domingo, 4 de março de 2007

A Teoria dos Jogos e o Pensamento Mágico

O tema que hoje abordamos constitui por si só um instrumento poderosíssimo de análise do comportamento dos nossos políticos e o seu conhecimento é essencial para uma correcta interpretação dos acontecimentos do dia-a-dia político. Atrevemo-nos a afirmar que a sua aplicação permite de alguma forma atingir modelos de decisão capazes de influenciar o comportamento dos outros actores no jogo da política. Hoje, vamos ver juntas a matemática e a política.

A Teoria dos Jogos é um ramo da Matemática Aplicada à Economia que estuda situações em que os jogadores escolhem diversas acções de forma a maximizar os seus ganhos. O importante nesta teoria é que fornece a possibilidade de analisar situações sociais nas quais decisores interagem com outras mentes, com base em modelos formais, ou, por outras palavras, permite-nos desenhar esquematicamente mapas que nos permitem prever, com algum grau de probabilidade, qual vai ser a decisão de um determinado actor perante um conjunto possível de resultados.

Esta área da ciência foi fundada por von Neuman e Morgenstern, em 1944, no seu livro “Teoria dos Jogos e Comportamento Económico”, tendo sido desenvolvida intensamente pela RAND Corporation na definição das estratégias nucleares da guerra-fria. Hoje em dia, a teoria dos jogos é usada em múltiplos campos académicos, que vão da biologia à psicologia, passando pela sociologia. Desde os anos 70, tem sido aplicada ao comportamento dos animais, incluindo o desenvolvimento das espécies através da selecção natural. Devido a jogos como o “Dilema do Prisioneiro”, no qual o egoísmo racional prejudica todos os jogadores, a teoria dos jogos tem sido usada na ciência política, na ética e na filosofia. Finalmente, esta teoria tem estado envolvida no desenvolvimento da inteligência artificial e da cibernética.

Algumas das análises teóricas da teoria dos jogos parecem similares à teoria da decisão, no entanto, ao contrário desta última, estuda decisões efectuadas num ambiente em que há interacção com outros jogadores. Por outras palavras, a teoria dos jogos estuda a escolha do comportamento óptimo quando os custos e os benefícios de uma escolha dependem das escolhas de outros indivíduos.

A aplicação da teoria dos jogos à ciência política levou ao desenvolvimento de modelos teóricos em que os jogadores são os eleitores, estados, grupos de interesses e políticos. Um exemplo interessante desta aplicação é o trabalho de Downs, “Uma Teoria Económica da Democracia”, de 1957, em que o autor demonstra como os políticos candidatos convergem para a ideologia preferida pelo eleitor médio.

Uma explicação que esta teoria avança para a paz democrática é que o debate público e aberto nas democracias envia informação clara e fiável relativamente às intenções aos outros estados. Em contrastem é difícil saber as intenções de líderes não democráticos, que efeito terão algumas concessões e se as promessas serão cumpridas. Assim, haverá desconfiança e pouca vontade de fazer concessões se pelo menos uma das partes numa disputa for uma não-democracia.

Os economistas têm usado a teoria dos jogos para analisar uma vasta gama de fenómenos económicos, incluindo leilões, negociações, duopólios, justa divisão, oligopólios, formação de redes sociais e sistemas de votação. Estas análises focam principalmente conjuntos de estratégias geralmente conhecidos como jogos de equilíbrio. O mais famoso destes equilíbrios é o de Nash, um teórico dos jogos galardoado com o prémio Nobel, sobre quem foi feito o filme biográfico “Uma Mente Brilhante”. Um conjunto de estratégias é um equilíbrio de Nash se cada uma delas representa a melhor resposta possível a cada uma das outras estratégias. Assim, se todos os jogadores estiverem a jogar as estratégias de um equilíbrio de Nash, não têm qualquer incentivo para as alterar uma vez que as suas estratégias representam o melhor que podem fazer relativamente ao que os outros estão a fazer.

O que veremos a seguir é o exemplo mais citado da teoria dos jogos, o “Dilema do Prisioneiro”, a sua simplicidade faz com que qualquer um de nós consiga perceber a importância de estudar esta teoria mais aprofundadamente e ficar a conhecer, ainda que superficialmente, a forma como funciona a sua aplicação na análise dos processos de decisão.


15- O Dilema do Prisioneiro

Na Teoria dos Jogos, o Dilema do Prisioneiro é um jogo em que dois jogadores podem, alternativamente, cooperar com, ou trair, o outro. Neste jogo, como em toda a Teoria dos Jogos, a única preocupação de cada jogador é maximizar os seus próprios ganhos, sem qualquer preocupação com os ganhos do outro jogador. Neste jogo clássico, a cooperação é estritamente dominada pela traição, pois o único equilíbrio possível para o jogo reside em ambos os jogadores se traírem mutuamente. Posto noutros termos: o que quer que um dos jogadores faça, o outro vai sempre obter um ganho superior se o trair. Como em qualquer situação trair é mais benéfico que cooperar, todos os jogadores racionais vão trair.

O único equilíbrio neste jogo é uma solução sub-óptima, isto é, a escolha racional vai levar ambos os jogadores à traição apesar da sua recompensa ser maior no caso de ambos cooperarem. No equilíbrio, ambos os jogadores vão escolher a traição apesar de ambos ficarem bem melhor se cooperarem, daí o dilema.

No Dilema do Prisioneiro Iterado, o jogo é efectuado repetidamente, assim, cada jogador tem a possibilidade de punir o outro pela sua traição no jogo anterior, e ai a cooperação pode surgir como um resultado de equilíbrio. O incentivo para trair é ultrapassado pela ameaça do castigo levando a um possível resultado de cooperação.

O Dilema do Prisioneiro foi formulado originalmente por Flood e Dresher enquanto trabalhavam para a RAND, em 1950. Albert Tucker formalizou o jogo com as penas de prisão e deu-lhe o nome. O Dilema do Prisioneiro é o seguinte:

Dois suspeitos, A e B, são presos. A polícia não tem provas suficientes para os condenar e, tendo separado os prisioneiros, visita cada um deles para lhes fazer a mesma proposta: Se um testemunha contra o outro e o outro ficar calado, o traidor sai em liberdade enquanto o cúmplice leva 10 anos de prisão. Se ambos ficarem calados, ambos serão sentenciados com apenas 6 meses de prisão. Se ambos se traírem mutuamente, ambos levarão uma pena de dois anos de prisão. Cada prisioneiro deve escolher trair o outro ou ficar calado, no entanto, nenhum deles sabe ao certo o que o outro prisioneiro fará. Este dilema impõe a questão: como deverão agir os prisioneiros?

O dilema surge quando se assume que qualquer um dos prisioneiros apenas se preocupa em minimizar os seus próprios tempos de prisão. Cada prisioneiro tem duas opções: cooperar com o seu cúmplice e ficar calado ou trair o seu pacto implícito em troca de uma pena mais leve. O resultado de cada escolha depende da escolha do cúmplice mas cada um deve decidir sem saber o que o outro escolheu fazer.

Vamos então presumir que o nosso protagonista está a tentar racionalizar a sua melhor escolha. Se o seu parceiro ficar calado a sua melhor escolha é traí-lo pois sairá em liberdade em vez de apanhar uma pena menor. Se o seu parceiro o trair, a sua melhor escolha ainda é a traição pois ainda assim, apanhará uma pena muito mais leve que se ficar calado. Ao mesmo tempo, conclui que o outro prisioneiro terá chegado ao mesmo raciocínio e que, portanto, o irá trair.

Se isto fosse racionalizado do ponto de vista do resultado óptimo para o grupo (dos dois prisioneiros), a escolha correcta seria cada um deles cooperar com o outro, pois isso iria reduzir o tempo total de prisão do grupo a um ano. Qualquer outra decisão seria pior para os dois prisioneiros considerados como um conjunto. Quando os prisioneiros se traem mutuamente, cada um deles obtém um resultado pior do que se tivessem cooperado.

O exemplo deste jogo parece limitado, mas há, de facto, muitos exemplos na vida real que obedecem à mesma matriz. Na ciência política, por exemplo, este cenário é frequentemente usado para ilustrar o problema de dois estados envolvidos numa corrida ao armamento. Ambos chegarão à conclusão de que têm duas opções, ou aumentar o arsenal ou fazer um acordo para redução do armamento. Nenhum dos estados pode estar certo de que o outro irá cumprir o acordo, portanto, ambos se inclinam para a expansão militar. O paradoxo é que ambos os estados estão a agir racionalmente mas a produzir um resultado aparentemente irracional.

Outro exemplo diz respeito a um conceito bem conhecido das corridas de bicicleta. Considerem-se dois ciclistas que têm o pelotão a uma grande distância atrás deles. Estes dois ciclistas frequentemente trabalham juntos, partilhando o esforço da primeira posição, que não tem abrigo do vento. Se nenhum destes ciclistas fizer um esforço para ficar à frente, o pelotão irá apanhá-los (mútua traição). O cenário mais frequentemente visto é o de um destes ciclistas a fazer o trabalho pesado sozinho (cooperando), com o outro a sair do seu cone de protecção do vento nos últimos metros para ganhar a corrida (traindo).

Enfim, muitos exemplos mais poderíamos aqui expor, que retirados do nosso dia a dia seriam espelhados de forma interessantíssima neste jogo, que, estou certo, alguns leitores não deixarão de usar para definir algumas das situações que conhecem na política, no desporto, no trânsito, no trabalho ou nas mais variadas situações. A este método de raciocínio puro, em que as acções são simultâneas e não há forma de as decisões de um jogador terem efeito nas estratégias do outro, chama-se o “Pensamento Mágico”.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Guerra Absoluta

Temos hoje mais um termo que se pode integrar no tema da estratégia dentro do nosso breviário. O conceito de “guerra absoluta” foi objecto de teorização por parte de um dos mais citados autores da área da estratégia militar, Carl von Clausewitz, que chegou a General na Prússia do início do Séc.XIX e será oportunamente alvo de uma das nossas breves biografias. Do seu livro inacabado “Vom kriege”, ou “Da guerra”, vão nascer uma série de importantíssimas entradas do nosso breviário, por estarem relacionadas com o essencial do que se deve saber sobre estratégia no nosso tempo. A estratégia militar é usada efectivamente nas relações políticas, económicas e sociais, deve, por isso, ser por nós considerada com a maior das atenções.

A criação do conceito de “Guerra Total” durante a I Grande Guerra levou a que muita gente confundisse este termo com a “Guerra Absoluta” de Clausewitz, levando às habituais confusões originadas pela utilização indiscriminada dos dois termos para significar uma mesma coisa. Ora, a “Guerra Total” é essencialmente uma guerra em que a frente doméstica é mobilizada a uma escala maciça com o objectivo de apoiar, continuar e expandir o esforço de guerra, sendo caracterizada pelo envolvimento da infra-estrutura civil e dos próprios civis na logística militar. Por outro lado, a “Guerra Absoluta” é uma guerra que atinge o seu extremo natural, quando está livre dos efeitos moderadores que lhe são impostos pela política ou pela sociedade. Como as guerras não se podem conduzir a si mesmas e carecem da política e das sociedades para existir, Clausewitz teorizou a impossibilidade da “Guerra Absoluta” por ser não poder evitar estas influências.


15- Guerra Absoluta, de acordo com Clausewitz

O conceito de “Guerra Absoluta” foi uma construção filosófica do teórico militar Carl von Clausewitz e aparece na primeira metade do seu livro “Da Guerra”. Depois de desenvolver este conceito, Clausewitz explica que a guerra absoluta é impossível porque é dirigida pela política e pela sociedade, à guerra influenciada por estas influências adicionais, ele chama a “Guerra Real”.

Na sua explicação do conceito de guerra absoluta, Clausewitz definiu a guerra como “um acto de violência com a intenção de forçar o nosso oponente a fazer a nossa vontade”. Para ele, a guerra, em si, não tem inerentemente nenhum aspecto moral ou político. De facto, essas condições, como por exemplo as leis da guerra, são-lhe impostas por quem luta nela e existem porque a inteligência das nações nela envolvidas exerce mais influência nos métodos usados para fazer a guerra que a sua hostilidade instintiva.

A guerra absoluta é, então um acto de violência sem compromisso, através do qual os estados lutam até atingir os extremos naturais da guerra. É uma guerra sem padrões de moderação política ou moral. Na sua obra, Clausewitz explica que a guerra absoluta é composta por três factores, denominados “As Três Acções Recíprocas”, são eles: um uso maximizado da força; o objectivo de desarmar o inimigo; e um esgotamento maximizado dos poderes do oponente.

Clausewitz afirma que “quem usar a força indiscriminadamente, sem se preocupar com o sangue derramado, deve obter a superioridade se o seu adversário for menos vigoroso na aplicação da força”. Assim, a guerra na sua forma mais natural implicaria que cada estado fizesse continuamente um uso da força recíproco ao do adversário, acrescendo alguma por forma a manter a superioridade até que ambos estivessem a usar a violência até ao máximo da sua extensão. Esta é a primeira acção recíproca e leva ao primeiro extremo da guerra.

De acordo com o mesmo autor, o propósito da guerra é fazer o nosso oponente vergar-se à nossa vontade. No entanto, é óbvio que o nosso adversário não fará isso até que essa seja a menos opressiva das suas opções disponíveis. Então, de maneira a atingir o objectivo final da guerra, um estado deve colocar o seu inimigo numa posição que é mais opressiva para ele que a sua submissão. Adicionalmente, essa posição não deve ser temporária nem aparentar sê-lo, porque então, o inimigo vai simplesmente adiar a solução, esperando encontrar-se numa posição mais vantajosa num ponto qualquer do futuro. Qualquer mudança nessa atitude seria uma mudança para pior, portanto, de forma a atingir a posição desejada, um estado deve desarmar totalmente o seu inimigo, forçando-o a uma posição na qual ele não possa resistir. Como uma guerra envolve pelo menos dois estados, este princípio aplica-se a ambos e então torna-se a segunda acção recíproca, tentando ambos impor essa posição, um ao outro.

A terceira acção recíproca diz que se um estado deseja derrotar o seu inimigo, deve proporcionar os seus esforços ao poder de resistência desse adversário, De acordo com Clausewitz, o uso do poder envolve dois factores: o primeiro é a força dos meios disponíveis, que é mensurável porque depende sobretudo dos números; o segundo factor é a força da vontade, que não pode ser medida com exactidão, apenas estimada, por ser intangível. Uma vez que um estado tenha obtido uma estimativa aproximada da capacidade de resistência do inimigo, deve rever os seus próprios meios e ajustá-los, incrementando-os proporcionalmente de forma a obter alguma vantagem. Como o inimigo também vai estar a fazer a mesma coisa, isto também se torna uma acção recíproca e cria uma pressão em direcção a um extremo.

Não é possível considerar a colocação de um estado em posição conducente a um conflito sem avaliar previamente estes três factores e pesar cuidadamente se existem condições para vencer um inimigo num cenário de guerra absoluta.