domingo, 21 de janeiro de 2007

Os Princípios Fundamentais da Maçonaria

Visitámos, recentemente, uma resumida história da Maçonaria. Percebemos as suas origens nas Casas dos Ofícios dos tempos medievais e ficámos a saber que existem, essencialmente, duas correntes maçónicas, a regular e a liberal. Sabemos que estes dois conceitos se separam desde 1877 por um cisma, provocado pela decisão do Grande Oriente de França de aceitar nas suas fileiras ateus e permitir que nas lojas que lhe estão filiadas se discuta política e religião, assuntos proibidos na Maçonaria Regular.

Continuaremos hoje a exploração deste tema, começando por definir mais concretamente quais são os princípios fundamentais e os objectivos das Maçonarias e tentando fazer uma fotografia dos seus membros a partir das regras que limitam a admissão nestas associações a pessoas com características mais ou menos definidas, e definiremos, de passagem, a organização e a expansão destes grupos.

À medida que avançámos na investigação deste tema, vimos o texto a expandir-se cada vez mais e decidimos criar novas divisões deste texto, onde abordaremos o tipo de actividades a que os Franco-Maçons se dedicam, tanto interna, com externamente, bem como alguma da simbologia maçónica, que serão as peças que seguirão nas próximas entregas. A seguir teremos então outra parte deste tema, onde descreveremos as relações históricas da Maçonaria com os Estados e as autoridades religiosas e terminaremos por explorar algumas histórias curiosas que envolveram a Maçonaria.

Confesso que neste momento não me é possível determinar a quantidade de artigos que isto vai implicar porque a cada passo que dou neste trabalho, novos dados de alguma complexidade se vão apresentando e é essencial que cada artigo individual tenha um tamanho aceitável, para que não se torne extenuante para o leitor seguir este tema.

É, portanto, a segunda parte que vos entregamos hoje, mas não sem antes agradecer as dezenas de mensagens de congratulações que recebemos de todo o mundo, em especial do Brasil, de onde recebemos mais de vinte e-mails a parabenizar-nos pela forma séria como tratámos este assunto e fomos informados por vários cibernautas de que puseram o artigo a correr pelos amigos. Este autor vê na vossa correspondência um estímulo para continuar e tentar fazer sempre mais e melhor, pois não há nada que o encha mais de satisfação que saber que as horas que dedicou à investigação das matérias que aqui incluiu não foram em vão e houve alguém que delas tirou proveito.

Vamos então, ao assunto:

5.2 - Os Princípios Fundamentais da Maçonaria

A maçonaria, em termos gerais, é uma associação fraternal que se define como filosófica, filantrópica e educativa. Os seus rituais praticam-se em segredo, dependendo o acesso a estes de uma iniciação (cerimónia de aceitação). Estas organizações utilizam o sistema de graus, e os segredos são transmitidos a cada grau através de gestos, palavras e símbolos. Há cerimónias de iniciação a cada um dos três graus da maçonaria, (aprendiz, companheiro e mestre), e cada loja elege anualmente o seu Grande Mestre ou Venerável Mestre (o nome varia de acordo com as obediências), que não é um grau e na maior parte das correntes maçónicas é um posto rotativo.

No nosso país, o Grande Oriente Lusitano enquadra-se na corrente liberal maçónica dos Grandes Orientes, também conhecido como a Maçonaria Continental, defendendo a liberdade absoluta de consciência e o adogmatismo, enquanto a Grande Loja Regular de Portugal, diz-se da maçonaria regular, que exige aos seus elementos uma declaração de fé em Deus, o Grande Arquitecto do Universo (não importando para o facto se o Deus é Cristão, Muçulmano ou Hindu, o que tem aqui relevo é a crença numa divindade suprema). Adiante, abordaremos mais detalhadamente a diferença entre as duas correntes.

Os maçons reconhecem-se entre si através de sinais, palavras, apertos de mão e outros tipos de códigos secretos que são mudados com alguma frequência para que o secretismo se mantenha e qualquer membro de uma Loja Maçónica tem o direito de visitar qualquer outra Loja, em qualquer parte do mundo desde que a sua Loja de origem e a que visita se reconheçam mutuamente. No interior das Lojas Maçónicas todos os franco-maçons se consideram iguais, como irmãos. Como regra geral, com o fim de preservar a harmonia interna das lojas maçónicas, todas as disputas pessoais, bem como diferendos acerca de religião, nações ou política do estado devem ser deixadas à porta.

A Maçonaria pretende apresentar uma espécie de religião universal da Humanidade, que gradualmente elimine as divisões entre os homens produzidas por opiniões particulares ou religiosas, preconceitos sociais, raciais ou nacionais, que seja o elo de união dos homens na sociedade Maçónica. Como pressuposto, partindo da parte para o todo, a sociedade Maçónica está concebida como modelo de associação para a Humanidade em geral, como uma semente, ou o alicerce em cima do qual se construirá uma humanidade melhor. “Humanidade” é o termo utilizado para designar o princípio essencial da Maçonaria, associada a palavras chave como “tolerância”, “não-sectário” e “cosmopolita”. Na Maçonaria Continental, juntam-se a estas, palavras como “neutralidade” e “laicismo”, entre outras, dando-se ainda uma particular importância à liberdade de consciência.
O carácter cristão da sociedade no regime operativo de séculos passados foi trocado pelos regulamentos não sectários que incluíram a aceitação de irmãos de todas as seitas, sem consideração por diferenças de cor ou raça, desde que simples condições de moralidade, idade madura e voto favorável se cumprissem. Isto implica um evidente contraste entre a Maçonaria especulativa e a operativa: enquanto o maçon de outros tempos era obrigado a ser fiel a Deus e à Igreja Católica Apostólica Romana, evitando heresias, presentemente, o seu dever está limitado à obediência à lei moral, que basicamente se pode resumir como as regras de honra e honestidade sobre as quais todos os homens concordam. Restou a sublimação teórica do traço comum a todas as religiões que é a crença numa divindade suprema, (o Grande Arquitecto do Universo), e na imortalidade da alma.
A Maçonaria apresenta-se então como professando o método empírico ou positivista de raciocínio e dedução na investigação da verdade. Parece que os fundadores da Maçonaria especulativa pretenderam usar os mesmos métodos nos seus propósitos sociais que a Real Sociedade Britânica usava para as suas pesquisas científicas. A Geometria, em particular é apresentada como uma espécie de lógica natural, considerando que a verdade é sempre consistente, invariável e uniforme, todas as verdades podem ser investigadas da mesma maneira. Esta recomendação da Geometria como método pressupõe que, para os maçons, as definições, proposições e axiomas morais e religiosos, têm uma relação regular e uma relação proporcional uns com os outros, tal como os da Física ou da Matemática. Os membros da Maçonaria são encorajados a trabalhar na descoberta da verdade universal com base neste método de raciocínio.
Por outro lado, algumas Grandes Lojas da América do Norte insistem ainda na crença na inspiração divina da Bíblia como qualificação essencial para aceder à sociedade maçónica e bastantes maçons americanos e alemães declaram que a Maçonaria é uma instituição essencialmente cristã. De acordo com as Grandes Lojas Alemãs, Cristo é o “sábio e virtuoso homem puro” por excelência, principal modelo e professor da humanidade. No sistema Sueco, praticado pela Grande Loja Alemã diz-se que Cristo, para além de ter ensinado a doutrina Cristã exotérica, destinada às massas, ensinou ainda uma doutrina esotérica a alguns dos seus discípulos, como S. João, na qual negava ser Deus. Este sistema maçónico afirma descender da sociedade secreta Cristã através da qual esta doutrina esotérica foi propagada. É evidente que, mesmo neste conceito algo restrito de Cristianismo não sectário, a Franco-Maçonaria não é uma instituição Cristã por reconhecer inúmeros modelos pré-Cristãos e mestres da Humanidade. Todos os maçons instruídos concordam na importância objectiva deste princípio Maçónico de “Humanidade”, de acordo com o qual, a crença em dogmas é um assunto de importância secundária e mesmo prejudicial à Lei do Amor Universal e da Tolerância. Isto torna a Franco-Maçonaria oposta, não só ao Catolicismo e à Cristandade, como a todos os sistemas de verdades sobrenaturais.
Conforme vimos na primeira parte deste tema, em 1723, James Anderson escreveu e publicou “As Constituições dos Franco-Maçons”, esta obra foi re-impressa em 1734 por Benjamin Franklin que foi nesse ano eleito Grão-Mestre dos Maçons da Pensilvânia. Estes documentos são considerados até aos dias de hoje como uma espécie de estatutos originais da Maçonaria e foi da sua alteração que resultou o cisma que se vive até aos dias de hoje, separando Grandes Lojas de Grandes Orientes. A causa desta separação foi a diferença de interpretação de uma única frase, contida no original: “E se ele”, (o maçon), “entender correctamente a Arte, nunca será um estúpido Ateu ou um Libertino sem religião.” (Perdoe-se mais uma vez o autor por qualquer lapso de tradução, uma vez que tem tido acesso a muito poucos materiais escritos em português).
Esta controvérsia agravou-se a partir de 13 de Setembro de 1877, quando o Grande Oriente de França apagou o parágrafo, introduzido em 1854 nas suas constituições, pelo qual a crença na existência de Deus e na imortalidade da alma eram as bases fundamentais do trabalho maçónico, e introduziu alterações no primeiro artigo das suas novas Constituições que se passou a ler da seguinte maneira: “A Franco-Maçonaria é uma instituição essencialmente filantrópica, filosófica e progressista, tendo por objectivos a busca da verdade, o estudo da moral universal, das ciências, das artes e a prática da beneficência. Tem por princípios a liberdade absoluta de consciência e a solidariedade entre os homens. Não exclui ninguém pelas suas crenças. A sua divisa é Liberdade, Igualdade, Fraternidade.” (Traduzido do francês pelo autor). Seguidamente, a 10 de Setembro de 1878, o Grande Oriente de França, decretou a eliminação dos rituais e dos procedimentos da Loja de todas as alusões a dogmas religiosos como por exemplo os símbolos do Grande Arquitecto ou a Bílblia. Estas medidas originaram protestos imediatos de quase todos os organismos anglo-saxónicos e germânicos e provocou a ruptura entre as Grandes Lojas Americanas e o Grande Oriente de França. Havendo bastantes maçons livres-pensadores tanto na Europa como na América, isto provocou uma ruptura a nível mundial.
Esta ruptura parece mostrar que a Maçonaria Anglo-Americana encara a crença num Deus supremo como um requisito essencial para ser maçon e a coloca contra o laicismo extremo da Maçonaria Latina. Na realidade, toda esta história aparece recheada de ambiguidades. No texto de 1723, a parte relacionada com o ateísmo parece propositadamente ambígua, mas apenas o suficiente para não chocar com o que era socialmente aceitável na época, em que uma admissão pública de ateísmo teria sido fatal para a Maçonaria. Não dizia em lado nenhum que um ateu não podia ser admitido, ou que nenhum maçon podia ser ateu, apenas afirmava que se o indivíduo “entendesse correctamente a Arte, nunca seria um estúpido ateu, etc…”, quer dizer, nunca professaria o ateísmo de uma forma estúpida, por exemplo chocando os sentimentos religiosos da época através de afirmações que teriam prejudicado a reputação da Maçonaria. E mesmo esse “estúpido ateu”, não sofre censura maior que a de se afirmar que não entende correctamente a Arte, o que constitui um julgamento meramente teórico sem qualquer espécie de sanção ou crítica. Este tipo de leitura parece encorajar o ateísmo positivista ou científico.
Do outro lado, a rejeição do ateísmo pelas Grandes Lojas Britânicas, Americanas e mesmo algumas das Germânicas parece pouco mais que ambígua na sua luta com o Grande Oriente. À distância parece que o diferendo assentou mais na consciência da necessidade que o conflito latente entre a França e a Grã-Bretanha do Séc. XIX trazia de uma diferenciação entre as duas organizações para possibilitar a sobrevivência destas que uma real diferença ideológica entre Grandes Lojas e Orientes. Era a espuma dos tempos a funcionar. A Grande Loja de Inglaterra adoptou quatro resoluções em 1878 nas quais se afirmava a crença no Grande Arquitecto do Universo como o mais importante marco fundamental da ordem e uma imposição explicita de que esta crença era exigência primordial aos irmãos visitantes provenientes do Grande Oriente de França como condição para visitarem as lojas inglesas. Providências semelhantes foram tomadas pelas Grandes Lojas Irlandesas, Escocesas e Norte-Americanas. No entanto, esta crença no Grande Arquitecto é tão vaga e simbólica que qualquer forma de ateísmo ou mesmo de ateísmo estúpido pode ser abarcada por ela. De facto, tanto Britânicos como Americanos ficam satisfeitos com uma simples e vaga declaração verbal, sem mais aprofundamento relativamente à natureza da crença e não sonham sequer em afirmar que a Franco-Maçonaria é uma igreja ou um sínodo. Como consequência, chegam a reconhecer como maçons alguns filósofos Naturalistas da época, para quem Deus era o princípio todo-poderoso oculto nas forças da natureza.
Depois de observada atentamente, toda a controvérsia acaba por parecer meramente formal, ainda mais se atentarmos à cláusula que determina a exigência da crença no Grande Arquitecto do Universo, conforme escrita nas Constituições da Grande Loja de Inglaterra em 1815, que também determina que “um maçon está particularmente obrigado a nunca agir contra os ditames da sua consciência”. Esta expressão parece indicar que a Grande Loja de Inglaterra reconhece que a liberdade de consciência é o princípio soberano da Franco-Maçonaria, prevalecendo sobre todos os outros quando em conflito com eles. A mesma supremacia da liberdade de consciência está também implícita no carácter não-sectário que os maçons Anglo-Americanos reconhecem como a essência mais profunda da Maçonaria. O Imperador Alemão Frederico III, num discurso solene aos maçons em Estrasburgo, a 12 de Setembro de 1886 afirmou: “Acima de tudo, dois princípios caracterizam os nossos propósitos, são eles a liberdade de consciência e a tolerância”. Foram os fundamentos da maçonaria proclamados pela mais alta autoridade Maçónica da Alemanha.
Assim, o Grande Oriente de França está de acordo quanto à substância da questão, apenas se desviou da tradição descartando alguns símbolos e fórmulas simbólicas. Evidentemente, as diferenças provocadas por essa alteração levaram a que, com o tempo, os sistemas rituais se afastassem e até aos dias de hoje, Grandes Lojas e Grandes Orientes não se reconheçam mutuamente, apesar disto e ainda juntando uma variedade de sistemas rituais como a que existe, pode-se afirmar que a Maçonaria é, hoje em dia, uma organização, ou conjunto de organizações com nuances pouco relevantes que são mais observáveis na forma que no conteúdo e que dão a qualquer estudioso destas matéria amplo campo de estudo e uma variedade imensa de temas para desenvolver. Não deixa de ser interessante observar que a Maçonaria seja reformada onde a Igreja Católica é tradicional e seja tradicional onde a mesma Igreja é reformada, mas isso é assunto para um outro dia.

- Continua – A seguir: 5.3 - A Organização da Maçonaria.

Pedro Estadão

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