A peça do escocês
"So foul and fair a day I have not seen" (Primeira fala de Macbeth na peça de Shakespeare)
Os actores e outros trabalhadores do teatro, geralmente consideram má sorte mencionar Macbeth pelo nome dentro do teatro, a superstição leva-os a referirem-se a esta peça como “o escocês”, ou “o rei escocês”.
Diz-se que esta superstição tem origem na utilização por Shakespeare de textos de feitiços de bruxas verdadeiras na escrita desta peça, diz-se que as bruxas se zangaram e amaldiçoaram a peça. Assim, diz-se que mencionar o nome do escocês dentro do teatro condena a produção ao fracasso e provavelmente vai provocar aos membros do elenco, danos físicos ou pior. Esta mitologia foi-se cimentando com o tempo através de inumeráveis histórias de acidentes, infortúnios e até mortes que ocorreram misteriosamente durante representações de “Macbeth”.
Macbeth é uma das mais famosas peças de William Shakespeare e também é a sua tragédia mais curta. Tendo sido baseada no relato histórico da vida do Rei Macbeth da Escócia, esta peça é vista como um conto arquetípico dos perigos da luxúria do poder e da traição dos amigos. Macbeth é uma história de poder, traição e infortúnio, merece por isso a nossa atenção neste breviário.
14- Macbeth, de William Shakespeare
A maior parte dos historiadores data a escrita de Macbeth entre 1603 e 1606, o primeiro registo de uma apresentação pública data de Abril de 1611, no teatro Globe, de Londres. O texto foi revisto posteriormente por Thomas Middleton, que lhe introduziu passagens da sua própria peça “A Bruxa”, das quais se destaca uma cena adicional, envolvendo as bruxas e Hecate, porque esta cena demonstrou ser extraordinariamente popular junto do público.
A peça abre com trovões e relâmpagos, com as três bruxas a decidir que o seu próximo encontro será com um tal Macbeth. Na cena seguinte, um soldado ferido conta ao Rei Duncan da Escócia que os seus Generais Macbeth e Banquo acabavam de derrotar uma invasão das forças aliadas da Irlanda e da Noruega, lideradas pelo rebelde Macdonwald.
Quando Macbeth e Banquo entram numa clareira, as três bruxas recebem-nos com profecias. A primeira saúda Macbeth como Senhor de Cawdor, a segunda, saúda-o como Senhor de Glamis, a terceira proclama que ele “será Rei daqui em diante”. As bruxas também informam Banquo de que ele será progenitor de uma linhagem real. Enquanto os dois homens se interrogam sobre estas profecias, as bruxas desaparecem. Outro nobre, Ross, um mensageiro do Rei, chega e informa Macbeth do seu novo título, Senhor de Cawdor. Essa profecia é então cumprida, imediatamente. Em sequência, Macbeth começa a alimentar a ambição de se tornar Rei.
Macbeth escreve então à sua mulher a contar-lhe as profecias das bruxas. Quando Duncan decide ficar no castelo de Macbeth em Inverness, Lady Macbeth congemina um plano para o assassinar e assegurar o trono para o seu marido. Enquanto Macbeth levanta questões acerca do regicídio, a sua esposa acaba por conseguir persuadi-lo.
Durante a noite, Macbeth mata Duncan e a sua esposa arranja forma de tramar os criados adormecidos do Rei, colocando adagas ensanguentadas nos seus cintos. Na manhã seguinte, Lennox, um nobre escocês e Macduff, o Senhor de Fife, chegam ao castelo. Abrem-se os portões e Macbeth condu-los ao quarto do Rei, onde Macduff descobre o cadáver de Duncan. Num fingido ataque de fúria. Macbeth mata os criados do Rei antes que eles se possam reclamar inocentes. Macduff suspeita imediatamente de Macbeth. Os filhos de Duncan, temendo pelas suas vidas fogem, Malcolm para Inglaterra e o seu irmão Donalbain para a Irlanda. A fuga dos herdeiros legítimos torna-os imediatamente suspeitos e Macbeth assume o trono como novo Rei da Escócia, pelo seu parentesco com o falecido.
Apesar do seu sucesso, Macbeth continua desconfortável com a profecia de que Banquo seria progenitor de reis. Macbeth convida Banquo para um banquete real e descobre que Banquo e o seu filho Fleance viajariam juntos nessa noite, e contrata três homens para os matar. Apesar de terem conseguido matar Banquo, Fleance consegue fugir. No banquete o fantasma de Banquo entra e senta-se no lugar de Macbeth.
Perturbado com este acontecimento, Macbeth procura as bruxas. Elas conjuram três espíritos que lhe dizem para ter cuidado com Macduff, mas também que ninguém nascido de mulher fará mal a Macbeth e que ele nunca será vencido até que a madeira da grande floresta de Birnam e a alta montanha de Dusinane se voltem contra ele. Como Macduff está no exílio, Macbeth massacra toda a gente no castelo de Macduff, incluindo a sua mulher e os seus filhos.
Eventualmente, Lady Macbeth enche-se de remorsos pelos crimes que ela e o marido cometeram. Numa cena famosa, vagueia sonâmbula e tenta lavar manchas de sangue imaginárias das suas mãos.
Entretanto, em Inglaterra, Malcolm e Macduff planeiam a invasão da Escócia. Malcolm lidera um exército conjuntamente com Macduff e Siward, Conde de Northumbria contra o castelo de Dusinane. Enquanto estão acampados na montanha da Birnam, ordenam aos soldados que cortem troncos de árvore e os usem para camuflar os seus números, cumprindo assim a segunda profecia. Entretanto, Macbeth sabe da morte da sua mulher e profere um solilóquio famoso “amanhã, e amanhã e amanhã”. A peça não refere a causa da morte, presume-se que tenha sido suicídio.
Segue-se a batalha, que culmina com a chacina do jovem Siward e o confronto de Macduff com Macbeth. Macbeth gaba-se se não ter razões para temer Macduff, por não poder ser morto por nenhum homem nascido de uma mulher. Macduff declara que foi arrancado do ventre de sua mãe antes do tempo, e que portanto, não foi nascido de mulher. Tarde demais, Macbeth apercebe-se de que as bruxas o haviam enganado. Segue-se uma luta, com Macduff a decapitar Macbeth fora do palco, cumprindo assim a última das profecias.
Na cena final, Malcolm é coroado, legitimamente, como Rei da Escócia, sugerindo que a paz havia sido restaurada. A profecia acerca de Banquo não se concretiza na peça, no entanto, era um facto conhecido do público no tempo de Shakespeare que esse era um facto verdadeiro, pois Jaime I de Inglaterra era supostamente descendente de Banquo.
Da análise da peça, extraem-se conclusões interessantíssimas, a primeira prende-se com a traição. Macbeth torna-se Senhor de Cawdor apenas após o titular anterior se haver rebelado contra o Rei, continuando assim uma tradição de traição entre os poderosos. A peça desenvolve-se em torno do conceito de a ambição ser um agente corruptor da moral. Durante a peça, as personagens têm várias visões, o que reforça a tese da peça de que a traição corrompe a mente. A ambiguidade moral de que o personagem principal parte, transforma-se num mal crescente ao longo da peça. Ao princípio Macbeth está relutante em cometer o assassínio, mas, com o avançar da história, cada vez se torna mais fácil, no ponto de viragem da peça, Macbeth decide que é tão fácil continuar a matar como seria arrepender-se.
É uma peça para ver ou ler e depois reflectir, a não perder para os que se preocupam com os dilemas morais que confrontam quem tem a tarefa de usar o poder.
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