quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A Eminência Vermelha e a Eminência Parda

Uma das frases mais ouvidas na referência a políticos e homens de estado é: -“fulano de tal é uma Eminência parda”. A maior parte das vezes este título é atribuído de forma inexacta, chegando a ser lançado de forma mais ou menos pejorativa sobre alguns adversários políticos.

Uma Eminência parda é um conselheiro poderoso ou um actor político que actua secretamente ou não oficialmente. Este termo referiu, na sua origem, François Leclerc du Tremblay, que ficou conhecido como Padre José, que foi conselheiro do Cardeal de Richelieu, chamado de a Eminência vermelha pela cor dos trajes que usava habitualmente. O Padre José era um monge Capuchinho e usava vestes cinzentas. A palavra Eminência designa um Cardeal da Igreja Católica. Apesar de o Padre José nunca ter atingido o posto de Cardeal, a sua associação a Richelieu e a cor da sua roupagem fez com que lhe tivessem dado esse cognome.

Aldous Huxley publicou, em 1941, a sua biografia de Leclerc du Tremblay, “Eminência Parda: Um estudo sobre Religião e Política”, uma leitura a não perder, para quem tenha interesse no tema.

Religião, Política, Diplomacia, Conspiração e Poder, temas de todas as épocas, foram a essência das vidas dos dois homens que lhes apresento hoje: O Cardeal de Richelieu e o Padre José.

Agora que a curiosidade está aguçada, sigamos em frente!


8 – Armand Jean de Plessis, Cardeal-Duque de Richelieu

Em 9 de Setembro de 1585, nasceu, provavelmente em Paris, o quarto filho de François du Plessis, Grande Provoste da França, e de Susanne de La Porte, filha de um jurista famoso, membro da Ordem de Malta, François de La Porte. Deram o nome de Armand Jean du Plessis a este filho, que era o seu terceiro do sexo masculino e que ainda viria a ter mais uma irmã. A mãe de Armand teve dificuldades durante o parto, em consequência, o seu filho teria uma saúde frágil toda a sua vida. Passaria a sua infância no Chateau de Richelieu, a propriedade familiar e terra que lhe daria o nome.

Quando Armand Jean tinha apenas cinco anos de idade, o seu pai morreu na Guerra Francesa das Religiões, deixando a família endividada. A viúva recebeu do Rei Henrique III, cinquenta mil libras de ouro e o Bispado de Luçon, o que possibilitou à família ultrapassar as dificuldades. Aos nove anos é enviado para o Colégio de Navarre, em Paris, onde iria estudar Filosofia. Mais tarde, inscreve-se na Academia, uma espécie de escola militar onde se instruíam os futuros oficiais do exército francês, nessa época, o seu destino parecia ser uma carreira de armas, seguindo as pisadas do pai.

Entretanto, a família apropriara-se da maior parte das receitas do Bispado para uso privado, o que provocou os clérigos que pretendiam o dinheiro para fins eclesiásticos. Com o fim de proteger essa importante fonte de receitas, Susanne de La Porte propôs fazer o seu segundo filho, Alphonse, Bispo de Luçon. Como era tradição na época, o primeiro filho herdaria o título nobiliárquico, enquanto o segundo se destinaria à hierarquia da Igreja. Alphonse, no entanto, não tinha qualquer intenção de se tornar Bispo pois achava que era uma obrigação demasiado pesada para ele, decidiu antes encerrar-se num claustro e tornar-se monge. Esse facto tornou necessário que Armand abandonasse a sua ambição de seguir uma carreira militar e ingressasse no clero. Armand du Plessis não era, de todo, adverso à ideia de se tornar Bispo, pois agradava-lhe a vida académica e tinha uma saúde perturbada frequentemente por acessos febris e enxaquecas, o que o tornava pouco adaptado à vida militar. Assim, apesar de não querer, ao início, ser Bispo, acabou por perceber que era no seu melhor interesse.

Em 1606, aos 21 anos, Armand foi nomeado pelo Rei Henrique IV, Bispo de Luçon. Como ainda não tinha atingido a idade mínima obrigatória para o cargo, foi necessário que se deslocasse a Roma para obter uma autorização especial do Papa. Tendo assegurado o acordo Papal, Richelieu foi consagrado Bispo em Abril de 1607. Regressado à sua diocese, foi considerado um reformador, tornando-se o primeiro Bispo Francês a implementar as reformas institucionais previstas pelo Concílio de Trento. Nesta época, Richelieu tornou-se amigo de François Leclerc du Tremblay, um monge Capuchinho que mais tarde se iria tornar o seu mais próximo confidente e conselheiro. Pela sua proximidade a Richelieu e pela cor cinzenta da sua roupa, du Tremblay foi alcunhado de “Eminência Parda”. Mais tarde seria usado por Richelieu como agente em negociações diplomáticas, a maior parte delas, secretas.

Entretanto, Henrique IV faleceu, sucedendo-lhe Luís XIII, de tenra idade, cujo reinado, no seu início foi regido pela sua mãe, Maria de Médicis.

Em 1614, os clérigos de Poitou elegeram Richelieu como seu representante nos Estados Gerais, onde ele defendeu a Igreja vigorosamente, argumentando que esta devia ser isenta de impostos e que os Bispos deviam ter mais poder. Os representantes do povo foram os maiores opositores a este seu propósito. No fim desta assembleia, os representantes do Clero escolheram-no para porta-voz das petições de toda a classe. Pouco depois da dissolução dos Estados Gerais, Richelieu entrou para o serviço de Ana de Áustria, mulher de Luís XIII, como seu confissor.

Richelieu aproximou-se então de Concino Concini, o mais poderoso ministro do reino e, em 1616 foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. A par de Concini, o Bispo Richelieu era um dos principais conselheiros da mãe de Luís XIII, Maria de Médicis, que se havia tornado Regente quando o seu filho de 9 anos ascendera ao trono. Apesar de Luís ter atingido a maioridade em 1614, ela manteve-se como governante do reino, no entanto, as suas políticas, bem como as de Concini, tornaram-se muito impopulares. Como resultado, Maria e Concini começaram a ser as vítimas da intriga da corte, sendo o seu principal inimigo Charles de Luynes. Em Abril de 1617, após uma conspiração de de Luynes, o Rei Luís XIII mandou prender Concini ou matá-lo se resistisse. Concini foi assassinado e Maria de Médicis presa.

Tendo morrido o seu patrono, Richelieu também perdeu o seu poder, sendo demitido de Secretário de Estado e afastado da corte. Em 1618, Luís XIII baniu Richelieu para Avinhão. Ai, o Bispo de Luçon escreveria um catecismo célebre chamado “A instrução do cristão”.

Em 1619, Maria de Médicis fugiu da sua prisão no Chateau de Blois e tornou-se a cabecilha de uma rebelião aristocrática. O Rei e o Duque de Luynes chamaram então Richelieu por pensarem que ele seria capaz de levar a Rainha-Mãe à razão, o que veio a acontecer. As complexas negociações que o Bispo mediou levaram à ratificação do Tratado de Angoulême. Maria de Médicis ficaria em liberdade mas em paz com o Rei, voltando a fazer parte do Conselho Real.

Depois da morte do Duque de Luynes, em 1621, Richelieu começou uma rápida ascensão ao poder. No ano seguinte, Luís XIII nomeou Richelieu para um cardinalato, que foi ratificado pelo Papa Gregório XV a 19 de Abril de 1622. As crises em França, das quais se destaca a rebelião dos Huguenotes, tornaram Richelieu um conselheiro indispensável ao Rei. Depois de ter sido nomeado para o Conselho de Ministros, o Cardeal conspirou contra o Ministro-Chefe, o Duque de La Vieuville. Em Agosto desse ano, La Vieuville foi acusado de corrupção e preso. Richelieu substituiu-o como principal Ministro do Reino.

O Cardeal Richelieu era frequentemente designado pelo título de Ministro Chefe, como resultado, é considerado como o primeiro Primeiro-Ministro do Mundo, no sentido moderno da expressão. Procurou consolidar o poder real e esmagar as facções domésticas, tendo sido um excelso patrono das Artes, tendo fundado a Academia Francesa e renovado a Sorbonne, de que foi Reitor. Tendo restringido o poder da Nobreza, acabou com o feudalismo e transformou a França num Estado centralizado muito forte. O principal foco da sua Política externa foi o combate à hegemonia dos Habsburgos. Apesar de ser um Cardeal Católico, isso não o impediu de fazer alianças com governantes Protestantes com o fim de atingir os seus objectivos. O seu consulado ficou marcado pela Guerra dos Trinta Anos, que envolveu toda a Europa, o que, à escala da época, foi o equivalente a uma guerra mundial. Mas isso é outra história, e sobre ela falaremos num outro dia.

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