canteiros. Data desta época (1740) uma oração que foi inserida na primeira edição francesa do Livro das Constituições que indicava que a ordem maçónica estava intimamente relacionada com a Ordem dos Cavaleiros de S. João de Jerusalém durante as cruzadas e que as antigas Lojas Escocesas teriam preservado essa Maçonaria genuína, enquanto que as Lojas Inglesas a teriam perdido.

Pouco depois de 1750, no entanto, foram atribuídos aos Templários certos conhecimentos de ciências ocultas, o que levou a que aquele sistema fosse rapidamente associado a todos os tipos de propósitos Rosacrucianos e a práticas como a alquimia, a magia, a cabala, o espiritismo e a necromancia. A história do Grão-Mestre templário Jacques de Molay, da supressão da ordem do Templo e o seu pretenso revivalismo na Maçonaria são reproduzidas na Lenda de Hiram, que representa a morte e ressurreição dos justos ou a supressão e restauração dos direitos naturais do Homem, encaixou admiravelmente tanto no sistema Cristão como nos sistemas de altos graus.

Os principais sistemas Templários do século XVIII eram o sistema de Observância Estrita e o sistema Sueco, composto pelos graus Franceses e Escoceses. Em ambos os sistemas era prometida obediência a superiores desconhecidos. O líder destes sistemas Templários, que eram rivais, era falsamente suposto ser o pretendente Jacobino, Carlos Eduardo, que declarou em 1777 que nunca havia sido Maçon. Quase todas as Lojas da Alemanha, Áustria, Hungria, Polónia e Rússia, na segunda metade do Séc. XVIII estavam envolvidas na luta entre estes dois sistemas. Nas Lojas Francesas, a admissão de mulheres ocasionou uma imoralidade escandalosa. O espírito revolucionário manifestou-se cedo na Maçonaria Francesa. Com o tempo tornou-se evidente que o programa da maçonaria coincidiria de forma espantosa com o da Revolução Francesa de 1789.

Em 1776, este espírito revolucionário foi levado para a Alemanha por Weisshaupt, através de um sistema conspiratório que se espalharia rapidamente pelo país, a Ordem dos Illuminati, tema que trataremos de forma mais aprofundada num título posterior deste breviário. Carlos Augusto de Saxe-Weimar, o Duque Ernesto de Gotha, o Duque Fernando de Brunswick, Goethe, Herder, Pestalozzi, e outros foram apontados como membros desta ordem. Muito poucos membros, no entanto foram iniciados nos mais altos graus. Entre os Illuminati Franceses contavam-se Condorcet, o Duque de Orleans, Mirabeau, e Sieyès.

Depois do Congresso de Wilhelmsbad em 1782, efectuaram-se reformas tanto na Alemanha como em França. Os principais reformadores Alemães, Schröder e Fessler, tentaram restaurar a pureza e simplicidade originais. O sistema de Shröder passou a ser praticado na Grande Loja de Hamburgo e um sistema modificado dito de Schröder-Fessler pela Grande Loja Real York de Berlim e pela maior parte das Lojas da Grande Loja de Bayreuth e Dresden. As Grandes Lojas de Frankfurt e Darmstadt praticavam um sistema eclético com base no ritual Inglês. Com excepção da Grande Loja Real York, que adoptou graus escoceses, todas as outras lojas repudiaram os altos graus no final do Séc. XVIII. No início do Séc. XX, a maior Grande Loja Alemã, a Nacional, praticava um sistema Escocês Rectificado de sete graus e um sistema Sueco de nove graus. Este sistema era também praticados pela então Grande Loja da Suécia, Finlândia e Dinamarca. Estes dois sistemas declaravam a Maçonaria como uma instituição Cristã e as Lojas Alemãs recusavam-se a iniciar Judeus, o principal argumento utilizado é que era para impedir que a Maçonaria fosse dominada por um povo cujo forte laço racial seria incompatível com o carácter não-sectário da organização.

O principal sistema nos Estados Unidos da América é o chamado Rito Escocês Antigo e Aceite, desenvolvido em 1801 com base no Rito Escocês da Perfeição, que foi estabelecido pelo Conselho dos Imperadores do Leste e do Oeste em Paris, em 1758. Este sistema, que se propagou por todo o mundo, identifica-se com o espírito revolucionário da Maçonaria Templária Francesa, que luta pelos direitos naturais do homem, contra despotismos políticos e religiosos, simbolizados pela coroa real e pela tiara papal. Este sistema parece procurar exercer uma influência preponderante sobre as outras correntes maçónicas nos locais onde se encontra estabelecido. Esta influência é assegurada pelos Grandes Orientes nos países latinos, sendo que nos países anglo-saxónicos, é habitual que os membros mais proeminentes da Maçonaria sejam membros dos Conselhos Supremos do Rito Escocês.

No início do Séc. XX existiam vinte e seis Conselhos Supremos do Rito Escocês Antigo e Aceite reconhecidos universalmente. Nos países lusófonos, contavam-se um no Brasil e outro em Portugal, estabelecidos, respectivamente em 1829 e 1869. Os fundadores deste rito, para lhe dar maior esplendor, inventaram o mito de que Frederico II da Prússia teria sido o seu verdadeiro fundador, hipótese que alguns autores maçónicos sustentam como provável até aos dias de hoje, mas que continua a não se poder considerar seriamente como verdadeira.

Pedro Estadão

- Continua – A seguir: 5.5 – O Trabalho da Maçonaria.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

O Chauvinismo

Não é de hoje que os nativos de um determinado local ou os membros de um qualquer grupo se considera superior, melhor ou com mais direitos que os outros. Na sociedade de consumo e concorrência em que vivemos, a frequência deste fenómeno aumentou de tal forma que o termo “chauvinista” ganhou novos usos, a maior parte das vezes, mal enquadrados.

Observamos que é condição bastante para alguém apelidar outrem de “chauvinista” o simples facto de se sentir prejudicado por este nas suas pretensões, veremos que as coisas não são assim tão simples.

Hoje temos Chauvinismo, até à próxima:

7 – O Chauvinismo

Em 1790, terá nascido, em Rochefort, na França, um tal Nicholas Chauvin, que se tornou soldado do Primeiro Exército da República Francesa e posteriormente alinhou na Grand Armeé de Napoleão Bonaparte. Chauvin alistou-se aos 18 anos e serviu a sua pátria de forma honrosa, sabe-se que foi ferido em combate 17 vezes, tendo ficado desfigurado e deficiente. A sua lealdade e e dedicação valeram-lhe a atribuição de um Sabre de Honra e uma pensão de 200 Francos pelo próprio Napoleão.

A sua distinta folha de serviço e o seu amor por Napoleão, que, de resto, persistiu, apesar de tudo, valeram-lhe uma vida de ridículo e vergonha na era pós-napoleónica. A nação Francesa tinha perdido o seu idealismo e o nacionalismo apaixonado estava fora de moda. A história da sua vida serviu de tema para comédias que foram produzidas na época do Vaudeville, entre as quais se destaca “La Cocarde Tricolore”, dos irmãos Cogniard, nas quais a personagem de Chauvin personificava um patriotismo exagerado. Através destas peças, o termo “chauvinismo” popularizou-se como sinónimo de fervor nacionalista excessivo.

Desde então, é normal chamar-se chauvinismo à crença narcisista próxima da mitomania de que as propriedades do país ao qual se pertence são as melhores sob qualquer aspecto. O chauvinismo resulta sempre de uma argumentação falsa ou paralógica, uma falácia de tipo etnocêntrico ou de ídola fori. Na retórica, está presente nalguns dos argumentos falsos chamados ad hominem que servem para persuadir com os sentimentos em vez da razão. A prática parece ter-se desenvolvido fundamentalmente com a crença do romantismo nos "caracteres nacionais", (o volkgeist dos alemães), mas já no tempo dos antigos gregos se gozava com quem estava convencido de que a lua de Atenas era melhor que a de Éfeso.

O Chauvinismo representa então o partidarismo excessivo e pouco razoável do grupo a que se pertence, especialmente se este partidarismo inclui malícia e ódio em relação ao grupo rival. Das adaptações que foram feitas ao longo dos anos destacam-se o chauvinismo masculino ou feminino, com base no género, e o jingoísmo, que designa uma atitude política predatória, geralmente de uma nação em relação a outras.

Esta palavra não requer a consideração de se ou chauvinista tem razão ou não, apenas implica que a sua opinião não é razoável porque ignora todos os factos que a contrariam. Modernamente, é usada pejorativamente para significar que o chauvinista, ao mesmo tempo, é pouco razoável e está errado.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A Organização da Franco-Maçonaria

Voltamos hoje, com a terceira parte deste tema, que não é mais que exposição da organização da Maçonaria e uma breve abordagem às regras de funcionamento desta organização.

Agora que estamos armados com o conhecimento adquirido nas duas peças anteriores ser-nos-á mais fácil compreender algumas das informações que se seguem, sempre tendo em mente que aquilo que aqui se expõe é, certamente, uma visão incompleta do tema, mas que pretende ser suficiente para que os nossos leitores percebam que tipo de organização é a Maçonaria, quais são os seus objectivos e a sua forma de funcionamento.

Mais uma vez agradecemos o apoio de todos quantos nos têm felicitado a propósito deste trabalho, que tem suscitado interesse um pouco por todo o mundo e aproveitamos para pedir desculpa a todos os que nos têm enviado e-mails pelo facto de, devido ao seu enorme número, não termos ainda tido tempo para responder a todos. Assim que nos for possível, responderemos a toda a correspondência.

Vamos, então, ao que interessa…

5.3- A Organização da Maçonaria

A estrutura organizativa característica da Maçonaria especulativa baseia-se no sistema da Grande Loja, implementado em 1717. O mais elevado nível de organização, que constitui um corpo independente com poderes legislativos, jurídicos e executivos designa-se Grande Loja, no sistema regular, Grande Oriente, no sistema misto, ou Conselho Supremo ou Superior no sistema Escocês. Estes corpos são compostos pelas Lojas ou organismos inferiores na sua jurisdição, ou pelos seus representantes regularmente reunidos com os grandes oficiais que estes elegem.

Cada Maçonaria nacional está estruturada em células autónomas, "todas iguais em direitos e honras, e independentes entre si", designadas por oficinas. Existem dois tipos de oficinas, as lojas e os triângulos. A loja é composta por um mínimo de sete maçons perfeitos, não tem um limite máximo de membros, o triângulo é composto por três maçons perfeitos, pelo menos, e por seis, no máximo, passando a loja quando um sétimo membro se lhe vem agregar.

Uma Loja devidamente constituída tem os mesmos poderes que uma Grande Loja, mas numa esfera mais restrita. Os cargos indispensáveis numa Loja são o Venerável Mestre, os 1º e 2º Vigilantes e o Orador. O Venerável Mestre é auxiliado por um ou dois mordomos ou mestres-de-cerimónias no trabalho cerimonial e convivial e por um tesoureiro e um secretário. Muitas lojas dispõem de um capelão para as cerimónias religiosas. O 1º Vigilante dirige os trabalhos dos companheiros e vela pela disciplina geral, o 2º Vigilante tem por função a instrução dos aprendizes, o Orador está encerregado de fazer a síntese dos trabalhos e deles extrair conclusões, sendo o representante da lei maçónica. O Secretário redige as actas das sessões e é responsável pelas relações entre a loja e a obediência. Os cargos, do Venerável Mestre ao Secretário, são chamados as luzes da oficina. Os mesmos postos em grande escala e com títulos sonantes existem nas grandes Lojas ou nos Grandes Orientes (Venerável Grande Mestre, Grande Comandante Soberano, etc...).

Como as despesas dos membros são relativamente elevadas, apenas pessoas com algumas posses podem entrar na fraternidade. O número de candidatos é ainda restringido pelas regras relativas às qualificações morais, intelectuais, sociais e físicas e ainda por um regulamento que exige unanimidade de votos num escrutínio secreto para cada admissão. Assim, ao contrário da sua pretensa universalidade, a Franco-Maçonaria parece ser uma sociedade muito exclusiva, que ainda por cima é uma sociedade secreta, afastada dos olhares dos profanos e dos comuns mortais. A Pedra de Toque de Filadélfia diz: “A Franco-Maçonaria não tem o direito de ser popular. É uma sociedade secreta. É para os poucos, não para os muitos, é para os eleitos e não para as massas.”

Na prática, no entanto, parece que as regras relativas ao estatuto moral e intelectual dos membros não são seguidas rigorosamente, pois há muitos irmãos que foram admitidos cujos únicos objectivos são utilizar a obra como meio de aumentar as suas capacidades financeiras ou tirar vantagem das relações sociais que advém das reuniões de convívio com outros membros da irmandade. Chegámos a ouvir alguns amigos a afirmar abertamente que tinham entrado para ganhar acesso a uma certa classe de indivíduos por motivos comerciais e que eram forçados a fazê-lo porque outros o faziam, depois há aqueles que se inscreveram por curiosidade ou porque alguém numa posição superior à sua era maçon. Há ainda aqueles que o fazem para procurar conviver com a alta sociedade, na maçonaria encontram uma forma de acesso directo a essa esfera, que lhes está muitas vezes vedada pelas convenções sociais.

Da Regra Maçónica “amor fraternal, auxílio e verdade”, certamente as duas últimas, especialmente se entendidas no sentido de mútua assistência em todas as emergências da vida, é para a maior parte dos candidatos a principal razão para aderirem. Esta assistência mútua, especialmente simbolizada pelos cinco pontos de irmandade e o grande sinal de aceno de apuros no 3º grau, são as principais características da Franco-Maçonaria. O Mestre Maçon jura manter e respeitar os cinco pontos da irmandade em actos, bem como em palavras, isto é: auxiliar um mestre maçon em qualquer ocasião, de acordo com as suas possibilidades e particularmente quando ele sinalizar que necessita de auxílio. No rito Americano chegam a jurar que vão ajudar sempre que o vejam em dificuldades e vão apoiá-lo de forma a resolver o seu problema quer ele esteja certo ou errado.

Um facto que é experimentado por gente de todos os países é que, onde quer que a Maçonaria tenha influencia, os não-maçons têm sofrido nos seus interesses pela sistemática preferência que os maçons dão uns aos outros na indigitação para cargos e empregos. Até Bismark se queixou dos efeitos dessa assistência mútua dos maçons, que é muitas vezes prejudicial tanto à igualdade cívica como ao interesse público. Na literatura maçónica, actos ilegais e de traição são louvados como uma glória da Franco-Maçonaria. “As próprias leis da guerra”, dizia o orador oficial do Grande Oriente de França, Lefèbvre d'Aumale, “se tinham vergado perante a maçonaria, o que é talvez a mais notável prova do seu poder. Um sinal foi o suficiente para parar o massacre; os combatentes largaram as suas armas, abraçaram-se fraternalmente e imediatamente se tornaram amigos e irmanados, tal como os seus votos prescreviam.”, e o “Handbuch” declara, “este sinal tem tido um efeito benéfico, particularmente em tempos de guerra, frequentemente desarmando os mais amargos inimigos, de forma a que oiçam a voz da humanidade e se assistam mutuamente em lugar de se matarem”. Até a suspeita largamente difundida de que a justiça é algumas vezes pervertida e maçons criminosos são salvos do castigo devido, não pode ser considerada infundada. A dita prática de assistência mútua é tão repreensível que mesmo alguns autores Maçónicos a condenam severamente. Um autor referido é o Irmão Marbach, que diz: “Se a Franco-Maçonaria realmente fosse uma associação secreta de homens dos mais diversos estratos da sociedade, assistindo-se e promovendo-se mutuamente, seria uma associação iníqua e a polícia não devia ter dever mais urgente que o de exterminá-la.”

Outra característica da lei Maçónica é que a traição ou rebelião contra as autoridades civis são consideradas apenas crimes políticos, que afectam pouco o estatuto de um irmão e não dão sequer fundamento para um julgamento maçónico. A rebelião contra o estado é apenas desaprovada quando atenta contra a paz e o bem-estar da nação. A irmandade deve desaprovar a rebelião, mas apenas para preservar a associação de incómodos por parte das autoridades civis. Um irmão culpado de rebelião contra o estado não pode ser expulso da loja, pelo contrário, os seus irmãos maçons são particularmente obrigados a penalizar-se pelo seu infortúnio quando ele tem de sofrer as consequências da sua rebelião, (na prisão ou no tribunal), e dar-lhe apoio fraterno até onde puderem.

A Franco-Maçonaria, em si, é uma organização muito pacífica e leal mas não desaprova, antes pelo contrário, louva os irmãos que, pelo seu amor à liberdade e ao bem nacional, conspiram com sucesso contra monarcas e outros governantes despóticos, enquanto que, como associação de utilidade pública ganha privilégios e protecção de reis, príncipes e outros altos dignitários pelo seu trabalho em prol da paz. Lealdade à Liberdade sobrepõe-se a todas as outras considerações. A efectividade desta regra torna-se aparente se considerarmos que se a traição ou a rebelião fossem crimes maçónicos, quase todos os maçons das colónias britânicas, em 1776, teriam sido expulsos e as suas lojas teriam sido retiradas da jurisdição das Grandes Lojas da Inglaterra e da Escócia e o mesmo teria sucedido aos maçons Brasileiros que estiveram envolvidos no dia do Fico, o que não aconteceu.

Um adágio enganador é “uma vez maçon, sempre maçon”. Esta frase é frequentemente usada para frisar a insolubilidade do laço maçónico, que não há absolvição das suas consequências ou obrigações, que nem sequer a morte consegue cortar a ligação de um maçon à maçonaria. É certo que um maçon tem o direito de se demitir, e este direito, qualquer que seja a opinião da jurisprudência maçónica, de acordo com os direitos inalienáveis do Homem, implica uma saída não só da loja, mas da irmandade. Na escala das penalidades maçónicas, a mais severa é a expulsão. Para além dos que se demitiram ou dos que foram expulsos, há muitos maçons que deixaram de ser membros activos das suas lojas, mas, de acordo com a lei maçónica, que, como é evidente, não pode obrigar a mais do que o que implicam as regras gerais da moralidade, eles permanecem sujeitos à jurisdição da loja da área em que residem.

Quanto à unidade, as autoridades Maçónicas afirmam unanimemente que a Franco-Maçonaria ao redor do Mundo é uma só e que todos os Pedreiros Livres formam na realidade uma única loja, que lojas e sistemas distintos existem por mera conveniência, e consequentemente, todo o Maçon regular tem o direito de ser recebido em qualquer loja regular, em qualquer parte do mundo como um irmão, e, em caso de necessidade, ser ajudado. As boas relações entre Maçons de diferentes nações são melhoradas através do convívio pessoal e da correspondência, especialmente entre os Grandes Secretários e nos Congressos Internacionais.

Em 1903 estabeleceu-se em Neuchatel, na Suiça, uma representação internacional permanente. Não existe nenhuma Grande Loja Geral apesar das diversas tentativas feitas em quase todos os grandes estados para estabelecer uma. Diferendos incessantes entre sistemas maçónicos diferentes são característicos da Franco-Maçonaria em todos os países ao longo dos séculos, mas a união federativa entre as Maçonarias é prova suficiente da solidariedade entre Maçons e organizações Maçónicas de todo o mundo, daí as suspeitas de cumplicidade universal nas maquinações que alguns irmãos e até mesmo algumas lojas levaram a cabo.

- Continua – A seguir: 5.4 – A Propagação da Maçonaria.

Pedro Estadão

Os Princípios Fundamentais da Maçonaria

Visitámos, recentemente, uma resumida história da Maçonaria. Percebemos as suas origens nas Casas dos Ofícios dos tempos medievais e ficámos a saber que existem, essencialmente, duas correntes maçónicas, a regular e a liberal. Sabemos que estes dois conceitos se separam desde 1877 por um cisma, provocado pela decisão do Grande Oriente de França de aceitar nas suas fileiras ateus e permitir que nas lojas que lhe estão filiadas se discuta política e religião, assuntos proibidos na Maçonaria Regular.

Continuaremos hoje a exploração deste tema, começando por definir mais concretamente quais são os princípios fundamentais e os objectivos das Maçonarias e tentando fazer uma fotografia dos seus membros a partir das regras que limitam a admissão nestas associações a pessoas com características mais ou menos definidas, e definiremos, de passagem, a organização e a expansão destes grupos.

À medida que avançámos na investigação deste tema, vimos o texto a expandir-se cada vez mais e decidimos criar novas divisões deste texto, onde abordaremos o tipo de actividades a que os Franco-Maçons se dedicam, tanto interna, com externamente, bem como alguma da simbologia maçónica, que serão as peças que seguirão nas próximas entregas. A seguir teremos então outra parte deste tema, onde descreveremos as relações históricas da Maçonaria com os Estados e as autoridades religiosas e terminaremos por explorar algumas histórias curiosas que envolveram a Maçonaria.

Confesso que neste momento não me é possível determinar a quantidade de artigos que isto vai implicar porque a cada passo que dou neste trabalho, novos dados de alguma complexidade se vão apresentando e é essencial que cada artigo individual tenha um tamanho aceitável, para que não se torne extenuante para o leitor seguir este tema.

É, portanto, a segunda parte que vos entregamos hoje, mas não sem antes agradecer as dezenas de mensagens de congratulações que recebemos de todo o mundo, em especial do Brasil, de onde recebemos mais de vinte e-mails a parabenizar-nos pela forma séria como tratámos este assunto e fomos informados por vários cibernautas de que puseram o artigo a correr pelos amigos. Este autor vê na vossa correspondência um estímulo para continuar e tentar fazer sempre mais e melhor, pois não há nada que o encha mais de satisfação que saber que as horas que dedicou à investigação das matérias que aqui incluiu não foram em vão e houve alguém que delas tirou proveito.

Vamos então, ao assunto:

5.2 - Os Princípios Fundamentais da Maçonaria

A maçonaria, em termos gerais, é uma associação fraternal que se define como filosófica, filantrópica e educativa. Os seus rituais praticam-se em segredo, dependendo o acesso a estes de uma iniciação (cerimónia de aceitação). Estas organizações utilizam o sistema de graus, e os segredos são transmitidos a cada grau através de gestos, palavras e símbolos. Há cerimónias de iniciação a cada um dos três graus da maçonaria, (aprendiz, companheiro e mestre), e cada loja elege anualmente o seu Grande Mestre ou Venerável Mestre (o nome varia de acordo com as obediências), que não é um grau e na maior parte das correntes maçónicas é um posto rotativo.

No nosso país, o Grande Oriente Lusitano enquadra-se na corrente liberal maçónica dos Grandes Orientes, também conhecido como a Maçonaria Continental, defendendo a liberdade absoluta de consciência e o adogmatismo, enquanto a Grande Loja Regular de Portugal, diz-se da maçonaria regular, que exige aos seus elementos uma declaração de fé em Deus, o Grande Arquitecto do Universo (não importando para o facto se o Deus é Cristão, Muçulmano ou Hindu, o que tem aqui relevo é a crença numa divindade suprema). Adiante, abordaremos mais detalhadamente a diferença entre as duas correntes.

Os maçons reconhecem-se entre si através de sinais, palavras, apertos de mão e outros tipos de códigos secretos que são mudados com alguma frequência para que o secretismo se mantenha e qualquer membro de uma Loja Maçónica tem o direito de visitar qualquer outra Loja, em qualquer parte do mundo desde que a sua Loja de origem e a que visita se reconheçam mutuamente. No interior das Lojas Maçónicas todos os franco-maçons se consideram iguais, como irmãos. Como regra geral, com o fim de preservar a harmonia interna das lojas maçónicas, todas as disputas pessoais, bem como diferendos acerca de religião, nações ou política do estado devem ser deixadas à porta.

A Maçonaria pretende apresentar uma espécie de religião universal da Humanidade, que gradualmente elimine as divisões entre os homens produzidas por opiniões particulares ou religiosas, preconceitos sociais, raciais ou nacionais, que seja o elo de união dos homens na sociedade Maçónica. Como pressuposto, partindo da parte para o todo, a sociedade Maçónica está concebida como modelo de associação para a Humanidade em geral, como uma semente, ou o alicerce em cima do qual se construirá uma humanidade melhor. “Humanidade” é o termo utilizado para designar o princípio essencial da Maçonaria, associada a palavras chave como “tolerância”, “não-sectário” e “cosmopolita”. Na Maçonaria Continental, juntam-se a estas, palavras como “neutralidade” e “laicismo”, entre outras, dando-se ainda uma particular importância à liberdade de consciência.
O carácter cristão da sociedade no regime operativo de séculos passados foi trocado pelos regulamentos não sectários que incluíram a aceitação de irmãos de todas as seitas, sem consideração por diferenças de cor ou raça, desde que simples condições de moralidade, idade madura e voto favorável se cumprissem. Isto implica um evidente contraste entre a Maçonaria especulativa e a operativa: enquanto o maçon de outros tempos era obrigado a ser fiel a Deus e à Igreja Católica Apostólica Romana, evitando heresias, presentemente, o seu dever está limitado à obediência à lei moral, que basicamente se pode resumir como as regras de honra e honestidade sobre as quais todos os homens concordam. Restou a sublimação teórica do traço comum a todas as religiões que é a crença numa divindade suprema, (o Grande Arquitecto do Universo), e na imortalidade da alma.
A Maçonaria apresenta-se então como professando o método empírico ou positivista de raciocínio e dedução na investigação da verdade. Parece que os fundadores da Maçonaria especulativa pretenderam usar os mesmos métodos nos seus propósitos sociais que a Real Sociedade Britânica usava para as suas pesquisas científicas. A Geometria, em particular é apresentada como uma espécie de lógica natural, considerando que a verdade é sempre consistente, invariável e uniforme, todas as verdades podem ser investigadas da mesma maneira. Esta recomendação da Geometria como método pressupõe que, para os maçons, as definições, proposições e axiomas morais e religiosos, têm uma relação regular e uma relação proporcional uns com os outros, tal como os da Física ou da Matemática. Os membros da Maçonaria são encorajados a trabalhar na descoberta da verdade universal com base neste método de raciocínio.
Por outro lado, algumas Grandes Lojas da América do Norte insistem ainda na crença na inspiração divina da Bíblia como qualificação essencial para aceder à sociedade maçónica e bastantes maçons americanos e alemães declaram que a Maçonaria é uma instituição essencialmente cristã. De acordo com as Grandes Lojas Alemãs, Cristo é o “sábio e virtuoso homem puro” por excelência, principal modelo e professor da humanidade. No sistema Sueco, praticado pela Grande Loja Alemã diz-se que Cristo, para além de ter ensinado a doutrina Cristã exotérica, destinada às massas, ensinou ainda uma doutrina esotérica a alguns dos seus discípulos, como S. João, na qual negava ser Deus. Este sistema maçónico afirma descender da sociedade secreta Cristã através da qual esta doutrina esotérica foi propagada. É evidente que, mesmo neste conceito algo restrito de Cristianismo não sectário, a Franco-Maçonaria não é uma instituição Cristã por reconhecer inúmeros modelos pré-Cristãos e mestres da Humanidade. Todos os maçons instruídos concordam na importância objectiva deste princípio Maçónico de “Humanidade”, de acordo com o qual, a crença em dogmas é um assunto de importância secundária e mesmo prejudicial à Lei do Amor Universal e da Tolerância. Isto torna a Franco-Maçonaria oposta, não só ao Catolicismo e à Cristandade, como a todos os sistemas de verdades sobrenaturais.
Conforme vimos na primeira parte deste tema, em 1723, James Anderson escreveu e publicou “As Constituições dos Franco-Maçons”, esta obra foi re-impressa em 1734 por Benjamin Franklin que foi nesse ano eleito Grão-Mestre dos Maçons da Pensilvânia. Estes documentos são considerados até aos dias de hoje como uma espécie de estatutos originais da Maçonaria e foi da sua alteração que resultou o cisma que se vive até aos dias de hoje, separando Grandes Lojas de Grandes Orientes. A causa desta separação foi a diferença de interpretação de uma única frase, contida no original: “E se ele”, (o maçon), “entender correctamente a Arte, nunca será um estúpido Ateu ou um Libertino sem religião.” (Perdoe-se mais uma vez o autor por qualquer lapso de tradução, uma vez que tem tido acesso a muito poucos materiais escritos em português).
Esta controvérsia agravou-se a partir de 13 de Setembro de 1877, quando o Grande Oriente de França apagou o parágrafo, introduzido em 1854 nas suas constituições, pelo qual a crença na existência de Deus e na imortalidade da alma eram as bases fundamentais do trabalho maçónico, e introduziu alterações no primeiro artigo das suas novas Constituições que se passou a ler da seguinte maneira: “A Franco-Maçonaria é uma instituição essencialmente filantrópica, filosófica e progressista, tendo por objectivos a busca da verdade, o estudo da moral universal, das ciências, das artes e a prática da beneficência. Tem por princípios a liberdade absoluta de consciência e a solidariedade entre os homens. Não exclui ninguém pelas suas crenças. A sua divisa é Liberdade, Igualdade, Fraternidade.” (Traduzido do francês pelo autor). Seguidamente, a 10 de Setembro de 1878, o Grande Oriente de França, decretou a eliminação dos rituais e dos procedimentos da Loja de todas as alusões a dogmas religiosos como por exemplo os símbolos do Grande Arquitecto ou a Bílblia. Estas medidas originaram protestos imediatos de quase todos os organismos anglo-saxónicos e germânicos e provocou a ruptura entre as Grandes Lojas Americanas e o Grande Oriente de França. Havendo bastantes maçons livres-pensadores tanto na Europa como na América, isto provocou uma ruptura a nível mundial.
Esta ruptura parece mostrar que a Maçonaria Anglo-Americana encara a crença num Deus supremo como um requisito essencial para ser maçon e a coloca contra o laicismo extremo da Maçonaria Latina. Na realidade, toda esta história aparece recheada de ambiguidades. No texto de 1723, a parte relacionada com o ateísmo parece propositadamente ambígua, mas apenas o suficiente para não chocar com o que era socialmente aceitável na época, em que uma admissão pública de ateísmo teria sido fatal para a Maçonaria. Não dizia em lado nenhum que um ateu não podia ser admitido, ou que nenhum maçon podia ser ateu, apenas afirmava que se o indivíduo “entendesse correctamente a Arte, nunca seria um estúpido ateu, etc…”, quer dizer, nunca professaria o ateísmo de uma forma estúpida, por exemplo chocando os sentimentos religiosos da época através de afirmações que teriam prejudicado a reputação da Maçonaria. E mesmo esse “estúpido ateu”, não sofre censura maior que a de se afirmar que não entende correctamente a Arte, o que constitui um julgamento meramente teórico sem qualquer espécie de sanção ou crítica. Este tipo de leitura parece encorajar o ateísmo positivista ou científico.
Do outro lado, a rejeição do ateísmo pelas Grandes Lojas Britânicas, Americanas e mesmo algumas das Germânicas parece pouco mais que ambígua na sua luta com o Grande Oriente. À distância parece que o diferendo assentou mais na consciência da necessidade que o conflito latente entre a França e a Grã-Bretanha do Séc. XIX trazia de uma diferenciação entre as duas organizações para possibilitar a sobrevivência destas que uma real diferença ideológica entre Grandes Lojas e Orientes. Era a espuma dos tempos a funcionar. A Grande Loja de Inglaterra adoptou quatro resoluções em 1878 nas quais se afirmava a crença no Grande Arquitecto do Universo como o mais importante marco fundamental da ordem e uma imposição explicita de que esta crença era exigência primordial aos irmãos visitantes provenientes do Grande Oriente de França como condição para visitarem as lojas inglesas. Providências semelhantes foram tomadas pelas Grandes Lojas Irlandesas, Escocesas e Norte-Americanas. No entanto, esta crença no Grande Arquitecto é tão vaga e simbólica que qualquer forma de ateísmo ou mesmo de ateísmo estúpido pode ser abarcada por ela. De facto, tanto Britânicos como Americanos ficam satisfeitos com uma simples e vaga declaração verbal, sem mais aprofundamento relativamente à natureza da crença e não sonham sequer em afirmar que a Franco-Maçonaria é uma igreja ou um sínodo. Como consequência, chegam a reconhecer como maçons alguns filósofos Naturalistas da época, para quem Deus era o princípio todo-poderoso oculto nas forças da natureza.
Depois de observada atentamente, toda a controvérsia acaba por parecer meramente formal, ainda mais se atentarmos à cláusula que determina a exigência da crença no Grande Arquitecto do Universo, conforme escrita nas Constituições da Grande Loja de Inglaterra em 1815, que também determina que “um maçon está particularmente obrigado a nunca agir contra os ditames da sua consciência”. Esta expressão parece indicar que a Grande Loja de Inglaterra reconhece que a liberdade de consciência é o princípio soberano da Franco-Maçonaria, prevalecendo sobre todos os outros quando em conflito com eles. A mesma supremacia da liberdade de consciência está também implícita no carácter não-sectário que os maçons Anglo-Americanos reconhecem como a essência mais profunda da Maçonaria. O Imperador Alemão Frederico III, num discurso solene aos maçons em Estrasburgo, a 12 de Setembro de 1886 afirmou: “Acima de tudo, dois princípios caracterizam os nossos propósitos, são eles a liberdade de consciência e a tolerância”. Foram os fundamentos da maçonaria proclamados pela mais alta autoridade Maçónica da Alemanha.
Assim, o Grande Oriente de França está de acordo quanto à substância da questão, apenas se desviou da tradição descartando alguns símbolos e fórmulas simbólicas. Evidentemente, as diferenças provocadas por essa alteração levaram a que, com o tempo, os sistemas rituais se afastassem e até aos dias de hoje, Grandes Lojas e Grandes Orientes não se reconheçam mutuamente, apesar disto e ainda juntando uma variedade de sistemas rituais como a que existe, pode-se afirmar que a Maçonaria é, hoje em dia, uma organização, ou conjunto de organizações com nuances pouco relevantes que são mais observáveis na forma que no conteúdo e que dão a qualquer estudioso destas matéria amplo campo de estudo e uma variedade imensa de temas para desenvolver. Não deixa de ser interessante observar que a Maçonaria seja reformada onde a Igreja Católica é tradicional e seja tradicional onde a mesma Igreja é reformada, mas isso é assunto para um outro dia.

- Continua – A seguir: 5.3 - A Organização da Maçonaria.

Pedro Estadão

Anátema

Intervalamos a nossa dissertação sobre a Maçonaria para nos debruçarmos sobre mais um termo utilizado nos discursos políticos. No presente caso, a palavra em questão foi endereçada a este vosso amigo na forma da sugestão de que “lançava sobre os funcionários públicos o anátema da ineficiência e ineficácia”. Não estando em causa a veracidade da afirmação, mas o seu sentido, acabámos por optar pela explicitação do termo “anátema”, em lugar de nos lançarmos em mais uma dissertação de extensão idêntica à que já temos em curso, desta vez sobre o tema da “Selecção dos estilos da linguagem conforme os objectivos que se pretendem atingir e as reacções que se pretendem obter”, (eu sei que ia parecer um título saído do Príncipe do Maquiavel, mas acabará por ser tratado neste breviário, mais tarde, com um título mais simples: Planeamento e Elaboração do Discurso).

Não nos demoremos mais e façamos, então, uma rápida visita ao Anátema.


6- Anátema

Anátema é uma palavra que nos chega directamente do Grego (Ανάθεμα), significando originalmente “algo erguido como oferenda aos Deuses”, mais tarde, veio também a ser utilizado como significando ser formalmente banido, exilado, excomungado, denunciado e, em alguns contextos também foi usado com o significado de “amaldiçoado”.

O significado original da palavra, na literatura Grega, era o de uma oferta aos Deuses. Quando os textos hebraicos da Bíblia foram traduzidos para Grego, a palavra foi utilizada para traduzir a palavra hebraica “herem”, com a qual ficou associada a partir daí. “Herem” designa algo proibido ou proscrito. A palavra foi usada para designar ofertas feitas a Deus, e, portanto, proibidas aos comuns mortais. Assim, a associação destas duas palavras, levou a que Anátema passasse a significar algo que está fora do alcance, e, logo, separado do nosso mundo. A utilização corrente levou a que passasse a designar tudo o que era posto à parte, e assim, na sua conotação negativa, tudo ou todos os que eram banidos ou excluídos e considerados amaldiçoados e, por isso, intocáveis e sem qualquer espécie de possibilidade de redenção.

Para a Igreja Católica, o termo anátema acabou por designar uma forma de sanção religiosa ainda mais severa que a excomunhão. O registo mais antigo deste uso da palavra foi feito no “Concílio de Elvira”, em 306 d.C., e, a partir daí passou a ser uma forma comum de excluir os hereges. Cirílo de Alexandria lançou doze Anátemas contra Nestório, Arcebispo de Constantinopla, em 431 d.C.. Nestório é considerado o originador da Heresia Cristológica, por ter pregado contra o uso do termo “Mãe de Deus” para designar a “Virgem Maria”, preferindo, nos seus sermões, usar a expressão “Mãe de Cristo”. Paralelamente ao debate Cristológico, decorria uma luta política entre os apoiantes da Sé de Alexandria e os da Sé de Antioquia sobre a influência do Imperador sobre a Sé de Constantinopla ou a primazia patriarcal do Papa. Nestório foi apanhado no meio e provavelmente será causa para falarmos num outro dia.

No Séc. XIX, havia uma distinção formal entre Anátema e Excomunhão. Excomunhão designava o afastamento de uma pessoa do rito da Eucaristia, enquanto Anátema designava a exclusão total do sujeito do povo da Igreja.

Enquanto a excomunhão podia ser declarada por qualquer Bispo, a declaração do anátema tinha que ser efectuada pelo próprio Papa. O anátema era imposto pelo Papa numa cerimónia específica para o efeito. O Código Canónico de 1917, que aboliu todas as penalidades eclesiásticas não mencionadas no próprio código, tornou anátema sinónimo de excomunhão. O Código Canónico em vigor nos nossos dias, já não menciona a palavra “anátema” e o ritual efectuado em outros tempos já não faz parte dos usos do Pontificado Romano.

Pedro Estadão

Breve História da Franco-Maçonaria

Quem participa na vida política, mais tarde ou mais cedo acaba por ser confrontado com a indicação de que alguns dos seus companheiros ou camaradas de partido são membros desta ou daquela organização, confraria ou sociedade, secreta ou não, que supostamente tem objectivos ou desígnios ocultos que acabam por servir de explicação ad-hoc para alguns acontecimentos e alinhamentos de forças aparentemente invulgares, misteriosos ou inexplicáveis.

Sejam as Maçonarias, a Opus Dei, os Illuminati, os Rosa-Cruz, Os Templários, os Cavaleiros de Malta, o Rotary Club, o Grupo de Bilderberg, a Confraria do Bacalhau ou qualquer outra associação de acesso restrito e com uma vida interna reservada e oculta dos olhares curiosos da maior parte do público, tudo serve para alimentar as mais diversas teorias da conspiração. Os pontos comuns destas teorias são geralmente dois, um é postularem que existe uma grande conspiração a nível mundial para dominar o mundo a partir de reuniões secretas de umas poucas pessoas que supostamente terão o poder de influenciar tudo o que se passa em todas as economias e governos do mundo; o outro é que, na maior parte dos casos, constituem um aproveitamento do desconhecimento e ignorância alheios para dominar através do medo ou para retirarem proveitos económicos da venda de livros, filmes ou qualquer outra espécie de merchandising.

Não queremos com isto afirmar que estas conspirações não existam, porque são, certamente, possíveis. Pretendemos apenas relevar que em volta do mistério de que se rodearam algumas destas associações cresceu um mercado lucrativo que se aproveita da natural curiosidade dos 99,9% da população que nunca pertenceu nem tem aspirações a pertencer a uma destas tribos. Este aproveitamento partiu em grande parte de autores de ficção que usaram de grande liberdade criativa para desenvolver enredos em que um qualquer grupo supostamente secreto e com fins de alguma forma tenebrosos usaria esse secretismo para atormentar a vida da mais variada gama de heróis literários.

O resto dos mitos que rodeiam algumas destas organizações terão também partido da necessidade que algumas pessoas têm de inventar histórias sobre o que não conhecem, ou, em alguns aspectos, poderão ter sido fomentados pelas próprias associações por forma a atrair mais adeptos ou afugentar curiosos, consoante os casos.

A nós, para efeitos da constituição deste breviário, basta-nos afirmar que algumas destas organizações, seitas ou irmandades existem mesmo e essa realidade é suficiente para que um nível mínimo de conhecimento das actividades, objectivos e história destes grupos, transversais na sociedade em termos políticos, religiosos, económicos ou culturais, seja fundamental para podermos fazer uma análise diferenciada e rigorosa da actuação de cada indivíduo que participa na vida política. O conhecimento é o que nos afasta do preconceito, do medo ou da especulação, portanto, se existem organizações secretas na nossa sociedade, compete-nos tomar conhecimento sobre elas e torná-las, ao menos para nós, um pouco menos secretas, para que possamos tomar as nossas decisões e fazer as nossas análises de um modo mais avisado.

Dito isto, começaremos hoje por nos debruçar sobre a Maçonaria, ou, mais correctamente, as Maçonarias, pois, conforme veremos adiante, não existe uma Maçonaria como um corpo único a nível mundial mas várias tendências compartimentadas a nível local ou nacional. Esperamos hoje ajudar alguns dos nossos leitores a ver o mundo oculto das sociedades secretas sob um novo prisma.

A extensão do tema e do artigo que originou, obrigou-me a decidir pela sua divisão em três partes, assim, hoje trataremos da origem histórica da maçonaria, na próxima entrada do nosso breviário veremos quais são os seus princípios fundamentais e perceberemos que tipo de pessoas faz parte desta organização, e, para terminar, num terceiro artigo sobre este tema, veremos o que fazem os maçons e visitaremos algumas histórias curiosas que envolveram a maçonaria e, de certa forma, contribuíram para lhe dar a conotação conspiratória que tem hoje.


5- A Maçonaria e os Franco-Maçons

Historicamente, a palavra “maçon” (francês), deriva do Latim “matio” ou “machio”, um construtor de paredes ou um cortador de pedra, em inglês, “mason”, tem a mesma origem latina. Em Alemão diz-se “steinmetz”, derivado do verbo “metzen” (cortar) e do nome “stein” (pedra), e em holandês “vrijmetselaar”, de raiz germânica (cortador livre). Em português diz-se “canteiro”. Há quem defenda que a origem desta expressão é mais antiga, tendo origem na expressão copta “phree messen” (filhos da luz), mas é pouco provável pelo que veremos da história da maçonaria.

O termo composto “pedreiro livre”, (freemason), terá aparecido pela primeira vez cerca de 1300 d.C., designando um artesão de qualidade superior, que teria actividade livre ou enquadrado numa Guilda. Uma interpretação sugere que seriam pedreiros que estariam isentos dos impostos das cidades onde se fixavam temporariamente e estavam livres de viajar e prestar serviço onde quer que se levasse a cabo uma qualquer grande obra (normalmente, uma Catedral). Outra sugere que haveriam, no tempo do Gótico, dois tipos de artesãos da pedra, os que cortavam a pedra bruta e os que trabalhavam a pedra livre, os pedreiros livres seriam estes últimos, derivando o nome da conjunção “free-stone mason”, que terá sido simplificada para freemason ou frank-mason. No início do Século, o Alemão W. Begemann, na sua obra Vorgeschichte, teorizou que o termo franco-maçon ou pedreiro livre originalmente designava um tipo de canteiro entalhador particularmente hábil a trabalhar e polir a pedra, necessário na época em que se deu o desenvolvimento da magnífica Arquitectura Gótica. Estes pedreiros livres formavam uma profissão universal com um sistema de símbolos secretos e códigos através dos quais era atribuído reconhecimento a qualquer um que demonstrasse a perícia adequada. Com o declínio da Arquitectura Gótica, estes artistas começaram a fixar-se e a integrar as Guildas e as Casas dos Ofícios.

O significado moderno do termo Franco-Maçonaria data de 1717, ano da constituição da Grande Loja de Inglaterra. Neste caso, o termo Franco-Maçonaria é geralmente definido como “uma ciência que tem por objectivo a busca da verdade divina, baseado num sistema de aperfeiçoamento moral “. A Enciclopédia Germânica da Franco-Maçonaria define-a como “a actividade de homens que, agindo em conjunto e utilizando fórmulas simbólicas que originam da profissão do pedreiro e da arquitectura, trabalham para o bem da humanidade, fazendo por enobrecer moralmente, a si próprios, e aos outros, por forma a produzir uma Liga da Humanidade (Menschenheitsbund), que aspiram a demonstrar mesmo no nosso tempo, em pequena escala, (perdoe-se aqui o autor pela, provavelmente fraca, tradução).


Mito, Origem e História

Antes de avançarmos neste capítulo é necessário afirmar que, se não é uma sociedade secreta, a Maçonaria é, pelo menos, uma sociedade com segredos, o que leva a que as fontes de informação sobre a sua história ou actividades nos possam chegar, de alguma forma, deformadas e enfermas da verdade. Importante também é considerar, pelo menos em relação à história anterior a 1717, que há muito de mito e de lenda no que se diz em relação a esta organização e que não somos obrigados a acreditar em tudo, sendo mesmo obrigados a duvidar da maior parte da história por não vermos dados concretos que suportem as teorias dos inúmeros historiadores da maçonaria, a maior parte deles, como já se afirmou, charlatães em busca de um lucro fácil.

Há, no entanto, algumas fontes que são reputadas junto dos próprios membros do ofício, e que dão origem a uma história mais ou menos oficial que é a que tentaremos relatar. Obviamente descartaremos todas as teorias de que a Maçonaria teria sido fundada pelo próprio Deus, o Grande Arquitecto, e que tenham sido maçons a construir a Arca de Noé, o Labirinto, as Pirâmides, a Torre de Babel, o Templo de Salomão, a Biblioteca de Alexandria ou as Pirâmides Maias. Também esqueceremos quaisquer referências à relação desta organização com a antiga religião Egípcia, aos Templários, aos Druidas ou a qualquer outra espécie de delírio especulativo sobre temas esotéricos. Facilmente se compreenderá que se houvesse alguma relação seria entre a Maçonaria e as Pirâmides ou qualquer outro dos objectos enunciados, teria já havido uma investigação extensíssima do assunto e haveriam numerosas fontes credíveis disponíveis.

Apesar de eu saber que muitos maçons concordariam com este último enunciado, muitos outros ainda aceitam a afirmação: “Não há dúvidas sobre a sua antiguidade, tendo existido desde tempos imemoriais.” No contexto ritual da Maçonaria subsiste o mito alegórico da fundação da fraternidade pelos construtores do Templo de Salomão. Para além deste mito, a ausência total de documentação quanto à origem dos Pedreiros Livres tem originado muita teoria sem qualquer fundamento, tendo a fundação da Maçonaria sido atribuída a personagens tão distintas como Euclides, Pitágoras, Moisés, os Templários, o Priorado de Sião, Oliver Cromwell, Francis Bacon, Christopher Wren, entre outros.

Posto isto, começaremos por dizer que não há indícios de organizações percursoras da Maçonaria até perto do séc. XII d.C.. Até essa época, o material de construção que predominava era a madeira e as profissões correspondentes eram as de carpinteiro e marceneiro. Simultaneamente com o despontar das Cruzadas e das guerras de reconquista cristã, começou a desenvolver-se a arte das construções em pedra e alvenaria, desenvolvendo-se então a profissão dos canteiros entalhadores. Nessa época de crescimento da fé Cristã na Europa, começaram-se então a construir grandes obras de pedra, as Catedrais, Mosteiros, e Conventos. Era o tempo da Arquitectura Gótica, Arquitectura para a glória maior de Deus, ou Arquitectura divina (Gótico radica em God, ou Gott).

No tempo da construção das catedrais, os canteiros entalhadores, ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, eram homens livres de viajar para onde quisessem, não estando sujeitos à ligação à terra que impunha o sistema feudal. Quando se deslocavam, ficavam alojados em estruturas temporárias, anexas ao local da construção. Nestas lojas, comiam, dormiam e recebiam instruções do mestre-de-obras. De forma a manter a liberdade de que gozavam, quando um aprendiz era treinado, eram-lhe incutidos valores morais que o vinculavam aos colegas de profissão e permitiam manter os segredos do ofício, evitando assim que a abundância de mão de obra fosse tal que a sua arte não fosse mais vista como exclusiva de um pequeno grupo e os seus privilégios se perdessem.

Com tanta construção em curso, foi necessário especializar muita gente na arte de construir. E essa gente toda teve de se organizar. Na época das Guildas e das Casas dos Ofícios, era um ofício novo a carecer de um estatuto. Em 1356, um grupo de 12 destes Pedreiros Livres, liderados por um Henry Yevele, se deslocou à Perfeitura de Londres e obtiveram uma autorização oficial para fazer um Código e um Regulamento Interno para a Instalação de uma Sociedade que representasse o seu ofício. Da sua primeira proposta de Estatuto constava um pedido pqra que as suas reuniões fossem fechadas, sem a presença de pessoas que não estivessem ligadas à profissão. A Fellowship of the Masons, nome porque deu esta associação, durou vinte anos, até à fundação da Companhia dos Maçons de Londres. Os estatutos que passaram a reger a profissão nessa época e os que se lhes seguiram são chamados, pelos maçons, Constituições Góticas.

Nesses tempos iniciais, alguns homens que não eram maçons operativos nem arquitectos, juntavam-se com os maçons nas suas lojas, ao contrário dos profissionais de facto, que se denominavam maçons dogmáticos, estes homens diziam-se maçons geomáticos. Podiam observar as cerimónias de admissão e tinham os seus sinais de reconhecimento. Não era esta, no entanto, a maçonaria especulativa dos nossos dias, era ainda uma sociedade que fazia por manter num número reservado de pessoas conhecimentos considerados de alguma forma secretos, relacionados com a geometria, a matemática e as técnicas de construção e de trabalho da pedra que se utilizavam naqueles tempos. Era o tempo da maçonaria operativa.

A Maçonaria moderna só surge, de facto, a partir de 1723. Seis anos após a fundação da Grande Loja de Inglaterra, o que instala a maçonaria especulativa, (um método sistemático de ensinar um sistema moral através de símbolos e fórmulas simbólicas), é a adopção do novo Livro de Constituições e dos três graus, (aprendiz, companheiro e mestre). Em 1717, as velhas lojas maçónicas haviam praticamente desaparecido e a partir daqui as novas lojas surgem como sociedades de convívio, o que está em contradição com o papel de associação profissional de outros tempos. Não está, portanto, em causa, um revivalismo de outros tempos, mas sim um tipo de organização completamente novo que não é mais antigo que o início do Séc. XVIII.

A partir daqui, a história da Maçonaria está extraordinariamente bem documentada e é possível seguir a criação de centenas de Grandes Lojas que se espalharam rapidamente por todo o mundo, quanto deste crescimento foi devido à expansão da Maçonaria e quanto foi devido à reorganização de lojas pré-existentes é incerto.

Em 1723, James Anderson escreveu e publicou “As Constituições dos Franco-Maçons”, esta obra foi re-impressa em 1734 por Benjamin Franklin que foi nesse ano eleito Grão-Mestre dos Maçons da Pensilvânia. A partir deste momento deram-se uma série de acontecimentos de maior ou menor relevo histórico, conforme a opinião de cada um, mas que nós vamos abreviar para bem da facilidade de leitura deste artigo e saltar directamente para o Séc. XIX., época que nos interessa particularmente, pois foi em 1802 que se instalou em Lisboa a mais antiga obediência maçónica Portuguesa: o Grande Oriente Lusitano.

Pensa-se que a acção desta corrente maçónica tenha sido determinante, em alguns momentos históricos importantes, para o nosso país, como foram a Revolução Liberal de 1820, a Abolição da Pena de Morte, em 1867 e a Implantação da República, em 1910. Não vamos aqui desenvolver estes temas, pois pensamos que virão a ter lugar próprio em publicações posteriores deste breviário, tal como a época da Comuna de Paris, em que a maçonaria do Grande Oriente de França teve um papel fundamental e extraordinariamente activo. Todos estes episódios históricos são demasiadamente extensos para os conseguirmos integrar seriamente num artigo deste género.

Em 1877, o Grande Oriente de França começou a aceitar ateus nas suas fileiras e reconheceu a Maçonaria Feminina e a Co-Maçonaria, para além disso, ao contrário dos Ingleses, que recusavam liminarmente discussões sobre política e religião nas suas Lojas, os Franceses tendiam a aceitar isso com naturalidade. Isto originou um grande cisma na Maçonaria, entre a Grande Loja de Inglaterra e o Grande Oriente de França, que a partir daí passaram a definir correntes maçónicas diferentes.

No Séc. XX, muitos foram os regimes totalitários que trataram a Franco-Maçonaria como uma potencial fonte de oposição devido à sua natureza secreta e às suas ligações internacionais. Em Portugal, a Maçonaria foi proibida durante o Estado Novo. Desde 13 de Maio de 1935 até à revolução de 1974, a organização desenvolveu-se na clandestinidade e numerosos dos seus elementos foram presos e ou forçados ao exílio político. Durante esta época, os bens da maçonaria estiveram confiscados e o Palácio Maçónico, na Rua da Portas de Sto. Antão, esteve ocupado pela Legião Portuguesa. Após a Revolução de Abril de 74, o Grande Oriente Lusitano voltou a ser uma organização legal e os bens confiscados foram-lhe devolvidos, incluindo o Palácio Maçónico, onde funciona até hoje a sede do Grémio Lusitano e onde funciona o Museu Maçónico Português, que está aberto ao público e é considerado um dos melhores da Europa na sua especialidade.

Em 1991, é instalada a Grande Loja Regular de Portugal, obediência maçónica da linha da Grande Loja Regular de França e Grande Loja de Inglaterra. A GLRP e o GOL não se reconhecem mutuamente, à semelhança das congéneres estrangeiras de ambas as linhas, mantido que é o cisma de 1877.


- Continua Brevemente –

Pedro Estadão

O Casus Belli

Sabemos que a acção política é diferente da maior parte das ocupações humanas porque é das poucas actividades que pode obrigar o actor a fazer uso de todos os campos do conhecimento técnico, científico e cultural. A acção política, para ser eficaz, para além de depender de uma cultura geral bastante sólida, depende da capacidade de utilizar técnicas e conceitos de áreas tão diversas como a economia, o direito, a psicologia e a diplomacia, entre outras.

Hoje, vamo-nos debruçar sobre dois conceitos importantíssimos para a acção política: O Casus Belli e o Agnus Dei. O primeiro, chega-nos da Diplomacia, o segundo, da Teologia. Ao analisarmos a actuação de indivíduos e grupos de indivíduos na política dos nossos dias, encontramos frequentemente situações em que um ou ambos estes conceitos são aplicados, por vezes com mestria e outras vezes desajeitadamente. Na acção de alguns personagens mais pragmáticos são muitas vezes planeados e colocados como elementos preponderantes e essenciais de uma dada táctica, estando presentes como parte do plano principal ou, de outra forma, semeados como sustentação para um eventual Plano B.

Devemos aprofundar o nosso conhecimento destes conceitos porque a sua identificação precoce nos dá o conhecimento imediato da existência de um móbil oculto ou de um plano mais extenso que aqueles que nos são dados a ver no imediato a partir da informação que nos é disponibilizada directamente. A identificação precoce da preparação de um Casus Belli ou de um Agnus Dei é feita na maior parte das vezes a partir das partes do discurso político que aparentemente são deslocadas do contexto, parecem infundadas ou estão, de um modo geral, relacionadas com um futuro aparentemente longínquo ou com condições aparentemente inacreditáveis de se manifestarem.

A realização com mestria de uma táctica que envolva a utilização de um destes conceitos depende da habilidade que o indivíduo ou o grupo tiver de semear dissimuladamente e com antecipação pequenos elementos (provas ou argumentos, verídicos ou não) que mais tarde poderão ser conjugados por qualquer pessoa alheia à conspiração para atingir a conclusão que os autores pretenderam desde muito tempo antes que os elementos exteriores ao grupo, chegassem.

Quem nunca ouviu outra pessoa exclamar: - Ah! Então é por isso que..(etc...).Terminando com um: - Eu bem me parecia que era estranho, mas, agora, tudo faz sentido.

Pois é, Casus Belli e Agnus Dei. Aí vão eles:

3- Casus Belli

Com a crescente formalização das relações entre os estados que se deu nas últimas décadas do Séc. XIX, acompanhada pela implementação das constituições e pela necessidade cada vez maior de os governantes justificarem as suas acções, surgiu todo um novo conjunto de conceitos destinados a justificar, em termos compreensíveis pelos povos, actos de uns estados em relação a outros. Um destes conceitos é o Casus Belli, um neologismo latino que pretende designar uma “justificação para a Guerra”, etimologicamente, Casus significa “incidente” e Belli significa “de guerra”. Na prática, Casus Belli quer dizer “causa para a guerra”.Conforme dizíamos, este termo, apesar da sua aparente antiguidade, apenas entrou em utilização corrente no final do Séc. XIX com o desenvolvimento da teoria “jus ad bellum”, ou teoria da “guerra justa”.

Usada informalmente, esta expressão refere qualquer causa justa que uma nação possa argumentar para entrar em guerra, é usada ainda para definir situações em que essas razões existem mas a guerra ainda não foi, efectivamente declarada. Formalmente, um governo explicitaria as razões que o fariam entrar em guerra, bem como o seu objectivo ao fazê-la, e os passos que poderiam ser tomados para evitá-la. Dito isto, esse governo estaria a implicar que apenas entraria em guerra em último recurso e que as causas para a guerra eram causas justas.

Historicamente, o Casus Belli foi utilizado para justificar a guerra junto das populações e das elites dirigentes de variados países. Hoje em dia, tem como objectivo maior justificar a guerra junto da comunidade internacional, uma vez que, desde a I Grande Guerra, os incidentes bélicos deixaram de ser vistos como situações que envolvem um pequeno número de intervenientes e passaram a ser vistos como situações que envolvem todo o conjunto da Humanidade.

4- Agnus Dei ou o Bode Expiatório

A variedade e complexidade das línguas em que foram escritos os textos que compõem a Bíblia, bem como a dificuldade que os linguistas actuais têm em determinar com exactidão o significado de algumas palavras homógrafas e homófonas do Aramaico, do Hebraico antigo ou mesmo expressões de calão Grego ou Latino, levaram a que fossem dados sentidos interpretativos a determinadas expressões, conforme o jeito que dava a cada geração de teólogos.

Assim, o Agnus Dei (Cordeiro de Deus), poderia não ter qualquer relação com qualquer animal sacrificial. O erudito Geza Vermes afirma que no Aramaico da Galileia, a palavra “tallia”, tanto pode significar “cordeiro” como “filho masculino”. Assim, quando João Baptista, no seu evangelho afirma: “Contemplem o Cordeiro de Deus, que leva consigo os pecados do Mundo”, poderia muito bem estar a referir-se ao filho de Deus, em lugar do cordeiro sacrificial, no entanto, a ambiguidade serviu para sustentar ao longo dos séculos o conceito de que Jesus teria sido uma espécie de bode expiatório para os pecados da humanidade.

O bode expiatório é, por si, um conceito com muito mais antiguidade. Aparece pela primeira vez no Talmude hebraico (o Antigo Testamento dos católicos), e também aparece ferido desta confusão linguística. Aparentemente, William Tyndale, que traduziu a Bíblia do Rei Jaime de Inglaterra, terá confundido azazel, (um demónio cananita), com ez’ozel, (o bode que parte), e, vai dai, na versão Bíblica (Levítico 16:22), aparecem com dois bodes para sacrificar no Templo de Jerusalém no dia da expiação (Yom Kippur), um deles é queimado e o outro é usado de forma singular: O sacerdote coloca-lhe a mão na cabeça e confessa os pecados do povo de Israel, depois, soltam o bode para que ele fuja pelo deserto, levando os pecados com ele.

Na teologia cristã, esta história é vista como uma premonição do papel de Jesus, (o Cordeiro de Deus), como redentor dos pecados da humanidade, na versão do Talmude, o tal do azazel ainda é empurrado do alto de um penhasco. Parece que é desta confusão linguística que nasce a imagem de um diabo com cascos de bode e chifres.

Usado metaforicamente, o bode expiatório designa alguém escolhido para carregar as culpas de um qualquer acontecimento nefasto. Em inglês, a palavra “scapegoating”, para a qual não temos tradução exacta, mas que significa qualquer coisa como o acto de lançar sobre outro ou outros a culpa de uma multitude de problemas, deriva do termo “scapegoat” (bode expiatório). O bode expiatório é uma espécie de mártir de sinal negativo, que está carregado de todos os males, em lugar de ser um símbolo das virtudes. De uma pessoa ou grupo transformado em bode expiatório também se diz que foi “tramado”.

Não são só as religiões que se debruçam sobre este conceito. È tema da política, da sociologia e da psicanálise. A criação de bodes expiatórios tem sido um instrumento importante da propaganda política, envolvendo a discriminação de grupos minoritários e culpando-os de todos os males do mundo. A táctica mais frequentemente utilizada é a de caracterizar todo um grupo de acordo com o comportamento de uns poucos dos seus elementos, gerando assim, na totalidade do conjunto, uma culpa por associação. Por culpa de uns, todos são implicados.

Esta técnica é um meio bastante eficiente, se bem que temporário de consolidar a solidariedade no interior de um grupo quando esta não consegue ser atingida de uma forma mais construtiva. O alvo, (indivíduo ou grupo), passa a ser visto como uma figura absolutamente aberrante, sem qualquer possibilidade de redenção. À medida que a campanha avança, um conjunto cada vez maior de culpas de pequenos acontecimentos parece, com toda a lógica, ser da autoria de uma única entidade e a sua exclusão acaba por se tornar a única solução legítima.A teoria da psicanálise sustenta que pensamentos ou sentimentos indesejáveis são inconscientemente projectados no outro, que se transforma no bode expiatório dos nossos próprios problemas. Este conceito pode ser estendido à projecção por grupos, em que se dá a transformação de um indivíduo no bode expiatório dos problemas do grupo.

O Antropólogo René Girard deu-nos uma nova definição da teoria do Bode Expiatório. Baseado na assunção de que á a Humanidade e não Deus, quem tem um problema com a violência. Os Humanos são mobilizados pelo desejo daquilo que os outros possuem, (desejo mimético). Isto causa uma triangulação do desejo e resulta num conflito entre partes que desejam uma determinada coisa. Este contágio mimético aumenta até ao ponto em que a sociedade ou o grupo está em risco, é neste ponto que o mecanismo do Bode Expiatório é despoletado. É neste ponto que há uma pessoa que é identificada como causa do problema e é expulsa ou morta pelo grupo. Essa pessoa é o Bode Expiatório.

Pedro Estadão

A Política na República Romana

A Política como actividade nasceu muito cedo na história, no dealbar da humanidade, quando as tribos nómadas de Homo Sapiens Sapiens se fixaram e começaram a formar comunidades gregárias que começaram por ser acampamentos permanentes de pequenos grupos de indivíduos e depois tomaram formas mais complexas que foram exigindo métodos de organização social cada vez mais desenvolvidos. Como conceito, a Política surge-nos da Antiguidade Clássica, pela mão de Platão, que chamou politeia ao conceito de "como governar uma cidade", Cícero, séculos mais tarde, deu-lhe o nome latino res pvblica, na sua tradução do diálogo do filósofo grego com esse título.

O termo Política designa desde então a ciência ou a arte de governar uma cidade. Como conceito, foi estudado por inúmeros filósofos e cientistas sociais, e foi por alguns deles desenvolvido até à definição daquilo a que chamamos hoje os sistemas políticos. Nos dias de hoje, a Política é estudada em disciplinas tão diversas como a Filosofia, a História da Política, a Teoria Política, a Economia Política, e outras do mesmo âmbito, tendo-se tornado um dos temas que merece mais atenção da parte dos intelectuais e académicos da área das Letras e das Ciências Sociais.

O sistema político que é presente em Portugal neste momento não pode ser correctamente percebido se não conhecermos as raízes históricas da nossa vida em comunidade e não perdermos algum tempo a debruçar-nos sobre a sua evolução histórica, detendo-nos nos momentos que marcaram o estabelecimento das regras das relações sociais e que moldaram o paradigma social que é utilizado actualmente na formulação do nosso agir colectivo. Um estudo prolongado deste tema resultará provavelmente na descoberta de que algumas idiossincrasias da acção política actual permaneceram indeléveis, ainda que lhes tenha sido retirado o cunho institucional, desde há muito tempo atrás, e estão de tal forma enraizadas na nossa forma de ser como povo que só muito dificilmente algumas coisas irão alguma vez mudar.

Vamos aqui tratar desta história da política, intercalada com outros temas de igual interesse, e sem qualquer respeito pela ordem cronológica. Esperamos que seja de alguma utilidade para os leitores.

2- Política na República Romana

A sociedade Romana era hierarquizada em três castas: Escravos, Homens Livres e Cidadãos. Os Cidadãos, por sua vez, também eram, entre si, divididos em classes: Os Patrícios, que eram os descendentes dos 100 patriarcas que fundaram a cidade, e os Plebeus, qualquer membro de um destes dois grupos que tivesse como antepassado um Cônsul, era considerado Nobre. Note-se que algumas funções religiosas eram conferidas unicamente a Patrícios. Os plebeus eram frequentemente associados a Patrícios através de uma relação de clientelismo, em que o primeiro ficava devedor de favores e benesses ao último e ficava refém de um pacto de honra que o obrigava a servir o seu patrono sempre que este necessitasse.

O direito de voto na República Romana dependia da Classe Económica, sendo os cidadãos agrupados em tribos votantes. Acontecia que as tribos dos mais ricos tinham menos elementos que as tribos dos mais pobres, e todos os trabalhadores manuais estavam englobados numa única tribo. As votações eram feitas por ordem de classe e paravam assim que se atingia uma maioria, o que resultava frequentemente no facto de as classes mais pobres nunca chegarem a votar. Às mulheres era vedado o direito ao voto, o que não impediu algumas delas de se tornarem tão influentes como qualquer homem no que tocava às decisões políticas do Estado Romano, mas as impediu efectivamente de ocuparem qualquer magistratura política, judicial ou militar durante a duração do Império Romano.As unidades básicas da sociedade Romana eram as Casas e as Famílias. As Casas incluíam o Cabeça de Casal (paterfamilias), a sua esposa, filhos e outros parentes. O paterfamilias detinha grande poder sobre os membros do seu agregado familiar, poder esse que se estendia mesmo sobre filhos adultos que já tivessem formado as suas próprias famílias, um homem não seria considerado um paterfamilias enquanto o seu pai estivesse vivo. Estas figuras podiam forçar casamentos e divórcios, vender os filhos para a escravatura, apoderar-se dos bens dos seus dependentes e pensa-se que até teria o direito de matar membros da família.

Grupos de Casas relacionadas entre si formavam Famílias, que eram geralmente ligadas por laços de sangue mas também o podiam ser por alianças políticas ou económicas. Durante o tempo da República Romana, algumas famílias mais poderosas acabaram por dominar a vida política. O casamento, no tempo dos Romanos, era visto mais como uma aliança política e financeira do que como uma relação romântica, especialmente na classe mais alta.No que diz respeito ao governo da República este era feito através de uma curiosa combinação de Democracia e Oligarquia. As leis romanas apenas podiam ser aprovadas por voto numa assembleia popular, composta pelas tribos anteriormente descritas, e similarmente, os titulares de cargos públicos tinham de concorrer a eleições. Paralelamente, existia o Senado, que era uma instituição Oligárquica que funcionava como um conselho consultivo. Na República Romana, o Senado tinha grande autoridade, mas não tinha poder legislativo. No entanto, como os Senadores eram, todos eles, indivíduos muito influentes, dificilmente se conseguiria alguma coisa contra a vontade colectiva do Senado.

A República Romana não tinha burocracia fixa e praticava a colheita de impostos. As posições no Governo eram custeadas pelas finanças privadas dos titulares dos cargos, que eram eleitos anualmente, e aos pares, de modo a evitar que qualquer cidadão acumulasse demasiado poder. Em condições normais, a mais alta autoridade do Estado era exercida por dois Cônsules, e, numa emergência, poderia ser nomeado um Ditador temporário.

No início do Império, foi mantida uma pretensa forma de Governo Republicano, sendo que o Imperador era considerado apenas um príncipe, ou o primeiro cidadão, e o Senado ganhou o poder legislativo. No entanto, com a expansão do Império e o decorrer do tempo, os Imperadores tornaram-se cada vez mais autocráticos e o papel do Senado reduziu-se ao de um simples conselho consultivo nomeado pelo Imperador. A ausência de um sistema de estruturas governamentais fixas é hoje considerado por alguns historiadores como uma das principais causas da queda do Império Romano.

Pedro Estadão

N.A.- A extensão dos temas tratados neste breviário, aliados ao facto de o seu autor não ser um especialista nas matérias aqui expostas podem levar a que alguns destes textos contenham pequenos erros ou inexactidões que muito agradecemos se no-los apontarem.

Os Jovens Turcos

Os políticos tendem a ser crípticos nos seus discursos. É vulgar assistirmos a elucubrações aparentemente incompreensíveis ou a frases desgarradas e desprovidas de qualquer sentido que despertam em nós o profundo desconsolo de percebermos que o emissor está a dizer algo de realmente importante, mas que o receptor (nós), não entende por lhe faltarem os dados culturais ou situacionais que lhe permitam descodificar a mensagem oculta nas entrelinhas.Quantas e quantas vezes são passados recados que apenas alguns "inteligentes" compreendem? Quantas mensagens encriptadas caem no ridículo por parecerem desprovidas de qualquer sentido? (Quem não se lembra do famoso: Eu sei que você sabe que eu sei que você sabe que eu sei.?)

O Barreiro também tem os seus políticos e a política Barreirense também tem as suas entrelinhas, e não tem poucas, tem as bastantes para que nos dediquemos a uma exploração mais ou menos regular dos termos e expressões utilizados nos discursos dos nossos concidadãos mais loquazes e, com isso, fazermos uma modesta contribuição para a cultura política de quem tenha algum interesse nestes temas.Não entraremos aqui em considerações sobre nenhum discurso em particular nem nos dedicaremos a destrinçar e a descodificar esta ou aquela afirmação de alguém em particular. Por ora, seremos felizes por colocar à disposição dos nossos leitores algumas ferramentas, na forma de definições, que permitam que, cada um por si, faça a sua leitura das entrelinhas e enriqueça o seu vocabulário político.

Comecemos então com a expressão da semana.

1- Os Jovens Turcos

Cerca de 1889 formaram-se na Turquia organizações constituídas essencialmente por jovens estudantes e cadetes das Academias Militares. Com a abolição da Constituição pelo Sultão Abdul Ahmid II, estas organizações tornaram-se clandestinas e organizaram-se como sociedades secretas à imagem da Carbonária, formando células em que apenas um elemento estaria ligado a outra célula. Chamou-se a esta organização Jovens Turcos, ou Jöntürkler na língua original.

Os princípios que guiavam este movimento eram, no essencial, o Liberalismo, o Materialismo, o Positivismo, o Constitucionalismo e a Centralização do Governo. O Nacionalismo que os caracterizou a partir de 1904 não foi uma constante ao longo da história desta organização que deixou raízes que ainda se sentem na política Turca de hoje.

Defendiam então, em linhas gerais, que era necessário fazer uma revolução que permitisse transformar a sociedade numa em que a religião não fizesse parte da política do estado. Para eles, o governo devia ser a emanação de uma elite intelectual que faria parte dos corpos governativos e que não levaria em linha de conta a opinião das massas, por não acreditarem na igualdade entre os cidadãos, estabeleciam assim, o elitismo intelectual como forma de organização do estado.

Depois de viverem na clandestinidade até 1906, os Jovens Turcos tornaram-se um verdadeiro movimento revolucionário ao infiltrarem o Comité de União e Progresso (CUP - um dos partidos políticos da oposição na Turquia daquela época) e ao recrutarem os líderes militares da Terceira Base do Exército Turco. No Segundo Congresso da Oposição Turca, em Paris, em 1907, tentaram unir toda a oposição numa única organização, por forma a provocar a revolução, no entanto, divergências políticas entre as facções tornaram a união impossível.

No início do Século XX, o Império Otomano deparava-se com a Questão da Macedónia. Desde 1897, a Rússia e o Império Austro-Húngaro mostraram-se interessados em dominar os Balcãs e desenvolveram políticas que levaram ao último estágio do processo de Balcanização daquela àrea geográfica e, a partir de 1903 iniciaram conversasões no sentido de estabelecer administrações Austríacas e Russas nas províncias da Macedónia. O Sultão foi forçado a aceitar esta ideia, apesar de, durante algum tempo ter conseguido atrasar a sua implementação. Nesta altura, a influência e a dimensão do CUP já tinha crescido tanto que puderam dizer ao Sultão que "a Dinastia estaria em perigo se ele não voltasse a implementar a Constituição". O Terceiro Exército na Macedónia marchou sobre o palácio Imperial e, a 24 de Julho de 1908, a Constituição foi restaurada na Turquia.O poder dos Jovens Turcos foi consolidado no golpe militar de 1913 que acabou com a Monarquia da casa de Osman e iniciou o período ditatorial do Triunvirato dos Três Paxás, que apenas terminaria com o fim da I Grande Guerra, em 1918.

Os Jovens Turcos deixaram uma tradição de dissidência que moldou a vida intelectual e política do final do período Otomano e lançou as fundações para a revolução de Atatürk. A ideologia do estado Turco moderno foi criada lançada durante este período e os Jovens Turcos que sobreviveram até à criação da República da Turquia puderam ver a maior parte das suas ideias concretizadas.

Hoje em dia, chamam-se Jovens Turcos a grupos ou facções que reivindicam agressiva ou impacientemente reformas no interior de uma organização, lutando contra o conservadorismo instalado da velha guarda para impor uma nova visão, mais moderna e renovadora.

Pedro Estadão

O Início

Ao fim de uns meses a publicar uma série de artigos de opinião no jornal online ROSTOS, cujo Director teve a bondade de acarinhar este meu projecto, apesar do eventual cariz pouco jornalístico, chegou a hora de criar um espaço próprio, onde estejam reunidos todos estes textos, por forma a preservar alguma unidade do conjunto, que por motivos óbvios, aparece disperso no jornal digital onde é publicado.

O meu objectivo enquanto autor destas folhas é somente pedagógico, um contributo para a elevação da cultura política na minha terra, o Barreiro, onde demasiadas vezes os políticos falam de assuntos que não compreendem verdadeiramente e fazem interpretações erradas baseadas em mistificações populares e na desvirtuação que alguns termos têm sofrido ao longo dos séculos. Eu sei que poderão argumentar que esse drama não é exclusivo do Barreiro, que está presente um pouco por todo o lado, em todos os fóruns em que cidadãos se dedicam a debater o sentido da nossa vida em sociedade. Se lhes servir, peço que aproveitem.

Pessoalmente não tenho mais ambições que a de ser útil aos meus concidadãos, se o facto de estes textos aprecerem aqui expostos neste espaço que é global e está acessivel em todo o mundo os torna mais visíveis, tanto melhor, pode o trabalho do autor ser útil a mais gente do que o planeado.

Dito isto, resta-me agradecer que comentem e critiquem os temas expostos, para que este Breviário ganhe vida própria e possa gerar, em si mesmo, a reflexão sobre os títulos e o esclarecimento de alguns pormenores adicionais.

Espero que aproveitem.

Barreiro, 21 de Janeiro de 2007

Pedro Estadão