A Propagação da Franco-Maçonaria
Cá estamos de novo, com mais uma peça do nosso breviário, que esperamos, continue a constituir um ponto de interesse para todos quantos gostam de conhecer mais aprofundadamente alguns dos sub-textos contidos nos escritos e nos discursos políticos, e reforçar assim a própria capacidade de perceber porque é que algumas coisas acontecem da maneira que acontecem e alguns dos nossos governantes fazem o que fazem.
Voltamos hoje ao final do nosso texto sobre as origens históricas da Maçonaria para aprofundar um pouco mais este tema e ver como esta organização se desenvolveu e propagou desde a formação da Grande Loja de Inglaterra até ao início do Século XX.
5.4 – Propagação e Desenvolvimento da Maçonaria
Conforme vimos na primeira parte deste artigo, em 1717, as velhas lojas maçónicas haviam praticamente desaparecido e a partir daqui as novas lojas surgiram como sociedades de convívio, o que estava em contradição com o papel de associação profissional de outros tempos. É neste ano que os membros de quatro Lojas inglesas se reúnem para formar a Grande Loja de Inglaterra. Ao que parece, eram poucos em número e de baixa condição social, o que dificultou o crescimento da organização até 1721, ano em que diversos membros da Nobreza e da Real Sociedade Britânica aderiram a esta associação. A partir desta data, a Maçonaria espalhou-se rapidamente por toda a Europa e chegou ao Novo-Mundo.
A rapidez desta propagação deveu-se principalmente ao espírito da época. As disputas religiosas, o poder exercido pelas autoridades eclesiásticas e o descontentamento generalizado com as condições sociais levaram a que os Homens procurassem iluminação e alívio nos mistérios da antiguidade e tentassem, através da união das diversas tendências, reconstruir a sociedade numa base puramente Humana. Neste contexto, a Franco-Maçonaria, pela sua ambiguidade e elasticidade pareceu a muita gente ser o melhor caminho para esse objectivo.
Para se adaptar às particularidades de diferentes países e classes sociais, o sistema original, que vigorou entre 1717 e 1723 sofreu modificações mais ou menos profundas. Parece que em 1717 estava em uso apenas uma simples cerimónia de admissão e um único grau, já em 1723, a Grande Loja de Inglaterra reconhece dois graus (aprendiz e companheiro). O sistema de três graus começou a praticar-se em 1725 e tornou-se universal apenas a seguir a 1730. Os símbolos e práticas rituais praticados entre 1717 e 1738, altura em que se introduziram mais graus, em conjunto com as “Old Charges”, são considerados a Franco-Maçonaria pura original. Um quarto grau, chamado do Arco Real (Royal Arch), está em uso desde 1740, e é mencionado pela primeira vez em 1743.
Em 1751, foi estabelecida uma Loja rival da Grande Loja de Inglaterra e através da acção do seu Grande Secretário Lawrence Dermott, rapidamente ultrapassou a Grande Loja de 1717. Os membros desta Grande Loja ficaram conhecidos como os “Maçons Antigos”, sendo também conhecidos como “Maçons de York”, como referência à pretensa Grande Loja de Inglaterra original, reunida em 926 d.C., em York. Tendo obtido o controlo da Grande Loja Unida de Inglaterra, esta acabou por assumir a sua forma ritualística em 1813.
A seguir a 1730, o espírito religioso da Maçonaria Anglo-Saxónica retrocedeu no sentido da ortodoxia Bíblica Cristã, o que se reflectiu na cristianização dos rituais e na popularização das obras de Hutchinson, Preston e Oliver junto dos Maçons Anglo-Americanos. Isto provavelmente deveu-se ao conservadorismo da sociedade Anglófona em matérias religiosas e, sem dúvida, à influência de membros eclesiásticos na instituição de Capelões nas Lojas que é mencionada nos registos ingleses desde 1733.
A reforma produzida pela união entre as duas Grandes Lojas de Inglaterra em 1813 consistiu principalmente na restauração do carácter não-sectário, de acordo com a qual todas as alusões a uma religião em particular deviam ser omitidas dos trabalhos da loja. Foi ainda decretado que “deverá haver a mais perfeita união de obrigação, de disciplina ou trabalho (…) de acordo com os landmarks, leis e tradições originais (…) por todo o mundo maçónico (…) desde o dia desta união até ao fim dos tempos”. Ao tomar esta atitude, de uma certa forma, a Grande Loja Unida sobrestimou a sua autoridade. Este decreto foi aceite só até um certo ponto nos Estados Unidos, onde a Maçonaria, fundada em 1730, foi seguindo os passos da evolução da Maçonaria da Inglaterra.
O título de Grande Loja mãe dos Estados Unidos foi objecto de uma longa controvérsia entre as Grandes Lojas da Pensilvânia e do Massachussets. A opinião que prevaleceu é a de que antes do reconhecimento destas Lojas, existiu em Filadélfia uma Loja regular com registos desde 1731. Em 1734, Benjamin Franklin publicou uma edição dos Livro de Constituições inglês. Haviam então Lojas reconhecidas pela Grande Loja de Inglaterra e pela Grande Loja da Escócia. Depois da Guerra da Independência, a seguir a 1883, a maior parte destas Lojas passaram para a dependência das mais antigas. À união destes dois sistemas em Inglaterra, em 1813, seguiu-se uma fusão similar na América, que deu origem ao rito Americano, que se pratica desde então.
Em França e na Alemanha, no início, a Maçonaria era praticada de acordo com o ritual inglês, mas rapidamente surgiu a chamada Maçonaria Escocesa. Nessa altura, apenas os nobres eram admitidos na associação como membros de pleno direito, sendo a organização conhecida como uma associação de cavalheiros honrados. A exclusividade da associação a esse estrato social originou que se propagasse então a ideia de que a Franco-Maçonaria estaria ligada às antigas ordens militares, pois, na época, era um conceito mais aceitável que a associação às antigas Guildas de pedreiros e canteiros. Data desta época (1740) uma oração que foi inserida na primeira edição francesa do Livro das Constituições que indicava que a ordem maçónica estava intimamente relacionada com a Ordem dos Cavaleiros de S. João de Jerusalém durante as cruzadas e que as antigas Lojas Escocesas teriam preservado essa Maçonaria genuína, enquanto que as Lojas Inglesas a teriam perdido.
Pouco depois de 1750, no entanto, foram atribuídos aos Templários certos conhecimentos de ciências ocultas, o que levou a que aquele sistema fosse rapidamente associado a todos os tipos de propósitos Rosacrucianos e a práticas como a alquimia, a magia, a cabala, o espiritismo e a necromancia. A história do Grão-Mestre templário Jacques de Molay, da supressão da ordem do Templo e o seu pretenso revivalismo na Maçonaria são reproduzidas na Lenda de Hiram, que representa a morte e ressurreição dos justos ou a supressão e restauração dos direitos naturais do Homem, encaixou admiravelmente tanto no sistema Cristão como nos sistemas de altos graus.
Os principais sistemas Templários do século XVIII eram o sistema de Observância Estrita e o sistema Sueco, composto pelos graus Franceses e Escoceses. Em ambos os sistemas era prometida obediência a superiores desconhecidos. O líder destes sistemas Templários, que eram rivais, era falsamente suposto ser o pretendente Jacobino, Carlos Eduardo, que declarou em 1777 que nunca havia sido Maçon. Quase todas as Lojas da Alemanha, Áustria, Hungria, Polónia e Rússia, na segunda metade do Séc. XVIII estavam envolvidas na luta entre estes dois sistemas. Nas Lojas Francesas, a admissão de mulheres ocasionou uma imoralidade escandalosa. O espírito revolucionário manifestou-se cedo na Maçonaria Francesa. Com o tempo tornou-se evidente que o programa da maçonaria coincidiria de forma espantosa com o da Revolução Francesa de 1789.
Em 1776, este espírito revolucionário foi levado para a Alemanha por Weisshaupt, através de um sistema conspiratório que se espalharia rapidamente pelo país, a Ordem dos Illuminati, tema que trataremos de forma mais aprofundada num título posterior deste breviário. Carlos Augusto de Saxe-Weimar, o Duque Ernesto de Gotha, o Duque Fernando de Brunswick, Goethe, Herder, Pestalozzi, e outros foram apontados como membros desta ordem. Muito poucos membros, no entanto foram iniciados nos mais altos graus. Entre os Illuminati Franceses contavam-se Condorcet, o Duque de Orleans, Mirabeau, e Sieyès.
Depois do Congresso de Wilhelmsbad em 1782, efectuaram-se reformas tanto na Alemanha como em França. Os principais reformadores Alemães, Schröder e Fessler, tentaram restaurar a pureza e simplicidade originais. O sistema de Shröder passou a ser praticado na Grande Loja de Hamburgo e um sistema modificado dito de Schröder-Fessler pela Grande Loja Real York de Berlim e pela maior parte das Lojas da Grande Loja de Bayreuth e Dresden. As Grandes Lojas de Frankfurt e Darmstadt praticavam um sistema eclético com base no ritual Inglês. Com excepção da Grande Loja Real York, que adoptou graus escoceses, todas as outras lojas repudiaram os altos graus no final do Séc. XVIII. No início do Séc. XX, a maior Grande Loja Alemã, a Nacional, praticava um sistema Escocês Rectificado de sete graus e um sistema Sueco de nove graus. Este sistema era também praticados pela então Grande Loja da Suécia, Finlândia e Dinamarca. Estes dois sistemas declaravam a Maçonaria como uma instituição Cristã e as Lojas Alemãs recusavam-se a iniciar Judeus, o principal argumento utilizado é que era para impedir que a Maçonaria fosse dominada por um povo cujo forte laço racial seria incompatível com o carácter não-sectário da organização.
O principal sistema nos Estados Unidos da América é o chamado Rito Escocês Antigo e Aceite, desenvolvido em 1801 com base no Rito Escocês da Perfeição, que foi estabelecido pelo Conselho dos Imperadores do Leste e do Oeste em Paris, em 1758. Este sistema, que se propagou por todo o mundo, identifica-se com o espírito revolucionário da Maçonaria Templária Francesa, que luta pelos direitos naturais do homem, contra despotismos políticos e religiosos, simbolizados pela coroa real e pela tiara papal. Este sistema parece procurar exercer uma influência preponderante sobre as outras correntes maçónicas nos locais onde se encontra estabelecido. Esta influência é assegurada pelos Grandes Orientes nos países latinos, sendo que nos países anglo-saxónicos, é habitual que os membros mais proeminentes da Maçonaria sejam membros dos Conselhos Supremos do Rito Escocês.
No início do Séc. XX existiam vinte e seis Conselhos Supremos do Rito Escocês Antigo e Aceite reconhecidos universalmente. Nos países lusófonos, contavam-se um no Brasil e outro em Portugal, estabelecidos, respectivamente em 1829 e 1869. Os fundadores deste rito, para lhe dar maior esplendor, inventaram o mito de que Frederico II da Prússia teria sido o seu verdadeiro fundador, hipótese que alguns autores maçónicos sustentam como provável até aos dias de hoje, mas que continua a não se poder considerar seriamente como verdadeira.
Pedro Estadão
- Continua – A seguir: 5.5 – O Trabalho da Maçonaria.
1 comentário:
Conforme diziam os romanos "tempora mutantur et nos cum illis", é bom ler um texto em que a Maçonaria diacronicamente vem se adaptando à realidade. Represetanta uma contribuição para os estudiosos do mistério.
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