Maquiavel, Maquiavélico, Maquiavelismo
Nenhum breviário político, nem sequer o Barreirense, está verdadeiramente completo sem uma entrada sobre “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel. Hoje e no próximo texto, preencheremos essa lacuna, falando sobre o livro em si, futuramente, dentro do mesmo âmbito abordaremos as biografias de Nicolau Maquiavel, César Bórgia e D. João II.
Não há palavras que tenham sido mais usadas e abusadas em política como as que estão relacionadas com o nome deste funcionário público florentino do Séc. XVI, o que faz deste artigo, certamente, um dos mais esperados da série. Maquiavel, maquiavélico e maquiavelismo são palavras usadas frequentemente de forma pejorativa, por todos nós, mas será que todos conhecemos o verdadeiro significado destes idiomas? Por nos parecer que é possível que não, dedicámo-nos à tarefa de tentar explicar de forma simples, a sua origem, significado e aplicação.
12- Maquiavel, Maquiavélico, Maquiavelismo
Estas expressões derivam do nome de Nicolau Maquiavel, um italiano renascentista, e o sentido que lhes é dado resulta dos conceitos apresentados por este na sua obra “De principatibus” (Dos Principados), modernamente conhecida como “O Príncipe”, um pequeno tratado de política que não é, de todo, representativo do conjunto da obra deste autor. Entre as suas obras, destacam-se “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, “A Arte da Guerra” “Histórias Florentinas “, a peça “A Mandrágora”, além de inúmeros tratados histórico-políticos e a sua correspondência particular, que foi organizada pelos descendentes.
“O Príncipe” foi escrito por volta de 1513 mas só foi publicado pela primeira vez em 1532, cinco anos após a morte do autor. É um tratado de doutrina política composto enquanto Nicolau Maquiavel se encontrava desterrado, em San Casciano, por ter sido acusado de conspiração contra os Médicis. Maquiavel dedicou a obra a Lourenço II de Médici, na esperança de reconquistar o cargo de Secretário da República. Trata-se, sem dúvida, do seu escrito mais famoso, e das suas máximas nasceu o substantivo “maquiavelismo” e o adjectivo “maquiavélico”. É uma obra não integrável em nenhum género literário em particular, porque não tem as características próprias de um verdadeiro tratado. Trata-se, na verdade, de um pequeno livro de divulgação daquilo que Maquiavel considerava serem as virtudes de um Príncipe ideal ou perfeito.
As ideias expressas nesse pequeno opúsculo estão na origem da moderna Filosofia Política e têm encontrado as inspirações e aplicações mais diversas e disparatadas, sobretudo desde o início do Séc. XX. O texto, em si, foi comentado pela maior variedade de líderes políticos e estadistas de que há memória, de Napoleão Bonaparte a Mussolini, passando por Lenine e Bismarck. Chega a ser vulgar questionar-se qual das teorias políticas do século passado não teve nada que ver com a obra do italiano e até a Economia Política parece dever algo a este texto renascentista.
A obra de Maquiavel está intimamente relacionada com a época em que foi escrita, funcionando como uma análise da acção política no seu tempo. O método utilizado divergiu da tradição Medieval por se basear no empirismo e na observação dos factos à luz da experiência histórica da Roma Antiga. Como pressuposto, Maquiavel surge com uma ideia original, a proposta de que existe uma ética política diferente da religiosa, ou seja, o fim da política, para ele, seria a manutenção do Estado.
Historicamente, o primeiro a pronunciar-se sobre esta obra terá sido o Cardeal inglês Reginald Pole, que se disse horrorizado com as influências que tal obra estaria exercendo sobre Lorde Cromwell. Os Jesuítas, (a quem dedicaremos outra entrada deste breviário), acusaram-na de ser contra a Igreja e convenceram o Papa Paulo IV a colocá-la no Index Librorum Prohibitorum (a lista negra de obras literárias da época), em 1559. Em França, um huguenote, (sobre os quais também falaremos), chamado Inocêncio Gentillet escreveu um livro no qual acusou Maquiavel de ateísmo e os seus métodos, de causadores do Massacre da noite de São Bartolomeu. Tendo sido muito difundida em Inglaterra, a obra do italiano contribuiu como nenhuma outra para a visão apresentada pelo teatro britânico do Séc. XVI, encontrando-se cerca de 400 peças que citam Maquiavel, todas vinculando seu nome à maldade, à ardilosidade e à falta de escrúpulos.
Regra geral, os críticos de Maquiavel basearam-se no “Príncipe”, analisando o texto isoladamente das restantes obras de Maquiavel, e sem levar em conta o contexto em que foi escrito. Houve ainda quem tentasse conciliar o seu pensamento com a Igreja ou com o Nacionalismo, mas sem sucesso, pois não passavam de tentativas de manipulação das ideias do autor. Presentemente, as análises feitas, procuram levar em conta outros textos do italiano, contextualizando os seus escritos, e concluindo que Maquiavel não inventou qualquer teoria política, meramente tendo descrito as práticas que viu à sua volta, teorizando em torno delas.
As análises de “O Príncipe” começaram a difundir-se com os movimentos da Reforma e da Contra-Reforma. A partir daí, o autor e as suas obras passam a ser vistos como perniciosos, tendo-se chegado a inventar e a atribuir a Maquiavel a expressão “os fins justificam os meios”, que não consta em qualquer parte da sua obra. A atribuição desta característica à obra do florentino está também ligada à visão de que estaria na base do absolutismo, ao lado das obras de Hobbes e Bossuet, mas é uma interpretação que falha por carecer da análise de outro grande texto do autor, os “Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio”, em que Maquiavel elogia a forma republicana de governo.
Com respeito a isso, Espinoza e Rousseau, foram adeptos da teoria de que, ao escrever “O Príncipe”, Maquiavel tentava alertar o povo sobre os perigos da tirania, ao invés da tese popular de que o seu livro é um manual para autocratas. Rousseau chegou a escrever: “É o que Maquiavel fez ver com evidência. Fingindo dar lições aos reis, deu-as e grandes, aos povos”.
Na Europa do Séc. XIX, durante as Guerras Napoleónicas, em que a Alemanha e a Itália se encontravam fragmentadas e os nacionalismos internos davam os seus primeiros passos, forma-se a visão de Maquiavel como um nacionalista exaltado, disposto a tudo pela união e defesa da Itália. O último capítulo de “O Príncipe” abre, certamente, as portas a essa interpretação, consistindo de uma defesa apaixonada de uma Itália unificada conjugada com a afirmação de que um povo só pode ser feliz e próspero se estiver unido. Hegel e Herder foram dois dos defensores desta última hipótese, que consolidaram com base no seguinte texto, desse capítulo:
"Num período de infortúnio, quando a Itália perecia na ruína e era teatro de guerras levadas a cabo por príncipes estrangeiros, quando ela oferecia os meios para essas guerras e era, ao mesmo tempo a presa das batalhas, quando alemães, espanhóis, franceses e suíços a destroçavam e governos estrangeiros decidiam o destino dessa nação – no profundo sentimento da miséria geral do ódio, da desordem e guerra, um político italiano concebeu com fria circunspecção a concepção necessária para libertar a Itália, unindo-a num só Estado".
- Continua – A seguir: O Príncipe, de Nicolau Maquiavel
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