domingo, 21 de janeiro de 2007

Breve História da Franco-Maçonaria

Quem participa na vida política, mais tarde ou mais cedo acaba por ser confrontado com a indicação de que alguns dos seus companheiros ou camaradas de partido são membros desta ou daquela organização, confraria ou sociedade, secreta ou não, que supostamente tem objectivos ou desígnios ocultos que acabam por servir de explicação ad-hoc para alguns acontecimentos e alinhamentos de forças aparentemente invulgares, misteriosos ou inexplicáveis.

Sejam as Maçonarias, a Opus Dei, os Illuminati, os Rosa-Cruz, Os Templários, os Cavaleiros de Malta, o Rotary Club, o Grupo de Bilderberg, a Confraria do Bacalhau ou qualquer outra associação de acesso restrito e com uma vida interna reservada e oculta dos olhares curiosos da maior parte do público, tudo serve para alimentar as mais diversas teorias da conspiração. Os pontos comuns destas teorias são geralmente dois, um é postularem que existe uma grande conspiração a nível mundial para dominar o mundo a partir de reuniões secretas de umas poucas pessoas que supostamente terão o poder de influenciar tudo o que se passa em todas as economias e governos do mundo; o outro é que, na maior parte dos casos, constituem um aproveitamento do desconhecimento e ignorância alheios para dominar através do medo ou para retirarem proveitos económicos da venda de livros, filmes ou qualquer outra espécie de merchandising.

Não queremos com isto afirmar que estas conspirações não existam, porque são, certamente, possíveis. Pretendemos apenas relevar que em volta do mistério de que se rodearam algumas destas associações cresceu um mercado lucrativo que se aproveita da natural curiosidade dos 99,9% da população que nunca pertenceu nem tem aspirações a pertencer a uma destas tribos. Este aproveitamento partiu em grande parte de autores de ficção que usaram de grande liberdade criativa para desenvolver enredos em que um qualquer grupo supostamente secreto e com fins de alguma forma tenebrosos usaria esse secretismo para atormentar a vida da mais variada gama de heróis literários.

O resto dos mitos que rodeiam algumas destas organizações terão também partido da necessidade que algumas pessoas têm de inventar histórias sobre o que não conhecem, ou, em alguns aspectos, poderão ter sido fomentados pelas próprias associações por forma a atrair mais adeptos ou afugentar curiosos, consoante os casos.

A nós, para efeitos da constituição deste breviário, basta-nos afirmar que algumas destas organizações, seitas ou irmandades existem mesmo e essa realidade é suficiente para que um nível mínimo de conhecimento das actividades, objectivos e história destes grupos, transversais na sociedade em termos políticos, religiosos, económicos ou culturais, seja fundamental para podermos fazer uma análise diferenciada e rigorosa da actuação de cada indivíduo que participa na vida política. O conhecimento é o que nos afasta do preconceito, do medo ou da especulação, portanto, se existem organizações secretas na nossa sociedade, compete-nos tomar conhecimento sobre elas e torná-las, ao menos para nós, um pouco menos secretas, para que possamos tomar as nossas decisões e fazer as nossas análises de um modo mais avisado.

Dito isto, começaremos hoje por nos debruçar sobre a Maçonaria, ou, mais correctamente, as Maçonarias, pois, conforme veremos adiante, não existe uma Maçonaria como um corpo único a nível mundial mas várias tendências compartimentadas a nível local ou nacional. Esperamos hoje ajudar alguns dos nossos leitores a ver o mundo oculto das sociedades secretas sob um novo prisma.

A extensão do tema e do artigo que originou, obrigou-me a decidir pela sua divisão em três partes, assim, hoje trataremos da origem histórica da maçonaria, na próxima entrada do nosso breviário veremos quais são os seus princípios fundamentais e perceberemos que tipo de pessoas faz parte desta organização, e, para terminar, num terceiro artigo sobre este tema, veremos o que fazem os maçons e visitaremos algumas histórias curiosas que envolveram a maçonaria e, de certa forma, contribuíram para lhe dar a conotação conspiratória que tem hoje.


5- A Maçonaria e os Franco-Maçons

Historicamente, a palavra “maçon” (francês), deriva do Latim “matio” ou “machio”, um construtor de paredes ou um cortador de pedra, em inglês, “mason”, tem a mesma origem latina. Em Alemão diz-se “steinmetz”, derivado do verbo “metzen” (cortar) e do nome “stein” (pedra), e em holandês “vrijmetselaar”, de raiz germânica (cortador livre). Em português diz-se “canteiro”. Há quem defenda que a origem desta expressão é mais antiga, tendo origem na expressão copta “phree messen” (filhos da luz), mas é pouco provável pelo que veremos da história da maçonaria.

O termo composto “pedreiro livre”, (freemason), terá aparecido pela primeira vez cerca de 1300 d.C., designando um artesão de qualidade superior, que teria actividade livre ou enquadrado numa Guilda. Uma interpretação sugere que seriam pedreiros que estariam isentos dos impostos das cidades onde se fixavam temporariamente e estavam livres de viajar e prestar serviço onde quer que se levasse a cabo uma qualquer grande obra (normalmente, uma Catedral). Outra sugere que haveriam, no tempo do Gótico, dois tipos de artesãos da pedra, os que cortavam a pedra bruta e os que trabalhavam a pedra livre, os pedreiros livres seriam estes últimos, derivando o nome da conjunção “free-stone mason”, que terá sido simplificada para freemason ou frank-mason. No início do Século, o Alemão W. Begemann, na sua obra Vorgeschichte, teorizou que o termo franco-maçon ou pedreiro livre originalmente designava um tipo de canteiro entalhador particularmente hábil a trabalhar e polir a pedra, necessário na época em que se deu o desenvolvimento da magnífica Arquitectura Gótica. Estes pedreiros livres formavam uma profissão universal com um sistema de símbolos secretos e códigos através dos quais era atribuído reconhecimento a qualquer um que demonstrasse a perícia adequada. Com o declínio da Arquitectura Gótica, estes artistas começaram a fixar-se e a integrar as Guildas e as Casas dos Ofícios.

O significado moderno do termo Franco-Maçonaria data de 1717, ano da constituição da Grande Loja de Inglaterra. Neste caso, o termo Franco-Maçonaria é geralmente definido como “uma ciência que tem por objectivo a busca da verdade divina, baseado num sistema de aperfeiçoamento moral “. A Enciclopédia Germânica da Franco-Maçonaria define-a como “a actividade de homens que, agindo em conjunto e utilizando fórmulas simbólicas que originam da profissão do pedreiro e da arquitectura, trabalham para o bem da humanidade, fazendo por enobrecer moralmente, a si próprios, e aos outros, por forma a produzir uma Liga da Humanidade (Menschenheitsbund), que aspiram a demonstrar mesmo no nosso tempo, em pequena escala, (perdoe-se aqui o autor pela, provavelmente fraca, tradução).


Mito, Origem e História

Antes de avançarmos neste capítulo é necessário afirmar que, se não é uma sociedade secreta, a Maçonaria é, pelo menos, uma sociedade com segredos, o que leva a que as fontes de informação sobre a sua história ou actividades nos possam chegar, de alguma forma, deformadas e enfermas da verdade. Importante também é considerar, pelo menos em relação à história anterior a 1717, que há muito de mito e de lenda no que se diz em relação a esta organização e que não somos obrigados a acreditar em tudo, sendo mesmo obrigados a duvidar da maior parte da história por não vermos dados concretos que suportem as teorias dos inúmeros historiadores da maçonaria, a maior parte deles, como já se afirmou, charlatães em busca de um lucro fácil.

Há, no entanto, algumas fontes que são reputadas junto dos próprios membros do ofício, e que dão origem a uma história mais ou menos oficial que é a que tentaremos relatar. Obviamente descartaremos todas as teorias de que a Maçonaria teria sido fundada pelo próprio Deus, o Grande Arquitecto, e que tenham sido maçons a construir a Arca de Noé, o Labirinto, as Pirâmides, a Torre de Babel, o Templo de Salomão, a Biblioteca de Alexandria ou as Pirâmides Maias. Também esqueceremos quaisquer referências à relação desta organização com a antiga religião Egípcia, aos Templários, aos Druidas ou a qualquer outra espécie de delírio especulativo sobre temas esotéricos. Facilmente se compreenderá que se houvesse alguma relação seria entre a Maçonaria e as Pirâmides ou qualquer outro dos objectos enunciados, teria já havido uma investigação extensíssima do assunto e haveriam numerosas fontes credíveis disponíveis.

Apesar de eu saber que muitos maçons concordariam com este último enunciado, muitos outros ainda aceitam a afirmação: “Não há dúvidas sobre a sua antiguidade, tendo existido desde tempos imemoriais.” No contexto ritual da Maçonaria subsiste o mito alegórico da fundação da fraternidade pelos construtores do Templo de Salomão. Para além deste mito, a ausência total de documentação quanto à origem dos Pedreiros Livres tem originado muita teoria sem qualquer fundamento, tendo a fundação da Maçonaria sido atribuída a personagens tão distintas como Euclides, Pitágoras, Moisés, os Templários, o Priorado de Sião, Oliver Cromwell, Francis Bacon, Christopher Wren, entre outros.

Posto isto, começaremos por dizer que não há indícios de organizações percursoras da Maçonaria até perto do séc. XII d.C.. Até essa época, o material de construção que predominava era a madeira e as profissões correspondentes eram as de carpinteiro e marceneiro. Simultaneamente com o despontar das Cruzadas e das guerras de reconquista cristã, começou a desenvolver-se a arte das construções em pedra e alvenaria, desenvolvendo-se então a profissão dos canteiros entalhadores. Nessa época de crescimento da fé Cristã na Europa, começaram-se então a construir grandes obras de pedra, as Catedrais, Mosteiros, e Conventos. Era o tempo da Arquitectura Gótica, Arquitectura para a glória maior de Deus, ou Arquitectura divina (Gótico radica em God, ou Gott).

No tempo da construção das catedrais, os canteiros entalhadores, ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, eram homens livres de viajar para onde quisessem, não estando sujeitos à ligação à terra que impunha o sistema feudal. Quando se deslocavam, ficavam alojados em estruturas temporárias, anexas ao local da construção. Nestas lojas, comiam, dormiam e recebiam instruções do mestre-de-obras. De forma a manter a liberdade de que gozavam, quando um aprendiz era treinado, eram-lhe incutidos valores morais que o vinculavam aos colegas de profissão e permitiam manter os segredos do ofício, evitando assim que a abundância de mão de obra fosse tal que a sua arte não fosse mais vista como exclusiva de um pequeno grupo e os seus privilégios se perdessem.

Com tanta construção em curso, foi necessário especializar muita gente na arte de construir. E essa gente toda teve de se organizar. Na época das Guildas e das Casas dos Ofícios, era um ofício novo a carecer de um estatuto. Em 1356, um grupo de 12 destes Pedreiros Livres, liderados por um Henry Yevele, se deslocou à Perfeitura de Londres e obtiveram uma autorização oficial para fazer um Código e um Regulamento Interno para a Instalação de uma Sociedade que representasse o seu ofício. Da sua primeira proposta de Estatuto constava um pedido pqra que as suas reuniões fossem fechadas, sem a presença de pessoas que não estivessem ligadas à profissão. A Fellowship of the Masons, nome porque deu esta associação, durou vinte anos, até à fundação da Companhia dos Maçons de Londres. Os estatutos que passaram a reger a profissão nessa época e os que se lhes seguiram são chamados, pelos maçons, Constituições Góticas.

Nesses tempos iniciais, alguns homens que não eram maçons operativos nem arquitectos, juntavam-se com os maçons nas suas lojas, ao contrário dos profissionais de facto, que se denominavam maçons dogmáticos, estes homens diziam-se maçons geomáticos. Podiam observar as cerimónias de admissão e tinham os seus sinais de reconhecimento. Não era esta, no entanto, a maçonaria especulativa dos nossos dias, era ainda uma sociedade que fazia por manter num número reservado de pessoas conhecimentos considerados de alguma forma secretos, relacionados com a geometria, a matemática e as técnicas de construção e de trabalho da pedra que se utilizavam naqueles tempos. Era o tempo da maçonaria operativa.

A Maçonaria moderna só surge, de facto, a partir de 1723. Seis anos após a fundação da Grande Loja de Inglaterra, o que instala a maçonaria especulativa, (um método sistemático de ensinar um sistema moral através de símbolos e fórmulas simbólicas), é a adopção do novo Livro de Constituições e dos três graus, (aprendiz, companheiro e mestre). Em 1717, as velhas lojas maçónicas haviam praticamente desaparecido e a partir daqui as novas lojas surgem como sociedades de convívio, o que está em contradição com o papel de associação profissional de outros tempos. Não está, portanto, em causa, um revivalismo de outros tempos, mas sim um tipo de organização completamente novo que não é mais antigo que o início do Séc. XVIII.

A partir daqui, a história da Maçonaria está extraordinariamente bem documentada e é possível seguir a criação de centenas de Grandes Lojas que se espalharam rapidamente por todo o mundo, quanto deste crescimento foi devido à expansão da Maçonaria e quanto foi devido à reorganização de lojas pré-existentes é incerto.

Em 1723, James Anderson escreveu e publicou “As Constituições dos Franco-Maçons”, esta obra foi re-impressa em 1734 por Benjamin Franklin que foi nesse ano eleito Grão-Mestre dos Maçons da Pensilvânia. A partir deste momento deram-se uma série de acontecimentos de maior ou menor relevo histórico, conforme a opinião de cada um, mas que nós vamos abreviar para bem da facilidade de leitura deste artigo e saltar directamente para o Séc. XIX., época que nos interessa particularmente, pois foi em 1802 que se instalou em Lisboa a mais antiga obediência maçónica Portuguesa: o Grande Oriente Lusitano.

Pensa-se que a acção desta corrente maçónica tenha sido determinante, em alguns momentos históricos importantes, para o nosso país, como foram a Revolução Liberal de 1820, a Abolição da Pena de Morte, em 1867 e a Implantação da República, em 1910. Não vamos aqui desenvolver estes temas, pois pensamos que virão a ter lugar próprio em publicações posteriores deste breviário, tal como a época da Comuna de Paris, em que a maçonaria do Grande Oriente de França teve um papel fundamental e extraordinariamente activo. Todos estes episódios históricos são demasiadamente extensos para os conseguirmos integrar seriamente num artigo deste género.

Em 1877, o Grande Oriente de França começou a aceitar ateus nas suas fileiras e reconheceu a Maçonaria Feminina e a Co-Maçonaria, para além disso, ao contrário dos Ingleses, que recusavam liminarmente discussões sobre política e religião nas suas Lojas, os Franceses tendiam a aceitar isso com naturalidade. Isto originou um grande cisma na Maçonaria, entre a Grande Loja de Inglaterra e o Grande Oriente de França, que a partir daí passaram a definir correntes maçónicas diferentes.

No Séc. XX, muitos foram os regimes totalitários que trataram a Franco-Maçonaria como uma potencial fonte de oposição devido à sua natureza secreta e às suas ligações internacionais. Em Portugal, a Maçonaria foi proibida durante o Estado Novo. Desde 13 de Maio de 1935 até à revolução de 1974, a organização desenvolveu-se na clandestinidade e numerosos dos seus elementos foram presos e ou forçados ao exílio político. Durante esta época, os bens da maçonaria estiveram confiscados e o Palácio Maçónico, na Rua da Portas de Sto. Antão, esteve ocupado pela Legião Portuguesa. Após a Revolução de Abril de 74, o Grande Oriente Lusitano voltou a ser uma organização legal e os bens confiscados foram-lhe devolvidos, incluindo o Palácio Maçónico, onde funciona até hoje a sede do Grémio Lusitano e onde funciona o Museu Maçónico Português, que está aberto ao público e é considerado um dos melhores da Europa na sua especialidade.

Em 1991, é instalada a Grande Loja Regular de Portugal, obediência maçónica da linha da Grande Loja Regular de França e Grande Loja de Inglaterra. A GLRP e o GOL não se reconhecem mutuamente, à semelhança das congéneres estrangeiras de ambas as linhas, mantido que é o cisma de 1877.


- Continua Brevemente –

Pedro Estadão

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