domingo, 30 de setembro de 2007

Intermezzo

Ainda não tive tempo para actualizar este blog mas o Bloguestadão está em dia. Assim que acabar uma das peças que estou a preparar para este breviário, publicá-la-ei.
Bom fim-de semana para todos.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

A caminho dos 10000!

Estive sem internet durante quase um mês por um defeito num chip, quando regresso, verifico que o blog do Breviário está quase nas 10000 visitas, ena!

Fica já prometida uma nova entrada para comemorar a efeméride.

Um abraço a todos, e fiquem bem.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

O Pai dos Turcos - Em comemoração das 7000 visitas

Os Sultões Otomanos governaram a Turquia durante quase sete séculos. A seguir à Primeira Grande Guerra, o caos governativo em que se encontrava a Turquia terminou quando um General carismático e popular, chamado Mustafa Kemal assumiu o poder. Kemal estava convencido de que a Turquia tinha de se tornar uma nação moderna e acreditava que se o povo Turco continuasse a seguir as suas tradições, voltariam a ser atacados por uma qualquer potência Ocidental.

Kemal viajou pelo interior da Turquia para encorajar as pessoas a deixar "a ciência e as novas ideias fluir livremente". A Grécia atacou a Turquia em 1921 e, em 22, Kemal conduziu os Turcos à vitória, em meados dos anos 20 do século passado, iniciou o seu programa de modernização daquele país.

Kemal dizia que numa nação moderna, os homens e as mulheres tinham de ser iguais. Ordenou que fosse permitido às raparigas o acesso ao ensino e deu às mulheres os direitos de votar, ter emprego e participar no Governo do Estado. Também pôs de parte a lei religiosa, a Shariah, e estabeleceu um sistema de justiça do tipo Ocidental, implementando um sistema legal similar ao das nações Europeias. Proíbiu os homens de terem mais de uma mulher apesar de a prática da poligamia ser permitida pelo Corão e ilegalizou o uso das vestes tradicionais como véus, turbantes e outros, dizendo que "o povo da República Turca tem de provar que é civilizado pela forma como se apresenta", e isso, explicava, quer dizer botas ou sapatos, calças, camisas, gravatas, coletes e casacos, e, para completá-los, um chapéu na cabeça.

No campo da cultura, Kemal introduziu um alfabeto Ocidental e ordenou que todos os jornais, livros e sinalética fossem escritos nesse novo alfabeto. Kemal acreditava que o uso da escrita Árabe tinha levado o seu povo ao analfabetismo e dificultava as relações comerciais com os outros países pela sua dificuldade de aprendizagem. Andou pessoalmente pelo interior da Turquia a ensinar às pessoas como se pronunciavam as letras.

Kemal decretou que todos os cidadãos devem ter um apelido, ou nome de família. Em 1934, a Assembleia Turca deu a Mustafa Kemal o apelido de Ataturk, que significa "Pai dos Turcos".

O ano de 1981 foi declarado pela ONU e pela UNESCO como o "Ano Internacional de Ataturk", tendo a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas aprovado a Resolução sobre o Centenário de Ataturk. O texto aprovado foi o seguinte:

"Convencidos de que as personalidades que trabalharam para o entendimento e a cooperação entre as nações e para a paz mundial serão exemplos para as gerações futuras, e recordando que o centésimo aniversário do nascimento de Mustafa Kemal Ataturk, fundador da República da Turquia, se celebra em 1981. Sabendo que este foi um excepcional reformador em todos os campos relevantes para as competências da UNESCO, reconhecendo em particular que foi um grande líder da primeira luta iniciada contra o imperialismo e o colonialismo, recordando que foi um extraordinário promotor da boa vontade entre os povos e de uma paz duradoura entre as nações do mundo e que trabalhou toda a sua vida para o desenvolvimento da harmonia e cooperação entre os povos, sem distinção de cor, religião ou raça, é decidido que a UNESCO deve colaborar com o Governo Turco, em 1981, nos planos intelectual e técnico para um colóquio internacional com o objectivo de dar a conhecer ao mundo os vários aspectos da personalidade e acções de Ataturk, cujos objectivos foram a promoção da paz mundial, a mútua compreensão a nível internacional e o respeito pelos Direitos Humanos."

Mustafa Kemal implementou aquelas que ficaram conhecidas como as "Reformas de Ataturk", que levaram a mudanças radicais nas esferas políticas, culturais e económicas da nação Turca e fomentou a criação de um Estado democrático e laico baseado nos princípios de governação Ocidentais, definidos na "Ideologia Kemalista". Tendo atingido o seu pico de poder nos anos 30, foi considerado um dos grandes homens da sua época, ideia que ele rejeitava para que não fosse colocado lado a lado com Mussolini, que ele desprezava, ou Hitler, que ele considerava ser um débil mental.

O General Douglas MacArthur, dos Estados Unidos da América, que vai ser o objecto de estudo da próxima entrada deste breviário, visitou Kemal Ataturk em 1931, tendo os dois trocado pontos de vista sobre o estado das relações internacionais que eventualmente levariam o mundo à Segunda Guerra Mundial. MacArthur expressou a sua admiração por Ataturk em muitas ocasiões e afirmava que tinha "muito orgulho de ser um dos leais amigos de Ataturk".

Mustafa Kemal Ataturk conseguiu superar uma oposição interna e externa extraordinária, sendo hoje considerado, a nível mundial, um dos maiores estrategas de sempre, com a rara distinção de o seu currículo militar apenas registar vitórias e nenhuma derrota. Procurou criar, modernizar e democratizar uma República Turca a partir das ruínas do Império Otomano. No seu trabalho para o conseguir, Ataturk pôs em prática reformas duradouras, cuja consequência principal é a possibilidade de a Turquia aceder à União Europeia no início deste novo século em que nos encontramos.

Conheçamos então a vida desta figura incontornável do Século XX:


23- Mustafa Kemal Ataturk, 1º Presidente da República da Turquia

Ataturk nasceu em 1881, na cidade Otomana de Tessalónica, que presentemente integra o território da Grécia. Filho de um funcionário da alfândega chamado Ali Riza Efendi e de Zubeyde Hanim, foi-lhe dado, de acordo com a tradição Otomana, um único nome, Mustafa, que significa "o escolhido". Tendo ficado orfão de pai aos sete anos de idade, foi, a partir daí, criado pela sua mãe.

A partir dos doze anos de idade, foi enviado para escolas militares, primeiro na sua terra natal e depois para Bitola, que presentemente se localiza na República da Macedónia, e que eram centros de descontentamento com a administração Otomana.Na escola de Tessalónica foi-lhe dado a alcunha de Kemal, (que significa perfeição ou maturidade), pelo seu professor de Matemática, como reconhecimento da sua excelência académica. Mustafa Kemal entrou na Academia Militar de Manastir, (Bitola), em 1895, onde terá contactado pela primeira vez com a organização conhecida por "Jovens Turcos". Terminou a sua formação como Tenente em 1905 e foi destacado para Damasco ao serviço do 5º Exército. Ai se juntaria a uma pequena sociedade secreta de oficiais revolucionários chamada "Vatan va Hurriyet", (Pátria e Liberdade), e tornou-se um opositor activo do regime Otomano. Em 1907, obteve a promoção a Capitão e foi transferido para Manastir (Bitola), para o 3º Exército. Durante a sua estadia nessa cidade, juntou-se definitivamente ao "Comité de União e Progresso", nome pelo qual eram oficialmente conhecidos os "Jovens Turcos". Em 1908, os "Jovens Turcos" depuseram do poder o Sultão Abdul Ahmid II e Mustafa Kemal tornou-se uma figura militar de referência.

Em 1910, Ataturk participou em manobras militares na Picardia, em França e, em 1911, prestou serviço no Ministério da Guerra em Istambul. No final desse ano foi enviado para a província de Trablusgarp, (a actual Líbia), para combater a invasão Italiana. A seguir ao sucesso na defesa de Tobruk, foi nomeado Comandante de Derne.

A seguir à eclusão das Guerras Balcânicas, em Outubro de 1912, foi de novo chamado a Istambul. Durante a Primeira Guerra Balcânica, lutou contra o Exército Búlgaro em Gallipoli e em Bolayir, na costa da Trácia e, na Segunda Guerra Balcânica, teve um papel decisivo na captura de Edirne e Didymoteicho. Em 1913, aparentemente para o afastar da intriga política da Capital Turca, foi nomeado Adido Militar em Sofia, tendo sido chamado de volta à Turquia em 1914, ano em que rebentou a Primeira Guerra Mundial.

No início da Guerra, os Aliados procuravam abrir uma rota eficiente de abastecimento à Rússia. O Império Germânico e o Império Austro-Húngaro bloqueavam as linhas de abastecimentos terrestres entre a Europa e a Rússia e não havia uma rota marítima acessível. O Mar Branco e o Mar de Okhotsk a Oriente eram demasiado distantes da Frente Oriental e estavam frequentemente bloqueados pelo gelo. O Báltico estava bloqueado pela Marinha do Kaiser, pelo que, o único acesso à Rússia era pelo Mar Negro, cúja única entrada é o estreito do Bósforo, que era controlado pelo Império Otomano. Quando o Império Otomano se alinhou com as Potências Centrais em Outubro de 1914, a Rússia deixou de poder ser abastecida pelo Mediterrâneo. No final desse ano, a frente Ocidental, na Bélgica e na França, tinha-se tornado fixa e os aliados necessitvam desesperadamente de abrir uma nova frente. Discutiu-se que um ataque à Turquia teria o provável efeito de levar a Grécia e a Bulgária a lutar do lado aliado, no entanto, a proposta de usar tropas Gregas para invadir a província de Gallipoli foi vetada pela Rússia devido ao facto de um aumento da influência Grega na região ameaçar a posição dos aliados Balcânicos da Rússia.

No final de Novembro de 1914, entram na história de Ataturk mais dois personagens do nossos breviário, Winston Churchill, Primeiro Lorde do Almirantado, desenvolveu um plano de ataque naval aos Dardanelos, baseado, pelo menos em parte no que acabou por se verificar ter sido um mau relatório sobre a capacidade militar Otomana preparado pelo Tenente T. E. Lawrence, (que ficaria poucos anos depois célebre como Lawrence da Arábia, acabando por ser um dos heróis populares da Primeira Grande Guerra). Churchill, tendo à sua disposição um grande número de navios de guerra obsoletos que não podiam ser utilizados contra a moderna Marinha do Kaiser, decidiu dar-lhes utilidade noutro cenário. Inicialmente, o ataque ao Império Otomano seria feito apenas pela Royal Navy, com o apoio de algumas tropas de reservistas que seriam utilizadas para tarefas de ocupação. Este plano para a invasão de Gallipoli acabou por ser aprovado pelo Governo Britânico em Janeiro de 1915.

Em 1914, o Marechal Alemão Otto Liman von Sanders tinha sido colocado ao comando do 5º Exército Turco, com a missão de defender os Dardanelos. Nessa circunstância, Mustafa Kemal foi promovido a Tenente-Coronel, com a tarefa de organizar e comandar a 19.ª Divisão do 5º Exército. Com a sua Divisão estacionada em Gallipoli, Mustafa Kemal deu por ele no centro da tentativa Aliada de forçar a sua entrada na Península.

A 8 de Janeiro de 1915, o Estado-Maior Britânico lançou uma operação de bombardeamento e ocupação da península de Gallipoli, com o objectivo de tomar Istambul. Na segunda semana de operações, durante um reconhecimento britânico, um Sargento Turco chamado Mehmet neutralizou um marinheiro Britânico à pedrada depois de a sua arma ter encravado. Mustafa Kemal publicitou este incidente de forma a levantar a moral dos seus soldados e deu origem ao termo “Mehmetchik”, que é utilizado até hoje como alcunha para os soldados Turcos.

Ao ter travado a primeira fase do desembarque das tropas Aliadas em Chunuk Bair, Mustafa Kemal foi promovido a Coronel. A segunda fase do desembarque, a 6 de Agosto, encontrou-o a menos de trezentos metros da linha da frente. Comandou a sua Divisão nas Batalhas de Scimitar Hill e de Sari Bair e, durante o Desembarque na Enseada do ANZAC, defrontou o inimigo nos montes, travou-o e reconquistou a posição no terreno elevado, nessa ocasião, terá dito aos seus homens: “Não vos ordeno que ataquem, ordeno-vos que morram. No tempo que vai demorar até que nos matem, outras tropas e comandantes chegarão e tomarão os nossos lugares”. Tornou-se o maior responsável pela falha das tropas Australianas e Neo-Zelandesas na prossecussão dos seus objectivos e, de forma cavalheiresca, não impediu a evacuação dos soldados aliados, o que lhe garantiu o respeito dos seus antigos inimigos. Na Praça do ANZAC, em Canberra, na Austrália, existe um Memorial a Mustafa Kemal Ataturk. Na Enseada do ANZAC, na Turquia, encontra-se gravado o discurso de vitória de Mustafa Kemal:

“Os heróis que derramaram o seu sangue e perderam as suas vidas… descansam agora no solo de um país amigo. Portanto, descansem em paz. Não há diferença entre os Johnnies e os Mehmets onde eles descansam lado a lado neste nosso país… Vós, mães que enviaram os vossos filhos de países distantes, limpem as vossas lágrimas. Os vossos filhos descansam no nosso regaço e estão em paz, tendo perdido as suas vidas na nossa terra, tornaram-se nossos filhos também”.

Do lado Britânico, Churchill foi responsabilizado pelo fracasso e, quando o Primeiro-Ministro Asquith formou uma coligação de todos os partidos, os Conservadores exigiram a remoção de Churchill do Governo como preço para a sua adesão. Churchill demitiu-se e, apesar de se manter como Membro do Parlamento, realistou-se no Exército e seguiu para a frente Ocidental, onde, durante vários meses, comandou o 6.º Batalhão dos Royal Scots Fusiliers.

Entretanto, a seguir à Batalha de Gallipoli, Mustafa Kemal serviu em Edirne até Abril de 1916. Crê-se que Enver Pasha tenha deliberadamente retardado a sua promoção. A 1 de Abril de 1916, Mustafa Kemal foi promovido a Brigadeiro e colocado ao comando do 16.º Corpo do 2.º Exército e enviado para a Campanha do Cáucaso. A Sul, na Península Arábica, desenvolvia-se a Revolta Árabe, sob o comando do Coronel Britânico Thomas Edward Lawrence, (Lawrence da Arábia), que prenunciava a queda da parte Oriental do Império Otomano.

Quando Mustafa Kemal foi destacado para aquele posto, os dois Exércitos Russos do Cáucaso avançavam em direcção ao coração do Império Otomano. O 3.º Exército Turco era pressionado, a Norte e o 2º Exército combatia no Sul um Exército Russo comandado por Tovmas Nazarbekian coligado com um destacamento de voluntários Arménios que se haviam revoltado contra o domínio Otomano. As forças Russas e Arménias encontravam-se em constante avanço e tinha-se formado um Governo Provisório Arménio, cuja área de abrangência estava em expansão a partir do Lago Van. Quando Kemal chegou à região, Bitlis e Mus já tinham sido capturados pelas forças Russo-Arménias. A região era, para não dizer mais, pouco hospitaleira para o desenvolvimento de operações militares. As linhas de comunicações encontravam-se sob permanente ataque por parte dos insurgentes, era difícil encontrar operários especializados para reparar as coisas e centenas de milhares de refugiados, na maior parte, Curdos, que tinham relações amargas com os Arménios, fugiam à frente dos Exércitos. A tarefa inicial de Mustafa Kemal foi a de organizar e acalmar os refugiados de forma ao seu Corpo de Exército poder funcionar normalmente enquanto se deparava com aquela situação de sofrimento humano.

A chegada de Mustafa Kemal ao Cáucaso levantou de tal forma a moral das tropas, que haviam acabado de sofrer pesadas derrotas, que, passados cinco dias, as suas duas Divisões recapturaram Bitlis e Mus, perturbando imediatamente os planos do Estado-Maior Russo. Apesar deste esforço, o resto da frente não acompanhava os esforços dos homens de Ataturk e, em Setembro, Mustafa Kemal viu-se forçado a abandonar Mus de forma a estabilizar a frente. A sua vitória tinha, no entanto, sido a única no conjunto da série de derrotas que os Otomanos haviam sofrido naquela frente, pelo que, no final do ano, se viu agraciado com a Medalha da Espada Dourada da Ordem da Cimitarra. Durante esse seu comando, Mustafa Kemal, concentrou os seus esforços na inspecção dos hospitais de campanha e das Mesquitas que se tornaram centros de ajuda aos refugiados, paralelamente ao objectivo de confinar as movimentações inimigas à inóspita região montanhosa.

A 7 de Março de 1917, Mustafa Kemal passou ao comando de todo o 2.º Exército, mas esteve nesse posto durante muito pouco tempo e foi quase imediatamente transferido para a Palestina e Península do Sinai, onde se desenvolviam esforços contra a Revolta Árabe e o Exército Inglês comandado pelo General Allenby, de quem também falaremos neste breviário. A Norte, na Arménia, a situação ficaria estável até à Revolução de Outubro desse ano na Rússia, que provocou a saída dessa potência da Guerra e permitiu que os Otomanos recuperassem as províncias perdidas.

Após uma breve visita ao 7.º Exército, para onde havia sido transferido, na Palestina, Mustafa Kemal regressa a Istambul a 7 de Outubro para poder acompanhar o Príncipe Mehmed Vahdetin numa visita à Alemanha. Durante essa viagem, Kemal adoece e fica em Viena para tratamento médico. Só regressa a Aleppo, para reassumir o comando do 7.º Exército a 28 de Agosto de 1918, instalando-se no Quartel-General em Nablus, na Palestina. Voltava a estar sob o comando de Liman von Sanders, que tinha o Quartel-General de Grupo de Exércitos em Nazaré.

Mustafa Kemal estudou atentamente a situação da Síria e visitou a linha da frente, a conclusão a que chegou era alarmante. Os dois anos de guerra anteriores haviam deixado meio milhão de feridos Sírios à fome, não havia, naquela Província, Governador Civil ou Militar, abundava a propaganda Inglesa e haviam agentes secretos Britânicos por toda a parte. O povo odiava o Governo e esperava ansiosamente a chegada dos Aliados. As forças inimigas eram superiores às suas em números e na qualidade do equipamento.

Kemal tinha a Revolta Árabe entre mãos e Liman von Sanders perdeu a batalha de Megiddo, deixando para trás setenta e cinco mil prisioneiros de guerra só no primeiro dia. Kemal retirou para o Rio Jordão. Num par de dias, o número de desertores atingiu os trezentos mil. A guerra de Kemal mudava drasticamente de lutar contra os Aliados para lutar contra a desintegração das suas próprias forças. Enviou um telegrama furioso ao Sultão, sobre os Três Paxás e von Sanders:

“A retirada poderia ter sido efectuada nalguma ordem se um louco como Enver Paxá não fosse o Director Geral de Operações e se não tivéssemos aqui um comandante, Cevat Paxá, à frente de uma força de cinco a dez mil homens, que fugiu ao primeiro som de tiros, abandonando o seu exército e andando às voltas como uma galinha sem cabeça, e um comandante do 4.º Exército, Cemal Paxá, totalmente incapaz de avaliar uma situação militar, e se acima deles não tivéssemos um Quartel-General de Grupo que perdeu o controlo desde o primeiro dia de guerra. Agora, não há mais nada a fazer senão a paz”.

Mustafa Kemal foi nomeado para o comando do Yildirim Ordulari, substituindo von Sanders no comando da mais extensa frente de batalha da guerra. Estabeleceu o seu Quartel-General em Katma e conseguiu recuperar o controlo da situação. Conseguiu resistir a Sul de Aleppo, nas montanhas e conseguiu parar as forças Inglesas nas últimas batalhas da campanha. A linha de defesa de Kemal tornou-se a base para o acordo de paz. O último serviço que Mustafa Kemal prestou ao Império Otomano foi organizar o que restava do seu Sul.

A 30 de Outubro, os Otomanos capitularam aos Aliados e teve lugar o Armistício de Mudros. O Governo do Comité de União e Progresso demite-se e os Três Paxás, (Cemal, Enver e Talat), fogem para o exílio na Alemanha a 1 de Novembro. Este Armistício deu origem à formação do mundo Árabe e da actual Turquia. Como reacção à partição do Império Otomano, teve lugar uma Guerra de Independência da Turquia e a rejeição pelos Árabes do mapa do Armistício deu lugar, mais tarde, à criação dos países independentes da Síria, Iraque, Koweit, Jordânia e Líbano.

No final da Guerra, Mustafa Kemal tinha trinta e sete anos de idade e regressou, imediatamente a seguir à assinatura do Armistício, a uma Istambul ocupada por forças estrangeiras, para ocupar um lugar administrativo no Ministério da Guerra. As tropas Britânicas, Italianas, Francesas e Gregas começaram a ocupar a Anatólia, com a intenção de deixar apenas uma parte da Anatólia Central como território Turco. A ocupação de Istambul e Izmir deu origem ao estabelecimento do Movimento Nacional Turco e à Guerra da Independência da Turquia.

A implementação de um Movimento Nacional Turco foi o primeiro objectivo na mente de Mustafa Kemal. As ocupações geraram movimentos locais de oposição que se manifestaram no surgimento de numerosos grupos de resistência armada. Alguns desses grupos foram perseguidos pelos Aliados e os seus líderes foram exilados para Malta. O Sultão manteve o seu título durante a ocupação de Istambul e deu início aos Tribunais Marciais Turcos de 1919-20 com o fim de se livrar da pressão dos Aliados. Cemal, Enver e Talat foram julgados à revelia por um Tribunal Militar Turco, pressionado pelos estados Aliados, considerados culpados de crimes de guerra e condenados à morte a 4 de Abril de 1919. Entretanto, à medida que as forças ocupantes começam a insistir na divisão da Turquia com base nos acordos que haviam feito durante a Guerra, um novo movimento nacionalista Turco começou a formar-se em torno de Mustafa Kemal.

A participação activa de Kemal na resistência começou com a sua nomeação para Inspector-Geral do Exército Oriental, onde deveria supervisionar o desarmamento e desmobilização. Este cargo punha-o numa posição ideal para ajudar a organizar a resistência. Mustafa Kemal chegou à Anatólia a 19 de Maio de 1919 e, ignorando as ordens que levava, contactou os líderes locais e começou a ordenar aos Governadores Civis e Militares que resistissem à ocupação estrangeira. Em Junho, apoiado pelos seus amigos mais próximos, emitiu a Circular de Amasya, que descrevia porque é que o poder de Istambul se havia tornado ilegítimo.

Os Britânicos ficaram alarmados quando tomaram conhecimento das actividades de Mustafa Kemal. O Almirante Cathrope enviou um relatório ao seu Ministério dos Negócios Estrangeiros e, em resposta às comunicações seguintes, o Governo Otomano ordenou a execução de Mustafa Kemal. A 8 de Julho, Kemal demitiu-se do Exército Otomano enquanto estava em Erzurum, que era o ponto de passagem das tribos turcas em migração para a Anatólia Oriental. Estava a decorrer o Congresso de Erzurum e Mustafa Kemal foi declarado “Nativo Honorário” e homem livre da Cidade, o que lhe permitiu obter o seu primeiro registo de cidadania e respectivo certificado, tornando-se, ao mesmo tempo, Deputado da Cidade. O Congresso de Sivas, que decorreu a seguir ao de Erzurum, deu a Mustafa Kemal o título de Porta-Voz. Kemal pediu uma eleição nacional para a formação de um novo Parlamento que tomaria assento em Ankara. O Congresso concordou e decorreram as eleições.

A 12 de Fevereiro de 1920, o último Parlamento Otomano reuniu em Istambul e declarou o “Juramento Nacional”. Em consequência, os Britânicos ordenaram a sua dissolução e, em consequência, o Sultão obedeceu e dissolveu o Parlamento. Mustafa Kemal usou esta oportunidade para estabelecer a nova Assembleia. A primeira sessão da Grande Assembleia Nacional da Turquia teve lugar a 23 de Abril de 1920, em Ankara. Mustafa Kemal tornou-se Presidente da Assembleia e declarou o objectivo de libertar o Sultão.

Estes eventos deram origem a um conflito jurisdicional entre o Governo Otomano em Istambul e o novo Parlamento estabelecido em Ankara. O Governo Otomano assinou o Tratado de Sèvres com os Aliados, que resultou na ocupação da Anatólia e na consequente perda de legitimidade do Governo de Istambul. As ocupações eram inaceitáveis, portanto, Mustafa Kemal utilizou-as como argumento contra o Sultanato. Na nova Constituição de 1921 dava entrada o conceito da Soberania Popular, o que deu a Mustafa Kemal a ferramenta de que necessitava para declarar uma Guerra de Independência. A nova Constituição refutava os princípios que validavam o Tratado de Sèvres, ao entregar a soberania ao povo e não ao Monarca ou ao seu representante. Mustafa Kemal passou então à fase seguinte, persuadindo a Grande Assembleia Nacional, em Ankara, a mobilizar um grande Exército Nacional Turco.

O Exército Nacional, liderado pelo Marechal Mustafa Kemal enfrentava inimigos em três frentes, a Franco-Turca, a Greco-Turca e a Turco-Arménia. Quando as forças Turcas foram empurradas pelos Gregos para o Rio Sakarya, a oitenta quilómetros da Grande Assembleia Nacional, foi entregue a Mustafa Kemal o comando directo do Exército Turco, que acabou por derrotar os Gregos na Batalha de Sakarya, ao fim de vinte dias de confronto. A vitória final sobre os Gregos teve efeito na Batalha de Dumlupinar, a 30 de Agosto de 1922.

Após o colapso do Império Russo, em 1917, foram criadas três Repúblicas independentes no Cáucaso: Arménia, Azerbaijão e Geórgia. Kemal e o seu movimento estavam revoltados com a decisão do Governo Otomano de reconhecer a independência da Arménia e renunciar a quaisquer pretensões territoriais sobre ela. No início do Outono de 1920, o Exército de Kemal invadiu a Arménia e capturou a maior parte do território da República. Em Dezembro de 1920, a Arménia rendeu-se e, no tratado que se seguiu entre a Turquia e a União Soviética, depois de a Arménia ter sido incorporada nesta, a Turquia ganhou o controlo da maior parte do território da República Democrática da Arménia.

A partir de Março de 1921, começou a luta Diplomática pela estabilização do território da Turquia. Em Outubro, o Tratado de Kars define a fronteira Oriental, devolvendo à Turquia a soberania sobre as cidades de Kars e Adrahan, que tinham sido conquistadas pela Rússia Czarista durante a Guerra que opôs o Império Rússo ao Império Otomano entre 1877 e 1878. Em 24 de Julho de 1923, terminou a Guerra da Independência, com a assinatura do Tratado de Lausanne, e o trabalho de Mustafa Kemal passou a ser a criação de um novo Estado.

Mustafa Kemal tinha 42 anos quando a República da Turquia foi finalmente declarada em 29 de Outubro de 1923. Entrava em acção a ideologia Kemalista, definida como uma ideologia de modernização baseada no realismo e no pragmatismo. Silenciadas as armas, tinha começado a guerra pela modernização da Turquia, que se viria a revelar na adaptação das constituições e instituições de países como a França, a Suécia, a Itália e a Suiça.

Mustafa Kemal estava determinado a não pôr em risco as conquistas cívicas da Guerra da Independência. Nos primeiros anos da República, para além dos saudosos do antigo regime que o queriam fazer reviver, Mustafa Kemal teve de enfrentar as novas ideologias, como o comunismo representado por Nazim Hikmet. Apercebendo-se das consequências dos regimes Comunistas e Fascistas dos anos 20 e 30, Mustafa Kemal rejeitou-os a ambos, impedindo o crescimento de partidos com tendências totalitárias como os que se tinham desenvolvido na Itália, na Alemanha e na Rússia. Este facto, no entanto, foi conseguido à custa do silenciamento de determinadas opiniões e da colocação do Estado no centro da acção política. Alguns comentadores viram isto como um silenciamento da oposição, enquanto outros o viram como uma prevenção dos extremismos.

Sabe-se, a partir dos apontamentos de Mustafa Kemal, que as suas ideias democráticas divergiam da experiência Otomana e se baseavam no conceito da soberania popular. Kemal visualizava uma soberania parlamentar do tipo das democracias representativas Ocidentais, na qual o Parlamento fosse a fonte da soberania e não do poder executivo. As ideias que Mustafa Kemal cultivou entre 1919 e 1920 levaram-no a prometer um “governo directo pela Assembleia”, em 1920. Acreditava que o poder da Constituição originava na Assembleia Nacional e não no poder absoluto do monarca do Império Otomano. A Assembleia Nacional consolidou a posição de Mustafa Kemal na Constituição de 1921. No final da Guerra da Independência, tornou-se claro para Mustafa Kemal que a ideia do “governo directo pela Assembleia” não sobreviveria à imensa tarefa de reconstrução e à necessidade que haveria de fazer escolhas políticas enérgicas que possibilitassem a modernização do país, pelo que passou a advogar, a partir de Outubro de 1923, que era necessário estabelecer um Governo com um Primeiro Ministro a par de um Presidente da República.

O trabalho de desenvolvimento da soberania nacional intensificou-se durante o ano de 1923, à medida que se iam instalando as estruturas legislativas, judiciais e executivas. Para Mustafa Kemal, a independência total não era negociável, e tinha três dimensões, a económica, a cívica e a religiosa. Neste âmbito, Kemal defendia que uma democracia não pode ser formada sem independência económica. O esforço para o estabelecimento da independência económica começou mesmo antes da instauração da República. Kemal trabalhou para a abolição das capitulações durante a Conferência de Lausanne, tendo firmado a sua posição contra as concessões desiguais a estrangeiros e minorias e estabelecido que toda a influência estrangeira tinha que ser eliminada. Mustafa Kemal bloqueou as negociações da Conferência de Lausanne até que os Italianos e os Franceses mudassem as suas exigências económicas.

Kemal desenvolveu então um amplo trabalho ao nível da Lei Cívica, de que se destaca, como principal reforma, a separação entre o Governo e os assuntos religiosos e a adopção de uma forte interpretação do princípio do laicismo do Estado, expresso na Constituição. Este passo foi acompanhado da extinção dos tribunais Islâmicos e pela substituição do Direito Canónico Islâmico por um Código Civil modelado a partir do Suíço e de um Código Penal baseado no Italiano. A completar esta reestruturação, Kemal promoveu a abolição do Califado e a transferência dos seus poderes para a Grande Assembleia Nacional.

A liderança de Mustafa Kemal proporcionou o estabelecimento de uma democracia com eleições, Assembleia, Governo com um Primeiro-Ministro e um Presidente. O sistema político era de partido único, que era o Partido Republicano do Povo, (Cumhuriyet Halk Firkasi), fundado por Mustafa Kemal a 9 de Setembro de 1923. O autoritarismo da sua liderança foi frequentemente questionado, mas, como nota o seu biógrafo “entre as duas guerras, muitas sociedades mais ricas e desenvolvidas não conseguiram manter as suas democracias”. O autoritarismo iluminado de Ataturk deixou um espaço razoável para o desenvolvimento da vida privada da nação. A suas ideias eram de um realismo extremo relativamente aos limites do desenvolvimento sustentável da democracia. Em 1933, afirmou: “República significa administração democrática do Estado. Fundámos a República que chegou ao seu décimo ano e deve implementar todos os requisitos da democracia à medida que o tempo for passando”.

A revolução cultural de Ataturk provocou oposição. Em 1925, as tensões sociais eram elevadas e a solução para esse problema foi vista na criação de um novo partido. Mustafa Kemal pediu a Kazim Karabekir para estabelecer o Partido Republicano Progressista como partido de oposição na Assembleia, o que deu origem à primeira época bi-partidária. O programa económico do novo partido apontava o Liberalismo como oposição ao Socialismo de Estado que se vinha praticando, a sua agenda social era de conservadorismo como oposição ao modernismo. Os líderes do novo partido apoiavam, em princípio, a revolução Kemalista mas tinham opiniões diferentes com relação à revolução cultural e ao secularismo.

Ao fim de algum tempo, o novo partido foi controlado por pessoas que Mustafa kemal considerava fundamentalistas. Em 1925, em resposta à Rebelião do Sheik Said, a Lei de Manutenção da Ordem foi aprovada, dando a Ataturk o poder de acabar com os grupos subversivos, o que ele aproveitou para ilegalizar o Partido Republicano Progressita, numa acção que Mustafa Kemal advogou como necessária à preservação do Estado Turco. Em 1930, Ataturk decidiu voltar a tentar um movimento democrático, instruindo Ali Fethi Okyar para formar um novo partido. Na carta que dirigiu a Okyar, Ataturk insistiu que o partido fosse laico. No seu início, este Partido Liberal Republicano teve sucesso ao redor do país e cedo começou a tornar-se forte demais na oposição às reformas de Ataturk, particularmente no que dizia respeito ao papel da religião na vida pública. Ali Okyar acabou por abolir o seu próprio partido e Ataturk acabou por nunca conseguir democratizar o sistema parlamentar Turco.

Do ponto de vista de Mustafa Kemal Ataturk, o principal problema do Estado era o deficiente desenvolvimento das instituições políticas promotoras do desenvolvimento económico e social, com base nisto, Kemal promoveu políticas económicas dirigidas, não só ao desenvolvimento de negócios de pequena ou grande escala, mas também à criação de estratos sociais que não existiam durante a era Otomana.

Ataturk criou inúmeras empresas estatais para a agricultura, metalo-mecânica e têxtil que se tornaram empresas de sucesso e, eventualmente, foram privatizadas na segunda metade do Século XX. Outro passo que Ataturk considerava importante para o desenvolvimento da economia nacional era a construção de uma rede eficiente de carris de ferro, que foi levada a cabo a partir da fundação do Caminhos-de-Ferro Turcos em 1927, e conseguiu a implementação de um rede extraordinariamente extensa num período de tempo muito curto.

A nível da obras públicas, a obra de Mustafa Kemal foi notável. Com o objectivo de unir a nação, eliminando o controlo da economia por parte das potências estrangeiras e melhorar as comunicações, Istambul, que era um porto de escala que servia empresas internacionais, foi intencionalmente abandonado e os recursos que ai eram colocados foram canalizados para outras cidades.

Em 1929 deu-se a grande depressão e a jovem República entrou em crise. O Partido Liberal Republicano apareceu com um programa que propunha a abolição dos monopólios estatais e a atracção de capitais estrangeiros. Apesar de Ataturk discordar da possibilidade de atracção de capitais estrangeiros, a posição liberal sentiu-se fortemente e a forte intervenção estatal na economia acabou por ser substituída por um intervencionismo mais moderado. Um dos apoiantes de extrema-esquerda radical de Mustafa Kemal, Yakup Kadri Karaosmanoglu, iniciador do Movimento Cadre, argumentou nesta época que Ataturk tinha encontrado uma terceira via entre o Capitalismo e o Socialismo.

Mustafa Kemal capitalizou a sua reputação como líder militar até à sua morte, em 1938, por forma a instituir uma vasta gama de reformas políticas, económicas e sociais progressistas, que transformaram a sociedade turca dum grupo de súbditos Muçulmanos num grupo de cidadãos de uma Nação moderna, democrática e secular. As suas reformas foram vistas como demasiado rápidas por alguns, mas a maior parte dos Turcos estava disponível para aceitar a mudança. Na maior parte dos casos, as reformas religiosas de Ataturk mereceram dura oposição e continuam a gerar um grau considerável de tensão política e religiosa até aos dias de hoje. A seguir a ele, vários líderes políticos cederiam à tentação de utilizar as forças adormecidas da religião por forma a assegurar a sua posição no poder, tendo sempre sido enfrentados pelos militares, que sempre se consideraram os principais e mais fervorosos guardiães do secularismo do Estado Turco.

A ideia de desenvolvimento nacional de Ataturk era muito ampla, tendo promovido, para além da educação geral, a educação de adultos, na qual se empenhou pessoalmente, tendo criado Casas do Povo que se dedicavam e esta extraordinária tarefa de desenvolvimento educacional que ia desde a educação profissional de criados de mesa à educação das mulheres para a sua participação na vida económica nacional. Mustafa Kemal terá dito: “ Hoje, a nossa tarefa mais importante e mais produtiva é a educação nacional. Temos de ter sucesso nos assuntos da educação e vamos ter. A libertação de uma nação só se atinge desta forma”. Nesse âmbito, promoveu o desenvolvimento de um novo alfabeto que substituísse a escrita Árabe, que era demasiado complexa para um ensino que se pretendia rápido e eficaz. Combateu fortemente a iliteracia por meio da educação e de um forte apoio ao sector privado da publicação literária. Kemal modernizou o antigo sistema das Madrassas, reconstruindo as instituições educativas na linha do pragmatismo iluminado. O novo sistema educativo unificado teria como objectivo desenvolver cidadãos responsáveis que fossem membros úteis e apreciados da sociedade.

Apesar da proíbição Islâmica das bebidas alcoólicas, Kemal encorajou a produção doméstica de álcool e estabeleceu uma indústria estatal de bebidas espirituosas. Sabe-se que apreciava a bebida nacional, a Raki, e a consumia em quantidades um pouco acima do comum.

Mustafa Kemal decretou uma série de leis destinadas a limitar o uso de roupas religiosas fora dos cultos, tendo criado um código de vestuário próprio para estudantes e funcionários públicos, tendo encorajado os homens Turcos a utilizar vestuário de estilo Europeu.

Não reconhecendo o género como um factor de organização social, Kemal tratou de implementar o seu ponto de vista, procurando criar uma sociedade que caminhasse para os seus objectivos com homens e mulheres como iguais. Para Ataturk era cientificamente impossível atingir o progresso e ser civilizado se a segregação sexual continuasse como no tempo dos Otomanos. Dizia: “Tudo o que vemos neste mundo é produto das mulheres”. O papel das mulheres na revolução cultural Kemalista foi inscrito num livro cívico preparado sob supervisão do próprio Ataturk, onde defenderia brilhantemente o direito ao voto por parte das mulheres, alegando que: “As mulheres devem ter o direito ao voto e a ser eleitas porque a democracia o dita, porque há interesses que as mulheres têm de defender e porque há deveres sociais que as mulheres têm de cumprir”. A 5 de Dezembro de 1934, as mulheres Turcas passaram a ter os mesmos direitos políticos que os homens, muito antes das mulheres de outros países, ditos ocidentais. Durante este período, Ataturk não impôs quotas para a participação de mulheres na política pois era um firme defensor de que não seria a imposição, mas os hábitos políticos e culturais diários que levariam as mulheres a assumir um papel social mais relevante.

As artes plásticas e visuais, cujo desenvolvimento tinha sido impedido pelos Otomanos sob argumento de que a representação da forma humana seria idolatria, foram amplamente encorajadas por Ataturk, o que originou a abertura de muitos museus, o desenvolvimento de uma nova corrente arquitectónica e inúmeras manifestações culturais que promoveram a música clássica Ocidental, a Ópera, o Ballet e o Teatro. Aumentou o número de publicações e a indústria cinematográfica começou a florescer.

Ataturk vivia uma vida privada muito simples. Casou-se com Latife Hanim a 23 de Janeiro de 1923 e dela se divorciou a 5 de Agosto de 1925. O seu grande amor pelas crianças levou-o a adoptar sete raparigas e um rapaz e a tomar outros dois rapazes sob sua protecção, tendo tomado providências relativamente ao futuro destas crianças, que lhe sobreviveram. Doou as suas propriedades rurais ao Estado Turco e o seu património imobiliário às cidades de Ankara e Bursa, em 1937. Dividiu a sua herança entre a sua irmã, os seus filhos adoptivos e as Instituições de Língua e História Turcas. Morreu a 10 de Novembro de 1938 no Palácio de Domalbahçe e foi sepultado temporariamente no Museu de Etnografia de Ankara a 21 de Novembro.

Em 1945, a Turquia tornou-se um dos cinquenta e um membros originais da Organização das Nações Unidas.

A 10 de Novembro de 1953, quinze anos após a sua morte, o féretro de Ataturk foi transportado para o seu local de descanso eterno no Mausoléu erigido em sua honra na cidade de Ankara.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

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Obrigado a todos.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Ich bin ein Berliner

Há líderes políticos, militares, empresariais, académicos e religiosos que impressionam pela força da sua imagem pessoal, do seu discurso, das suas acções ou das suas histórias de vida. Hoje vamos dar início, nestas páginas, a uma série de breves biografias de grandes líderes do Séc. XX, visitaremos os discursos e as biografias de John Kennedy, Mohandas Ghandi, Kemal Ataturk, Winston Churchill, Benito Mussolini, o Dalai Lama, Mao Tse Tung, Albert Einstein, George S. Patton, Henry Ford, Nelson Mandela, Vladimir Ilich Ilianov, T.E. Lawrence, entre outros que marcaram o ritmo e os eventos do Século passado.

Tentaremos, sempre que possível, enquadrar as suas vidas nos momentos históricos que viveram, acrescentando, para isso, títulos a este breviário que se encontrem relacionados com os episódios relevantes. Hoje abordaremos a história de John FItzgerald Kennedy. Os seus discursos envolventes e motivantes, que nunca nos cansamos de voltar a ouvir, aliados a uma história trágica, converteram este Presidente dos Estados Unidos da América num ícone do Séc.XX, para a história da Europa fica o seu discurso de Berlim, que foi, na nossa modesta opinião, um dos seus melhores, tendo fixado na história um dos momentos mais marcantes da Guerra Fria.

Em Junho de 1963, o Presidente John Kennedy iniciou uma visita a cinco países da Europa Ocidental com o propósito de aumentar a boa vontade e a unidade entre os aliados dos E.U.A.. A sua primeira paragem foi na República Federal da Alemanha, uma nação que, menos de vinte anos antes tinha estado envolvida num projecto de conquista mundial sob a ditadura de Hitler. A seguir à derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o país tinha sido dividido em dois, com o Leste sob controlo da União Soviética e o Oeste tornando-se uma nação democrática.

A Alemanha dividida cedo se tornou um foco de tensões entre as duas novas super potências mundiais, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Berlim, a anterior capital alemã, tornou-se o ponto quente político desse período a que se veio a chamar “Guerra Fria”. Apesar da cidade estar localizada na Alemanha de Leste, Berlim encontrava-se dividida, com Berlim Leste sob o controlo da URSS e Berlim Ocidental sob jurisdição Americana, Inglesa e Francesa.

Em 1948, os Soviéticos levaram a cabo um bloqueio temporário de Berlim Ocidental, cortando-lhe todos os acessos por via terrestre. Durante os onze meses que se seguiram, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha levaram a cabo uma ponte aérea maciça, levando quase dois milhões de toneladas de comida, carvão e matérias primas à cidade cercada.

Em 1961, o governo da Alemanha Oriental, que era liderado por Walter Ulbricht, erigiu uma barreira de arame farpado em volta da parte ocidental de Berlim, numa extensão de cerca de 150 Km. Esta barreira foi oficialmente chamada “antifaschistscher shutzwall”, (barreira de protecção anti-fascista), e as autoridades da Alemanha Oriental argumentaram que servia para impedir a entrada na RDA, (República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental), de espiões e agentes da Alemanha Ocidental (RFA), que eles consideravam um estado fascista. No entanto, esta obra tornou-se universalmente conhecida como o “Muro de Berlim” e a opinião maioritária era que o seu propósito era impedir os cidadãos da Alemanha Oriental de fugir para o Ocidente.

Ao longo de um período de meses, a barreira foi reconstruída usando betão armado e os edifícios que se encontravam na sua proximidade foram demolidos para criar uma zona morta, permanentemente vigiada por guardas da RDA armados com metralhadoras. Em 1962, a primeira tentativa de fuga que resultou na morte de um cidadão da RDA, tirou a vida a Peter Fechter. Até à queda do muro, foram abatidas perto de duzentas pessoas, das que tentaram a fuga para o Ocidente.

O Presidente Kennedy chegou a Berlim a 26 de Junho de 1963, depois de visitar Bona, Colónia e Frankfurt, onde havia discursado perante multidões extasiadas. Em Berlim, uma imensa multidão reuniu-se na Rudolph Wilde Platz, (que hoje se chama John F. Kennedy Platz), perto do muro, para ouvir o Presidente Americano que fez o seu discurso mais memorável e o concluiu com a frase que ficou para a história: Ich bin ein Berliner.

“Eu sou um cidadão de Berlim” , disse Kennedy, reafirmando o apoio dos Estados Unidos da América à Alemanha Ocidental, num discurso em que foi ladeado pelo Presidente da Câmara de Berlim, Willy Brandt, e que constituiu uma injecção de moral para os cidadãos da cidade cercada que temiam uma invasão por parte da Alemanha de Leste. Falando da varanda da Rathaus Shoeneberg, Kennedy afirmou:

“Freedom has many difficulties and democracy is not perfect, but we never had to put a wall up to keep our people in.”

(A liberdade tem muitas dificuldades e a democracia não é perfeita, mas nunca tivemos de erigir um muro para manter o nosso povo cá dentro.)

Fica ainda desse discurso a afirmação:

“Two thousand years ago the proudest boast was “civis romanus sum”. Today, in the world of freedom, the proudest boast is ´Ich bin ein Berliner´... All free men, wherever they may live, are citizens of Berlin, and, therefore, as a free man, I take pride in the words ´Ich bin ein Berliner!´ ”

(Há dois mil anos, a afirmação mais orgulhosa era “civis romanus sum”, (sou cidadão de Roma). Hoje, no mundo da liberdade, a afirmação mais orgulhosa é “ich bin ein Berliner”, (sou um cidadão de Berlim)... Todos os homens livres, onde quer que residam, são cidadãos de Berlim e, portanto, com homem livre, tenho orgulho nas palavras “ich bin ein Berliner”!)

John Fitzgerald Kennedy foi o 35.º Presidente dos Estados Unidos da América e foi assassinado aos 46 anos de idade, ao longo da sua presidência, ocorreram eventos, que terão lugar neste breviário, como a Invasão da Baia dos Porcos, a Crise dos Mísseis Cubanos, a construção do Muro de Berlim, a Corrida Espacial, o Movimento Americano dos Direitos Civis e os primeiros eventos da Guerra do Vietname. Hoje vamos conhecer a história deste homem:


22- John Fitzgerald Kennedy, 35.º Presidente dos Estados Unidos da América

John Fitzgerald Kennedy nasceu a 29 de Maio de 1917 em Brookline, no Estado de Massachussets, de uma família de ascendência Irlandesa e tradicionalmente Católica. Foi o esundo filho de Joseph Patrick Kennedy Sr. e de Rose Fitzgerald. O seu avô materno tinha sido uma figura proeminente na política de Boston, de que chegou a ser Mayor e representante no Congresso dos Estados Unidos da América ao longo de três mandatos. O seu pai chegou a ser Embaixador dos Estados Unidos em Londres.

Aos dez anos de idade a família Kennedy mudou-se para uma mansão em Rverdale, no Bronx Nova-Iorquino, e, dois anos mais tarde, voltaram a mudar-se, desta vez para Bronxvill, em Nova-Iorque. Ai, John Kennedy, tornou-se membro dos Escuteiros, tendo-se mais tarde tornado no primeiro Presidente Americano que fez parte do movimento Escutista.

Depois de ter iniciado a escola no ensino público, no 5.º Ano foi inscrito numa escola privada para rapazes em Riverdale, onde ficou até ao final do 7.º Ano de escolaridade. Ao iniciar o 8.º Ano, em Setembro de 1930, Kennedy foi enviado para a Canterbury School, um internato Católico para rapazes a 80 Km. de distância de sua casa. Em Abril de 1931, foi operado a uma apendicite, pelo que abandonou aquela escola e voltou para casa. Em Setembro do mesmo ano, foi inscrito noutro internato, desta vez a Choate School em Wallingford, no Conneticut, onde faria a preparação para a Universidade, do 9.º ao 12.º Ano, co-habitando ai com o seu irmão mais velho que estava dois anos adiantado em relação a ele.

Em Janeiro de 1934, adoeceu e foi internado no Hospital de New Haven, em Yale, e ai permaneceu até à Páscoa, em Junho foi internado na Clínica Mayo, em Rochester, no Minnesota para ser tratado de uma Colite. Acabou a instrução secundária em Choate, em 1935, no seu Livro de Curso, era apontado como “O mais provável de chegar a Presidente”. Em Setembro desse ano embarcou no SS Normandie com os seus pais e a a sua irmã Kathleen, com destino a Londres, onde iria estudar um ano na London School of Economics, com o Professor Harold Laski, acabou por ser hospitalizado com iterícia, e, ao fim de menos de três semanas em Londres, embarcou de volta. Em Outubro inscreveu-se na Universidade de Princeton, mas voltou a ser hospitalizado, desta vez por uma possível leucemia. Com o ano de estudos perdido, no fim da convalescença que durou de Janeiro a Abril, passou dois meses a trabalhar num rancho de gado no Arizona e depois passou os meses de Julho e Agosto em Hyannis Port, a fazer corridas de veleiros.

Em Setembro de 1936, inscreveu-se no Harvard College. No ano seguinte viajou por toda a Europa durante dez semanas. Em 1938, voltou à Europa, desta vez, na companhia do seu pai e do seu irmão Joseph, tendo passado o mês de Julho a trabalhar na Embaixada Americana em Londres e o mês de Agosto com a sua família em Cannes. De Fevereiro a Setembro de 1939, Kennedy faz uma viagem de sete meses em que passa por toda a Europa, incluindo a União Soviética e os Balcãs e passa pelo Médio Oriente, com o fim de recolher informação para a sua tese de final de curso. Passou os últimos dez dias desta viagem na Checoslováquia e na Alemanha, de onde regressou para Londres a 1 de Setembro de 1939, o dia em que a Alemanha invadiu a Polónia. A 3 de Setembro, a família Kennedy encontrava-se na Galeria dos Visitantes da Casa dos Comuns a ouvir um famoso discurso de Winston Churchill a exortar a declaração de Guerra à Alemanha por parte do Reino Unido.

Regressado à América, Kennedy escreve a sua tese final de curso, intitulada “Apaziguamento em Munique”, sobre as negociações Germano-Britânicas relativas ao Acordo de Munique. Inicialmente pretendeu que a sua tese fosse apenas para uso académico, no entanto, o seu pai encorajou-o a publicar a tese em livro. Foi diplomado “cum laude” por Harvard em Relações Internacionais, em Junho de 1940. A sua tese foi publicada em livro, com o título “Porque a Inglaterra adormeceu?”, e tornou-se um best-seller.

De Setembro a Dezembro de 1940, Kennedy foi assistente na Stanford Graduate School of Business. No inicio do ano seguinte, ajudou o seu pai a escrever a suas memórias sobre os seus três anos como embaixador em Londres. Na primavera, alistou-se no Exército dos E.U.A., mas foi rejeitado devido a um problema com as suas costas. Em Maio e Junho, viajou pela América do Sul. Em Setembro voltou a tentar o alistamento, desta vês na Marinha, que o aceitou devido à influência do Director do Gabinete de Ineligência naval, que havia sido adido militar do seu pai, enquanto Embaixador. Kennedy começou com o posto de Aspirante no gabinete que preparava os relatórios para o Secretário de Estado da Marinha. Durante esta época ocorreu o ataque Japonês a Pearl Harbour. Depois de ser destacado para a Escola de Oficiais de Reserva e para a Escola de Navios Torpedeiros, foi enviado para o Panamá e mais tarde para o Pacífico. Participou em vários comandos na campanha do Pacífico e foi promovido a Tenente, sendo-lhe atríbuido o comando do barco de patrulha PT-109.

A 2 de Agosto de 1943, o barco de Kennedy realizava uma patrulha nocturna próximo da Nova Geórgia, nas Ilhas Salomão. A meio da noite, o seu barco foi abalroado pelo destroyer Japonês Amagiri. Kennedy foi lançado através do convés, aleijando-se nas costas. Apesar disso, conseguiu salvar três camaradas, chegando rebocar um deles, a nado, ao longo de cinco quilómetros de mar, até chegarem a uma ilha onde ele e a sua tripulação acabaram por ser, posteriormente recolhidos. Depois deste evento, Kennedy foi condecorado com a “Naval and Marine Corps Medal”. Passou à reserva no princípio de 1945, poucos meses antes da rendição do Japão.

No final da Segunda Guerra Mundial, Kennedy pensou em tornar-se jornalista por uns tempos antes de acabar por decidir seguir uma carreira política.Antes da Guerra, a política tinha sempre estado fora das suas perspectivas pois a família já tinha escolhido o seu irmão Joseph como o futuro político da casa, preparando-o para um dia ser o possível Presidente. Tragicamente, o irmão mais velho morreu na Guerra, colocando John na linha para cumprir as ambições políticas do seu pai.

Em 1946, John Fitzgerald Kennedy concorre a Representante no Congresso, sendo eleito com uma vantajosa margem contra o seu oponente Republicano. Foi congressista durante seis anos, divergindo frequentemente do Presidente Harry Truman e do resto do Partido Democrático. Em 1952 derrotou o candidato Republicano Henry Cabot Lodge Jr., conquistando o seu lugar no Senado dos Estados Unidos da América. Em 1953 casa-se com Jacqueline Lee Bouvier. Nos dois anos seguintes foi operado várias vezes à coluna vertebral e quase morreu, o que fez com que tivesse recebido a extrema-unção quatro vezes durante a sua vida e estivesse afastado do Senado durante bastante tempo. Nessa época publicou o seu livro “Perfis de coragem”, no qual analisava oito circunstâncias em que diferentes Senadores arriscaram as suas carreiras por seguirem as suas convicções pessoais. O livro foi galardoado com o Prémio Pulitzer em 1957.

Em 1956, depois de Adlai Stevenson deixar à Convenção Democrata a tarefa de escolher o candidato a Vice-Presidente, Kennedy ficou em segundo lugar nessa votação, no entanto, obteve bastante exposição pública em função desse facto. A seguir a isso foi eleito para um segundo mandato no Senado.

O Senador Joseph McCarthy era um amigo próximo da família Kennedy e o pai de John era um dos seus maiores apoiantes. Robert Kennedy trabalhava para a sub-comissão McCarthy e McCarthy namorava Patrícia Kennedy. Em 1954, quando o Senado estava prestes a condenar McCarthy, John Kennedy tinha um discurso preparado para censurar McCarthy, mas nunca o chegou a fazer. Quando o Senado publicou a sua decisão de censurar McCarthy, John Kennedy estava hospitalizado. Kennedy nunca indicou como teria votado nessa ocasião.

Em Janeiro de 1960, Kennedy declarou a sua intenção de concorrer a Presidente dos Estados Unidos da América. Ganhou as primárias e, na Convenção Democrata de Julho foi nomeado candidato do Partido Democrata às Eleições Presidenciais. Kennedy pediu a Lindon Johnson para ser o seu candidato a Vice-Presidente. Apesar da oposição da ala Liberal do seu partido, Kennedy precisava da força de Johnson nos Estados do Sul, para ter algumas hipóteses de ganhar aquelas que se previam ser as eleições mais renhidas desde 1916. Os temas que dominaram a campanha foram o re-lançamento da economia, o catolicismo de Kennedy, a situação de Cuba e a corrida espacial e ao armamento com a U.R.S.S.. Para afastar os receios de que o seu catolicismo tivesse impacto no voto dos Americanos, maioritariamente protestantes, declarou, num famoso discursoem Houston: “Não sou o candidato católico a Presidente, sou o candidato do Partido Democrata a Presidente, que por acaso também é católico. Não falo pela minha Igreja em assuntos públicos, e a Igreja não fla por mim”. Kennedy também suscitou o facto de um quarto dos cidadãos Americanos serem relegados para segundo plano pelo facto de serem Católicos.

Em Setembro e Outubro, Kennedy debateu com o candidato Republicano, o Vice-Presidente Richard Nixon, nos primeiros debates televisivos da história da televisão Americana. Durante os debates, Nixon apareceu tenso e descorado, enquanto Kennedy apareceu composto, isto levou a audiência televisiva a dar a vitória a Kennedy, enquanto que a audiência radiofónica deu a vitória a Nixon. Nixon não usou maquilhagem para o debate, ao contrário de Kennedy. Estes debates são considerados como um marco histórico, sendo o momento em que o meio televisivo passou a ter importância na política.

John Fitzgerald Kennedy tomou posse como Presidente dos Estados Unidos da América a 20 de Janeiro de 1961. No seu discurso inaugural falou da necessidade dos cidadãos tomarem um papel activo. A sua afirmação mais famosa: “Não perguntem o que o vosso país pode fazer por vós, perguntem o que vocês podem fazer pelo vosso país”, foi feita nessa ocasião, na qual também exortou todas as nações do mundo a lutar em conjunto contra os “inimigos comuns do Homem: a tirania, a pobreza, a doença e a própria guerra”.

Pouco tempo depois de tomar posse, Kennedy é confrontado com um plano que estava, secretamente, em preparação, desde a Administração Eisenhower, para derrubar o Regime de Castro, em Cuba. O plano, desenvolvido pela CIA sem a participação do Departamento de Estado, consistia em armar um exército de insurgência contra-revolucionária, constituído por Cubanos anti-Castro. Rebeldes Cubanos treinados pelos E.U.A. invadiriam Cuba e instigariam uma sublevação popular, na esperança de derrubar o Ditador Castro. A 17 de Abril de 1961, Kennedy deu a sua aprovação à prossecussão do plano previamente aprovado. Apesar de Kennedy não autorizar a utilização de apoio aéreo por parte dos E.U.A., a CIA prosseguiu com o envio de 1500 exilados Cubanos, a que chamaram a Brigada 2506, para o que ficou conhecido como a Invasão da Baia dos Porcos. A 19 de Abril, o Governo Cubano tinha morto ou capturado todos os invasores, e Kennedy foi forçado a negociar a libertação dos 1189 sobreviventes. A falha do plano teve base na completa falta de diálogo entre as chefias militares, que resultou na total ausência de apoio naval frente a forças de artilharia bem organizadas na ilha que facilmente incapacitaram a força invasora nas praias onde desembarcou. Ao fim de 20 meses, Cuba libertou os prisioneiros em troca de 53 milhões de dólares em comida e medicamentos.

Este incidente, para além do grande embaraço que provocou aos Estados Unidos, fez Castro passar a olhar para os Americanos com suspeição, e a acreditar que mais tarde ou mais cedo, teria lugar outra invasão. Isto levou a que Cuba reforçasse a sua colaboração militar com Moscovo e optasse definitivamente pela implementação de um regime do tipo Comunista.

A 14 de Outubro de 1962, aviões espiões U-2 Americanos tiraram fotografias da construção de um silo de mísseis balísticos de alcance intermédio Soviético, em Cuba. Começara a Crise dos Mísseis Cubanos. A 16 de Outubro, as fotografias chegaram às mãos de Kennedy. A América enfrentava a ameaça do nuclear. Colocou-se então, a Kennedy, um dilema: se os E.U.A. atacassem esses silos, isso poderia provocar uma guerra mundial com a U.R.S.S., se nada fizessem, teriam de viver com a ameaça perpétua de armas nucleares na sua região, a uma proximidade tal que se os mísseis fossem lançados, os E.U.A. não teriam tempo de retaliar. Outra ameaça era a de os Estados Unidos aparecerem ao mundo como fracos no seu próprio hemisfério. Kennedy ordenou um bloqueio naval em que os Estados Unidos passariam a inspeccionar todos os navios que se dirigissem a Cuba.

Kennedy iniciou negociações com os Soviéticos e ordenou-lhes que retirassem todo o material “defensivo” que estava a ser construído na ilha de Cuba, caso contrário, os povos Cubano e Soviético seriam confrontados com bloqueios navais. O mundo esteve à beira da Guerra Nuclear. Uma semana mais tarde, chegou a um acordo com Nikita Khrutchev, o primeiro-ministro Russo. Khrutchev acordou em retirar os mísseis de Cuba enquanto os Estados Unidos prometeram publicamente nunca invadir a ilha, desde que inspectores das Nações Unidas pudessem verificar a retirada. Kennedy também prometeu, secretamente, retirar nos seis meses seguintes, os mísseis que os Estados Unidos tinham na Turquia.

Argumentando que “aqueles que tornam a revolução pacífica impossível, tornam a revolução violenta inevitável”, Kennedy tentou conter o comunismo na América Latina estabelecendo uma Aliança para o Progresso, que enviava ajuda humanitária aos países em dificuldades na região e procurava elevar os padrões dos direitos humanos nesses países.

Em seguida, Kennedy criou o Peace Corps, uma organização através da qual os Americanos se podiam voluntariar para a ajuda a países sub-desenvolvidos em áreas como a educação, a agricultura, a saúde e a construção.

Entretanto, no Sudoeste Asiático, Kennedy seguiu a política de Eisenhower de utilizar acções militares limitadas para combater os forças comunistas lideradas por Ho Chi Minh. Proclamando a luta contra a expansão do Comunismo, Kennedy pôs em prática políticas de apoio político, económico e militar ao instável Governo instalado pela França no Vietname do Sul, o que incluiu o envio de dezasseis mil conselheiros militares e tropas especiais para aquela área. Kennedy também aprovou o uso de zonas de fogo livro, napalm, desfolhantes e aviões a jacto. O envolvimento Americano naquela zona cresceu continuamente até que forças regulares Norte-Americanas estavam no terreno na Administração seguinte.

A Administração Kennedy aumentou o apoio militar mas o exército Sul-Vietnamita não era capaz de fazer frente aos movimentos pró-independência do Viet-Minh e do Viet-Cong. Em Julho de 1963, Kennedy enfrentava uma crise no Vietname. A resposta da sua Administração foi auxiliar num golpe de estado contra o Presidente Ngo Dinh Diem. Em 1963, um grupo de Generais Vietnamitas derrubou o Governo de Diem, prendendo-o e depois matando-o, sendo que as circunstâncias exactas da sua morte permanecem pouco claras até aos dias de hoje. Kennedy sancionou o derrube de Diem. Uma razão para o apoio ao golpe foi o receio de que Diem pudesse negociar uma coligação de Governo com os Comunistas, como tinha ocorrido no Laos em 1962. Continua a ser controverso o debate sobre se a situação no Vietname teria chegado ao ponto que chegou se Kennedy tivesse cumprido o seu mandato até ao fim. A alimentar esta controvérsia existem declarações do Secretário de Estado da Defesa de Kennedy, Robert MacNamara, de acordo com as quais Kennedy estaria a pensar retirar do Vietname a seguir às eleições de 1964, adicionalmente, existe uma ordem dada por Kennedy a 23 de Outubro de 1963 para a retirada de mil efectivos até ao fim do ano. Após o seu assassinato, o novo Presidente Lindon Johnson, imediatamente anulou essa ordem de Kennedy, a 26 de Novembro de 1963.

Sob pressões opostas e simultâneas dos Aliados e dos Soviéticos, a Alemanha encontrava-se dividida. O Muro de Berlim isolava Berlim Ocidental como um enclave no meio da Alemanha de Leste, que se encontrava sob domínio Soviético. A 26 de Junho de 1963, Kennedy visitou Berlim Ocidental e fez um discurso público, criticando o Comunismo, usando a construção do muro para defender a sua tese: “A Liberdade tem muitas dificuldades e a democracia não é perfeita, mas nunca tivemos de construir um muro para manter o nosso povo cá dentro”. O discurso ficou famoso pela sua frase “Ich bin ein Berliner”. Quase cinco sextos da população estavam na rua quando Kennedy disse a famosa frase. Mais tarde, diria aos seus asssistentes: “Nunca teremos outro dia como este”.

Atormentado pelos perigos a longo prazo da contaminação radioactiva e da proliferação do armamento nuclear, Kennedy promoveu a adopção de um Tratado Parcial de Proibição de Testes Nucleares, que proibia testes no solo, na atmosfera e debaixo de água, mas não proibia os testes subterrâneos. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética foram os primeiros signatários desse tratado. O tratado foi passado para a Lei em Agosto de 1963.

Kennedy chamou à sua política interna a “Nova Fronteira”. Prometia, de forma ambiciosa, financiamento federal para a educação, assistência médica para os idosos e intervenção governamental para parar a recessão. Kennedy também prometeu acabar com a discriminação racial. Em 1963, propôs uma reforma fiscal que incluía cortes nos impostos sobre os rendimentos, mas esta reforma só foi aprovada pelo Congresso em 1964, após a sua morte. Poucos dos maiores planos de Kennedy foram aprovados pelo Congresso durante a sua vida, no entanto, o Congresso acabou por votá-los em 1964 e 1965.

Como Presidente, Kennedy assistiu à última execução Federal e à última execução militar até à data.

O turbulento fim da era da discriminação racial sancionada pelo estado era um dos assuntos internos mais complexos da era de Kennedy. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos determinara em 1954 que a segregação em escolas públicas era inconstitucional, no entanto, muitas escolas, sobretudo nos Estados do Sul, não obedeceram à ordem so Supremo Tribunal. A segregação nos autocarros, em resturantes, cinemas, casas de banho e outros espaços públicos persistia. Kennedy apoiava a integração racial e os direitos civis e, durante a campanha de 1960, telefonou a Coretta Scott King, mulher do Reverendo Martin Luther King Jr. que estava preso. A intervenção de John e Robert Kennedy permitiu a saída prematura de Luther King da prisão.

Em 1962, James Meredith tentou inscrever-se na Universidade do Mississipi, mas foi impedido por estudantes brancos. Kennedy respondeu com o envio de quatrocentos agentes federais e três mil militares para garantir que Meredith poderia assistir à sua primeira aula. Depois de um incidente semelhante na Universidade do Alabama, Kennedy fez o seu famoso discurso sobre os direitos civis na Rádio e Televisão Nacionais, propondo o que se tornaria a Lei de Direitos Civis de 1964.

Kennedy desejava ardentemente que os Estados Unidos liderassem a corrida espacial. Por duas vezes propôs a Nikita Khrushtchev uma parceria na exploração espacial, em Junho de 1961 e no Outono de 1963. Naprimeira ocasião, a União Soviética estava muito avançada em relação aos Americanos em termos de tecnologia espacial. Kennedy estabeleceu pela primeira vez o objectivo de fazer o Homem chegar à lua num discurso a uma sessão cojunta do Congresso, em Maio de 1961. Mais tarde faria um outro discurso na Universidade Rice, em Setembro de 1962 diria: “Escolhemos ir à lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis”.

Na segunda conversa com Khrushtchev, o Russo ficou convencido de que partilhar os custos era benéfico e a tecnologia Americana estava a desenvolver-se rapidamente. Os Estados Unidos tinham lançado o primeiro satélite geo-estacionário e Kennedy tinha pedido ao Congresso para aprovar uma verba de mais de vinte e dois mil milhões de dólares para o Projecto Apollo, que tinha como objectivo colocar um Americano na Lua antes do final da década. Khrushtchev concordou com a parceria no Outono de 1963 mas Kennedy morreu antes de o acordo poder ser formalizado.

A 20 de Julho de 1969, quase seis anos após a morte de Kennedy, o objectivo do programa Apollo cumpriu-se quando Neil Armstrong e Buzz Aldrin se tornaram os primeiros homens a aterrar na Lua.

O aspecto familiar também teve muito peso durante a Presidência de Kennedy. O Presidente e a sua mulher, Jackie, eram muito novos quando comparados com Presidentes e Primeiras-Damas anteriores e eram ambos extremamante populares, mais como estrelas pop que como políticos, influenciando modas e tornando-se o objecto de numerosas reportagens fotográficas em revistas sociais populares.

Os Kennedys deram um novo vigor e uma nova vida à atmosfera da Casa Branca. Acreditavam que a residência Presidencial devia ser um lugar de celebração das história, cultura e empreendimentos Americanos, assim, convidaram artistas, escritores, cientistas, poeta, músicos, actores, Prémios Nobel, e atletas para os visitarem. Jacqueline Kennedy também redecorou a casa e eventualmente, restaurou todas as suas divisões.

O Presidente Kennedy foi baleado em Dallas, às 12.30h de 22 de Novembro de 1963, enquanto fazia uma digressão política pelo Texas. Foi declarado morto à uma hora da madrugada seguinte.

O seu assassinato teve um efeito tremendo na maior parte da população mundial, muita gente recorda-se vividamente de onde estava quando teve notícia do acontecimento. O Embaixador Americano nas Nações Unidas, Adlai Stevenson afirmou perante a Assembleia Geral: “todos nós carregaremos a dor da sua morte até ao dia da nossa”.

Em última análise, a morte o Presidente Kennedy e a consequente confusão que rodeou os factos do seu assassinato são de importância histórica e política até aos nossos dias pois marcaram o declínio da crença do povo Americano nas instituições políticas. Associada ao assassinato do seu irmão Robert e ao do Reverendo Martin Luther King, nos cinco anos tumultuosos que se seguiram a 1963, iniciou uma desilusão crescente relativamente à esperança de mudança política e social que tanto marcou as vidas dos que viveram nos anos sessenta.

Muitos dos discursos de Kennedy, (especialmente o seu discurso de posse), tornaram-se icónicos, e, apesar do seu mandato relativamente curto e das poucas mudanças legislativas que ocorreram durante esse período, os Americanos ainda o consideram como um dos seus melhores Presidentes, a par de Abraham Lincoln, George Washington e Franklin Delano Roosevelt. Alguns excertos do seu discurso inaugural estão gravados na sua lápide, no cemitério de Arlington.

Doze dias antes do assassinato de Kennedy, comemoravam-se 40 anos da fundação da República da Turquia e os 25 anos da morte de Kemal Ataturk, por essa ocasião, o Presidente Americano dirigiu uma mensagem ao povo Turco que começava assim:

“I am happy to join in commemorating the 25th anniversary of the death of Kemal Ataturk. The name of Ataturk brings to mind the historic accomplishments of the great men of this century, his inspired leadership of the Turkish People, his perceptive understanding of the modern world and his boldness as a military leader.”

(Estou feliz por me juntar às comemorações do 25º aniversário da morte de Kemal Ataturk. O nome de Ataturk traz à memória os feitos históricos dos grandes homens deste século, a sua inspirada liderança do povo Turco, o seu entendimento perspicaz do mundo moderno e a sua bravura como líder militar).

O próximo alvo deste Breviário vai ser Kemal Ataturk.

Carta de um leitor - a propósito de D. João II

Passo a publicar uma carta de um leitor que me chegou hoje, acompanhada por um artigo publicado pelo mesmo no Semanário Económico de 7 de Julho de 1997, que encontrarão publicado como comentário a este post.

“Sendo senhor dos senhores, nunca quis
nem parecer servo dos servos”
D. João II, Rei de Portugal
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Caro Pedro Estadão,

sendo avô de um dos descendentes de D. João II (» Brites Anes A boa Dona » Brites Anes de Santarém) gostei muito do seu trabalho.

Como me dedico à cibernética social -Estratégia e Liderança- observo o seguinte:

Devido ao comportamento linear e algo confuso do seu pai, D. João II encontrou uma situação que tinha saido fora do leme, com "os frades ricos e a ordem pobre" (-tal como, aliás, acontece hoje em dia com a "pax americana" and her partners in misleadership", incluindo e sobretudo a UE e cada um dos seus estados membros » "candeias às avessas").

Daí, D. João II tomou as seguintes medidas: contenção do "mal" ou, melhor
dito, "limpeza"). As mesmas, bastante draconianas e mecanicistas sob o ponto
de vista de hoje, resultaram em ganhos de poder primeiro não solidário. Aproveitou essa liberdade de movimentos (fôlego) para tomar a medida certa que lhe permitiu transformar o poder inicialmente não solidário em poder solidário:

fez do fomento decidido aos descobrimentos portugueseses a sua primeira prioridade governamental o que acabou por lançar Portugal na "saga épica da busca do caminho marítimo para a Índia" por si referida. Com outras palavras: deu a Portugal um novo perfil, um novo designio, de índole extrovertido e alterocêntrico que depois Camões descrevera como "dar novos mundos ao mundo". Foram estas medidas que fundamentaram o sucesso português de então levando o país a uma grande ascensão sócio-económica, cultural e ecológica. Com efeito, a partir dos séculos 15 e 16 Portugal acertou,
para falar na minha linguagem, no "ponto cibernéticamente mais eficaz" que despoletou a espiral positiva daquela ascensão da qual não só Portugal mas outros países d Europa e do mundo tiraram grande partido. Claro, os portugueses também não eram altruistas, eles também perseguiam os lucros materiais, contudo a forma como o fizeram observou, intuitivamente, as regras das leis naturais da evolução, ou seja, primeiro dar, para receber depois. Isso, sempre em combinação com o know how e consequente poder dos especialistas.

Para mim, a maior proeza e maior mérito de D. João II consiste nessa reorientação estratégica que fez com que o país deixasse de reagir e que comecasse a AGIR, dando cartas de acordo com os seus pontos fortes únicos e inconfundíveis.

Infelizmente, esse sucesso, com o comportamento linear (natural), no decorrer dos séculos convertiu-se num insucesso crónico, pois, observado de mais perto, o país desde então começou a olhar para dentro, querendo então bater-se, sistematicamente, com armas que outros dominam melhor. É o "me too".

O outro dia, vi essa minha tese corrobaorada por Roberto Carneiro que afirmou na SIC Notícias, perante o meu aplauso incondicional, mais ou menos, como segue:

"(...) Sempre quando Portugal olhou para fora, o país esteve bem, sempre quando se fechou em copas e olhou para dentro, então as coisas andaram mal (...)". Continuou: "(...) Por isso, temos é que agir e olhar para fora, sem termos medo nem da Espanha, nem da Europa (...)" Quando ele disse "Europa" o meu aplauso cessou e fiquei sem graça: lá estava outra vez esse preconceito de um Portugal e uma Espanha de um lado e a tal "outra Europa" -será a do adamastor ?- a outro. (O magazine alemão DER SPIEGEL já observou nos anos setenta que "na Grécia e em Portugal as pessoas falam da Europa como se não fizessem parte dela".)

É imperioso que esse preconteio de outros tempos seja superado para que Portugal saia da estagnação. Todavia, não se trata de um problema apenas português mas sim da União Europeia na qual o país se encontra integrado. De facto, o sistema UE encontra-se desde há mais de três décadas às avessas e essa situação não ajuda muito na urgente reorientação estratégica de Portugal.

Porém, cada estado membro -também Portugal !- poderá saír deste círculo vicioso, dando então exemplo para o sistema. Escrevi sobre este tema no Semanário Económico de 07.07.1997. Um governante que tinha recebido, em 1999, um cópia do meu artigo, porventura, deve ter achado interessante.

Não tenho a certeza, mas facto é que em 2002 começou uma grande iníciativa para
desenvolver Angola e alguns dos argumentos citados pelo Expresso podiam ser minhas. Só que, infelizmente, esse governante às tantas "fugiu" para Bruxelas e como as coisas estão hoje não é fácil de descobrir.

Será preciso o país esperar até que chegue um novo D. João II com métodos de correcção oxalá* menos violentos ?

Melhores cumprimentos

Rolf Dahmer

* A propósito de "oxalá" ! Se a UE continuar a via linear de perseguir os jogos de soma nula, mais dia, menos dia teremos, começando por Portugal e
Espanha, novamente a forma antiga do termo na Europa. "inch-allah" .
:-)

sábado, 9 de junho de 2007

A Fogueira das Vaidades

Frequentemente, políticos menos escrupulosos embarcam em cruzadas que visam a sua própria promoção à custa do bom nome de outros. Este fenómeno, que consiste numa exploração pouco escrupulosa da queda em desgraça de uma qualquer figura pública, frequentemente alimentada por mentiras ou meias verdades sobre a sua vida privada ou sobre a moralidade das suas acções, (pelo personagem que procura a ascensão), chama-se a “Fogueira das Vaidades”. É uma das formas mais habituais de usar um bode expiatório para atingir objectivos políticos, aproveitando a natural inveja que a pessoa que se quer que caia em desgraça possa suscitar nos outros, (pares ou eleitores).

O termo “Fogueira das Vaidades” nasceu no dia de Carnaval de 1497, quando os fanáticos seguidores do padre Girolamo Savonarola, (o mesmo que é retratado no livro “A regra de quatro”, de Ian Caldwell), reuniram e queimaram publicamente milhares de objectos em Florença. Entre estes encontravam-se livros, manuscritos de peças musicais, quadros e muitos artigos de luxo como espelhos, cosméticos ou vestuário, mesas de jogo, e outros objectos supostamente pecaminosos a que conseguiram deitar as mãos. Conta-se que terão sido queimadas todas as cópias do Decameron de Bocaccio e das obras de Ovídio que haviam, na época, em Florença e que o próprio Boticelli foi obrigado deitar quadros seus ao fogo.

Estas fogueiras de vaidades não foram inventadas por Savonarola, de facto, eram um acontecimento relativamente comum época e os actos deste padre baseavam-se nas fogueiras que frequentemente acompanhavam os sermões de São Bernardino de Siena, na primeira metade do Séc. XV. Os primeiros registos deste tipo de fogueiras datam do tempo dos antigos Egípcios.

Dois anos depois, em Granada, um auto de fé ordenado pelo Arcebispo Cisneiro levou à incineração pública de mais de um milhão de livros Árabes e Hebraicos. A Santa Inquisição, de resto, foi profícua neste tipo de acções ao longo de todo o Sec. XVI.

No final do Séc. XVII, as obras de vários autores, entre eles e principalmente, as de Thomas Hobbes, foram queimadas nos jardins da Universidade de Oxford. Depois, no final do Séc. XVIII, Robespierre ordenou a destruição pelo fogo das bibliotecas religiosas, bem como de todas as obras que glorificassem a monarquia ou os Reis Franceses, esses livros foram classificados como “Inimigos da França Reformada”.

No Início do Séc. XX, durante a Revolução de Outubro, os Bolcheviques ordenaram a destruição de todos os livros contrários ao Comunismo, incluindo muitas obras religiosas, obras sobre a história Czarista, sobre o nacionalismo, a liberdade ou o lucro económico. Em torno desta realidade, desenrola-se o fabuloso romance de Boris Pasternak, “O Dr. Jivago”, consagrado como um dos melhores filmes de todos os tempos pela lente de David Lean.

Duas décadas mais tarde, os Nazis queimavam publicamente as obras de todos os autores Judeus e de livros apelidados de “degenerados”, num total de cerca de dezoito mil títulos que consideravam não corresponder à sua ideologia

Mais próximo a nós passaram-se alguns episódios similares nos Estados Unidos da América, no tempo do Senador McCarthy, dirigidos aos livros Comunistas, e no Brasil de Getúlio Vargas, que ordenou a queima pública das obras de Jorge Amado.

No alvorecer do nosso Século XXI, mais concretamente em Janeiro de 2001, o Ministro Egípcio da Cultura mandou incinerar seis mil volumes da obra de poesia homo-erótica da autoria de Abu Nuwas, depois de ter sido pressionado por grupos de fundamentalistas Islâmicos.

Os exemplos são muito mais numerosos do que os que nos foi dado descrever aqui, e ocorreram em todas as épocas e em todas as localizações geográficas, no entanto, o mais emblemático destes eventos, por não se limitar à queima de livros, estendendo a diabolização do outro aos próprios objectos que eram considerados simbólicos do pecado foi o que deu o nome a este tipo de acção, a Fogueira das Vaidades de Florença, ordenada por Savonarola.

Quando nos dedicarmos ao tema da censura, no nosso Breviário, exploraremos mais este aspecto das queimas de livros. Hoje, debruçamo-nos sobre o aspecto mais simbólico destas fogueiras e dos seus objectivos psicológicos no controlo das massas, verificando que há paralelos não literais entre o acto concreto de queimar objectos que simbolizam determinado bode expiatório e a exploração da destruição da imagem pública de um qualquer personagem com base em comportamentos supostamente imorais, ilegais ou desonrosos, mesmo que não correspondam inteiramente à verdade.

Esta “Fogueira das Vaidades” simbólica foi magistralmente utilizada por Tom Wolfe no seu romance com esse nome que actualizou o termo para os nossos dias, tornando-o uma expressão comum na descrição de determinado tipo de acções políticas focadas na utilização de um determinado bode expiatório.


21- A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe

“A Fogueira das Vaidades” é o título um romance escrito por Tom Wolfe, em 1987. A história anda à volta dos temas da ambição, do racismo e da ganância na Nova Iorque dos anos oitenta. Apesar do título ter origem na fogueira de Savonarola, a história do livro não se desenvolve em torno desse evento histórico, (o que, na realidade, se passa com um outro livro: “A Regra de Quatro”, de Ian Caldwell). O título refere-se então à vaidade, ao materialismo e à ânsia de poder que marcaram a época dos yuppies.

Sinopse

O enredo centra-se em Sherman McCoy, cuja luxuosa vida como “Mestre do Universo” em Wall Street é destruída quando a sua amante, Maria Ruskin, atropela um jovem negro no Bronx enquanto segue ao volante do carro de McCoy.

Este evento representa uma oportunidade única para Peter Fallow, um jornalista alcoólico e caído em desgraça que escreve para o tablóide City Light. Ao ser persuadido a escrever uma série de artigos sobre o caso de um jovem afro-americano que foi vítima de um atropelamento e fuga por parte de um condutor branco, Fallow suspeita estar a ser usado por um líder político e religioso Nova-Iorquino, o Rverendo Bacon, que está a explorar o acontecimento para progredir na sua carreira política à custa da comunidade negra de Nova Iorque. Bacon encoraja a mãe da vítima, que entretanto ficou em estado de coma a seguir ao atropelamento, a processar o Hospital em que o filho se encontra, por não lhe terem prestado tratamento apropriado, que o poderia ter salvo.

Quando McCoy é identificado como dono do carro que efectuou o atropelamento, Fallow inicia uma série de artigos que insinuam que Sherman McCoy é o culpado. A um dado momento, sabe-se que esta série de artigos lhe vale um prémio Pulitzer. McCoy torna-se o homem mais odiado em Nova-Iorque e torna-se o alvo de numerosas manifestações. Abe Weiss, um ambicioso Procurador Público do Bronx à beira da re-eleição, decide que McCoy tem de ser condenado a qualquer custo, o que inclui a obtenção de um falso testemunho por parte da amante deste. A condenação de McCoy permitiria a Weiss ganhar o apoio da população negra de Nova-Iorque para a sua re-eleição.

Quando a amante de McCoy foge do país com outro homem para evitar ter de admitir que era ela a verdadeira condutora, um investigador privado, contratado por McCoy descobre a gravação de uma conversa incriminatória feita pelo seu senhorio durante um dos seus encontro com Maria Ruskin. McCoy usa a gravação para se livrar das acusações que lhe são feitas na audiência preliminar e quase ocorre um motim à porta do tribunal, durante o qual McCoy perde a cabeça e agride vários manifestantes.

No final descobrimos que o jornalista Fallow se casou com uma mulher rica, Maria fugiu à justiça e McCoy vive na miséria enquanto aguarda julgamento por homicídio involuntário.
Discussão

“A Fogueira das Vaidades” foi a primeira novela de Tom Wolfe. O seu trabalho antes deste livro consistiu fundamentalmente de artigos e livros não-ficcionais. As suas obras de ficção e de não-ficção têm em comum um fascínio intenso com as incríveis histórias e surpreendentes detalhes da vida americana. Tal como o seu trabalho jornalístico anterior, “A Fogueira das Vaidades” funde intriga, enredo e detalhe sociológico. O enredo baseia-se nos conflitos de classes da Nova-Iorque dos anos oitenta e na exploração desses conflitos pelos políticos. Ao longo de capítulos extensos e imensamente texturados, que parecem inspirados em Émile Zola, Wolfe descreve os pormenores mais singulares de cada personagem e de cada circunstância.

A atenção de Wolfe ao pormenor chega a ser cansativa de tão exaustivo que é na descrição de todos os pequenos nadas e nos apartes que faz para nos levar em direcções perfeitamente desnecessárias ao desenrolar da história, no entanto, este facto torna “A Fogueira das Vaidades” um livro único, que nos dá a perceber todos os tons e matizes da sociedade Nova-Iorquina dos anos oitenta. Na versão original, chegamos ao ponto de perceber nos diálogos, toda uma variedade de dialectos e sotaques das diversas zonas daquela imensa cidade.

Em 1990, Brian de Palma realizou o filme com o mesmo nome, baseado na história de Wolfe, que foi nomeado para cinco Óscares, contando no elenco com Tom Hanks, Bruce Willys, Melanie Griffith e Morgan Freeman, entre outros. Um filme que vale a pena ver. De Palma mantém o nome mas dá uma volta completa à história, que chega ao fim muito diferente, mas não menos ilustrativa que a obra de Wolfe.

A cinematografia apresenta uma vaidade própria, com imagens filmadas de todos os planos e com todos os graus de aproximação possíveis, chegando alguns planos a poder ser considerados vertiginosos e alucinantes. De Palma parece nem chegar a usar o livro e a fazer a sua própria história, preservando unicamente a espiral descendente dos personagens McCoy e Fallow. Acaba de vez com o livro ao mudar o final e entregando a Morgan Freeman o papel de Juiz, que no livro é apresentado como sendo Judeu e transformando o julgamento numa paródia circense de conflito racial, que traz ao de cima uma leitura doentia do sistema judicial Americano. No filme, em vez do Juiz Judeu do livro, é um Juiz Negro que faz a sensível leitura política final. Imperdível.

Enfim, cada história muda conforme quem a conta, mas no final, o sentido genérico é o mesmo: A ganância e a inveja são ingredientes poderosos para a criação de bodes expiatórios e a vaidade, a luxúria do poder e a sensação de impunidade são provavelmente a principal causa da queda em desgraça de figuras mais ou menos públicas.

domingo, 3 de junho de 2007

Upa, Upa! Chegámos aos 5000

Obrigado amigos.

Aqui vai mais uma breve paragem para assinalar uma efeméride.

30 artigos publicados, 2198 visitantes únicos, a maior parte dos quais vindos dos motores de busca à procura de definições para assuntos do seu interesse, e 5000 cliques nas diversas páginas do nosso modesto blog, (pouco mais de 2 por visitante).

Os artigos mais visitados continuam a ser os que se relacionam com a Maçonaria, imediatamente seguidos do artigo sobre o "Mercador de Veneza".

Continuando a agradecer a vossa atenção, reforçamos aqui o nosso compromisso de continuar a apresentar, no nosso blog, conteúdos de qualidade.

Até breve.

domingo, 27 de maio de 2007

Viriato, o Lusitano

No que toca a grandes líderes, o território onde se encontra hoje implantado Portugal tem tido a sua quota parte. Não me restam dúvidas de que se fossemos um país anglófono, muitos deles teriam já merecido ser alvos de argumentos de filmes como o Braveheart do Mel Gibson, cujo protagonista, William Wallace, ainda será contemplado com uma entrada neste breviário. O mais distinto e lendário destes líderes míticos é sem sombra de dúvida o Lusitano Viriato, cuja história se viu tristemente utilizada instrumento propagandístico pelo Estado Novo, da mesma forma que o Nacional Socialismo Alemão utilizou o guerreiro germânico Hermann ou o Fascismo Italiano utilizou a figura de Júlio César.

Ora, Viriato nem é Português nem Espanhol, foi Lusitano, membro de um povo que habitava uma zona da península que provavelmente se estendia do Algarve ao Rio Douro e de Toledo a Sevilha. A lenda atribui-lhe o nascimento nos montes Hermínios, mas não se sabe ao certo qual foi a localidade do seu nascimento, mas sabe-se que a propaganda do Estado Novo espalhou largamente esta teoria, talvez para localizar o nascimento deste herói mítico o mais próximo possível de Santa Comba.

A vida de Viriato desenrolou-se durante o período em que os Romanos desenvolveram o seu esforço militar de ocupação da Península Ibérica. Este esforço desenvolveu-se desde muito antes de Viriato nascer e decorreu ainda por longos anos depois da sua morte, em 139 a.C.. Seis décadas após o desaparecimento de Viriato, foi nas forças da resistência Lusitana que Quinto Sertório encontrou apoio na sua luta contra Roma, entre 80 e 72 a.C., esta resistência acabaria por se manter ainda por mais uma década até ser finalmente anulada durante a presença de Júlio César como Governador da Hispânia Ulterior, em 61 a.C..

Ao longo dos quase dois séculos que os Romanos demoraram a obter o domínio da região Lusitana houve um líder que se destacou e que impressionou os historiadores Romanos, talvez mais do que qualquer outro líder de qualquer outro povo que os Romanos conquistaram por essa Europa fora, esse líder foi Viriato, cujo nome advém das vírias, adornos em forma de bracelete que os líderes guerreiros Lusitanos ostentavam nos braços como símbolo do seu poder. Imagine-se a influência que Viriato conquistou para lhe ser atribuído o nome do próprio símbolo da liderança militar.

Vale a pena conhecer a vida deste personagem histórico, já Cervantes no seu D. Quixote, quando coloca o cónego a aconselhar D. Quixote a ler os feitos dos grandes personagens históricos, ao invés de se perder na ilusão dos contos de cavaleiros andantes, põe Viriato à frente de um rol de importantes heróis militares que vão da antiguidade clássica à época medieval:

“Eia, Senhor D. Quixote! Tenha dó de si mesmo, refugie-se no seio da discrição e procure usar da muita com que o seu foi servido brindá-lo, ocupando o mui feliz talento do seu engenho em leituras outras, que redundem em proveito da sua consciência e aumento da sua honra! E se, apesar de tudo, levado pela sua natural inclinação, quiser ler livros de façanhas e de cavaleiros, leia, nas Sagradas Escrituras, o dos Juízes, onde encontrará verdades grandiosas e feitos tão grandiosos como destemidos. Teve a Lusitânia um Viriato; Roma, um César; Cartago, um Aníbal; a Grécia, um Alexandre; Castela, o Conde Fernán González; Valência, o Cid; Andaluzia, um Gonzalo Fernández; a Extremadura, Diego Garcia de Paredes; Jerez, um Garci Perez de Vargas; Toledo, um Garcilaso; Sevilha, um D. Manuel de Léon!... Os seus valorosos feitos constituirão entretenimento, aprendizagem, deleite e admiração aos mais altos engenhos que os lerem! E essa, sim, será leitura digna do bom entendimento de Vossa Mercê, meu senhor D. Quixote! Dela sairá erudito na História, enamorado da virtude, mestre em bondade, aperfeiçoado em costumes, valente sem temeridade, ousado sem cobardia… E tudo isso para honra de Deus, para proveito seu e fama de La Mancha, donde, como é sabido, lhe advém a Vossa Mercê seu princípio e sua origem.”

Os historiadores antigos apresentam Viriato como uma personalidade forte e aglutinadora, semelhante à de outros chefes militares, como Alexandre, Aníbal, Amílcar, Quinto Sertório, Pompeu ou o próprio Júlio César. O seu poder pessoal e a sua influência nos seus conterrâneos seria, decerto, fascinante. Esse facto, aliás percebe-se nos relatos do majestoso funeral que o exército Lusitano lhe consagrou.

Foi o fundador da aplicação militar da guerra de guerrilha tal como a conhecemos hoje. Pese embora haver referências anteriores ao mesmo estilo de acção militar, por exemplo nas campanhas de Alexandre, o Grande, ou da Guerra de Jugurta, em África, foi o estilo de táctica militar de Viriato que passou à história como modelo de guerrilha e que se perpetuou até aos nossos dias.

Morreu às mãos de alguns dos seus camaradas de armas, que o assassinaram. De acordo com a história, (que foi provavelmente inventada para ocultar a vergonha Romana causada pela participação em tal tipo de acções), os assassinos não receberam qualquer recompensa, pois o Senado Romano considerou a sua acção indigna. Séculos mais tarde, os historiadores resumiriam esta atitude Romana numa frase que espelha perfeitamente o sentido dessa decisão do Senado:

“Roma não paga a traidores.”


20- Viriato, filho de Comínio

Viriato, filho de Comínio, nasceu provavelmente por volta de 179 a.C., na localidade de Aritius Vetium (Alvega), É duvidoso que tenha sido pastor nos Montes Hermínios, como conta a lenda porque teve acesso a elementos culturais e ensinamentos militares que lhe permitiram transformar tribos de pastores num exército consistente e desenvolver uma guerra de guerrilha baseada em elementos estratégicos e tácticos extremamente sofisticados para a época em que viveu, adicionalmente sabe-se que detinha conhecimento da língua Latina e que foi capaz de abordar os aspectos diplomáticos que o levaram, pelo diálogo mantido com os Romanos, a ser designado, a certo ponto, “Amicus Populi Romani”, que era o título dado aos chefes tribais e aos reis que eram considerados aliados em paz com Roma.

No final da segunda Guerra Púnica com Cartago, cerca de 200 a.C., Roma dominava o Leste e o Sul da Península Ibérica, nesta guerra já haviam participado, integrando o exército Cartaginês, grupos de guerreiros Lusitanos, Celtiberos e Celtas, oriundos dos povos que dominavam o resto do território peninsular. Os Romanos prosseguiram o seu avanço militar no sentido de conseguir o domínio do total da península a que chamavam Hispânia, mas a ocupação foi obtida dificilmente pois os povos indígenas, dos quais se destacaram os Lusitanos, opuseram feroz oposição às Legiões Romanas.

Após cinquenta anos de acções militares romanas, em 150 a.C, o pretor romano Sérvio Sulpício Galba, Governador da Província Romana da Hispânia Citerior, aceita uma proposta de paz, que incluía o desarmamento dos lusitanos. Vergonhosamente, Galba não cumpriu a sua parte do acordo, massacrando de cerca de 10 mil lusitanos e enviando outros 20 mil para a Gália, onde foram vendidos como escravos. Um guerreiro chamado Viriato foi um dos poucos sobreviventes a esta chacina. A guerra de resistência continuou.

Em 147 a.C. os Lusitanos encontravam-se cercados por Caio Vetílio no Vale do Bétis, na Turdetânia. Estando prestes a negociar uma rendição. Viriato aparece na História quando se opõe a isso, lembrando aos seus companheiros a traição anterior de Galba. Os Lusitanos fogem e reorganizam-se. Depois desse evento, a fama de Viriato como guerreiro e estratega foi crescendo entre as várias tribos lusitanas, o que lhe permitiu tornar-se o líder efectivo de uma coligação de tribos lusitanas, pela primeira vez na história unidas por um objectivo comum.

Em 146 a.C., Viriato derrota os romanos no desfiladeiro de Ronda, que separa a planície do Guadalquivir da costa marítima da Andaluzia, fazendo nas fileiras inimigas uma espantosa chacina, contaram-se milhares de Romanos mortos, incluindo o próprio Vetílio.

Em 145 a.C., Quinto Fábio Máximo, irmão de Cipião, "O Africano", é nomeado Cônsul da Hispânia Citerior e é encarregado da campanha contra Viriato, sendo-lhe entregue o comando de duas legiões. Ao princípio tem algum êxito, mas Viriato recupera e no final de 143 a.C. volta a derrotar os romanos em Baecula e obriga-os a refugiar-se em Córdova. Viriato entra triunfante na Província Romana da Hispânia Citerior e exige tributo às cidades que reconhecem o Governo de Roma.

As notícias do êxito do líder Lusitano, vevam as tribos celtibéricas da Hispânia Citerior, entre as quais se contavam os Belos, os Titos e os Arevacos a revoltar-se contra os Romanos, iniciando uma guerra que só terminaria em 133 aC, com a queda de Numância.

Em Roma, organizam-se mais quatro Legiões para uma nova expedição contra os Lusitanos, são enviadas para a Hispânia sob comando do novo Cônsul Fábio Máximo Serviliano. Em 140 a.C., estas Legiões são derrotadas por Viriato, cujas tropas matam mais de 3.000 romanos, encurralando o inimigo e podendo destroçá-lo. O Lusitano, no entanto, deixou Serviliano libertar-se da posição desastrosa em que se encontrava, em troca de promessas e garantias de os lusitanos conservarem o território que haviam conquistado. Em Roma, esse tratado de paz foi mais tarde considerado humilhante e vexatório, como consequência, o Senado romano volta atrás na sua palavra, e declara guerra a Viriato.

Entretanto, dá-se a destruição de Cartago, o principal centro de oposição ao poder de Roma no Mediterrâneo. Este evento constituiu o ponto de viragem da guerra, pois Roma pôde reforçar as suas tropas nas restantes frentes, incluindo a frente Ibérica.

Em consequência da atenção e poder militar concentrados de novo na Ibéria, para além da desmilitarização Lusitana que entretanto sucedeu ao tratado de paz, as tropas Romanas conseguem levar Viriato a refugiar-se a norte do rio Tejo, num lugar denominado "Monte de Vénus", localizado provavelmente entre Cáceres e Badajoz. Face aos avanços do General Romano Quinto Servílio Cipião, entretanto reforçado por tropas comandadas por Popílio Lenas, Viriato, chegando a um impasse, apesar de manter alguma superioridade militar, enviou-lhe três emissários, Audax, Ditalco e Minuro, para negociar a paz, mas estes foram subornados e convencidos a matar Viriato.

Viriato foi assassinado durante o sono, por estes mesmos três emissários. Após o assassinato, os traidores refugiaram-se junto do Procônsul Romano Cipião, reclamando o prémio prometido. No entanto, o procônsul ordenou a sua execução. De acordo com historiadores posteriores, terão ficado os três expostos em praça pública com os dizeres: "Roma não paga a traidores".

O exército Lusitano, chefiado por Táutalo, até então, braço direito de Viriato, tentou ainda uma incursão contra os territórios do Sul, mas foi vencido. Depois destes acontecimentos, que tiveram lugar em 139 a.C., Décius Június Brutus conseguiu finalmente marchar para o Norte, através da Lusitânia central, e dominar a Gallaecia. Começou então, efectivamente, a ocupação romana do extremo Ocidental da Hispânia Táutalo foi capturado alguns anos mais tarde.

Após a governação de Júlio César, o Imperador Augusto fundou a cidade de Emérita Augusta (hoje Mérida), no ano 25 aC, que, a partir de 5 a.C. se tornou a capital da Província Romana Lusitânia.