O Príncipe, de Nicolau Maquiavel
Hoje, apresentaremos aos nossos leitores “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, que é provavelmente a obra mais citada nas análises políticas desde o Séc. XVI, quando foi pela primeira vez impressa. Até à publicação desta obra, os governantes da Europa Ocidental justificavam as suas acções citando Erasmo de Roterdão, a “Bíblia”, ou algum dos autores clássicos como Platão, Aristóteles ou Séneca. A partir de Maquiavel, as coisas nunca mais foram iguais. O pequeno funcionário público de Florença acabou por passar para o papel a justificação teórica para um novo mundo no que diz respeito às acções dos governantes e daqueles que aspiram à governação dos estados.
Por se ter baseado nas práticas políticas e diplomáticas da Itália do seu tempo, dividida em dezenas de territórios independentes em que tudo valia para ascender à governação e toda a espécie de indivíduos sem escrúpulos vagueava de corte em corte à espera da sua oportunidade para participar num dos inúmeros esquemas e conspirações que se efectuavam de tempos a tempos, Maquiavel acabou por dar corpo a uma teoria política nova, ao analisar os actos dos governantes do seu tempo à luz do conhecimento que tinha da política romana da antiguidade. Com isto, introduziu o empirismo na política e fundou, talvez sem intenção, a Filosofia Política.
O livro a que chamou “De princitatibus” (Dos Principados), é hoje em dia conhecido como “O Príncipe” e defende a tese de que há um comportamento próprio para quem quer exercer o poder de forma duradoura, essa teoria tem vencido as eras e foi, ao longo dos tempos aplicado a tudo, desde a gestão dos estados, à direcção de empresas, passando pela luta política dentro dos partidos. Vale a pena conhecer a fundo pois há mesmo quem pratique esta teoria. Maquiavel justificou o governo pela força em vez da lei e “O Príncipe” parece justificar todas as acções usadas para perpetuar o poder. É um estudo clássico do poder, como o usar, expandi-lo e usá-lo com o máximo de efeito.
Preparem-se, que o texto de hoje é longo. Apresento-vos “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel.
13 – O Príncipe, de Nicolau Maquiavel
“O Príncipe” é um livro escrito por Nicolau Maquiavel, em 1512, cuja primeira edição foi publicada cinco anos após a sua morte, em 1532. É, nada mais, nada menos, que um manual de conduta para governantes, do género do Institutio Principis Christiani de Erasmo, onde se descreve a forma de conduzir os assuntos internos e externos, e, na parte mais importante, como conquistar e manter um principado. Com este texto, Maquiavel deixa de lado o tema da República, que aprofundou nos “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, para se dedicar a uma tese que pretenderia propor a monarquia como solução para a unificação da Itália, que à época estava dividida em dezenas de principados e cidades-estado.
O “pequeno opúsculo”, como Maquiavel o descreveu, é composto por uma dedicatória a Lourenço II de Médici, seguida de vinte e seis capítulos. Em “O Príncipe”, Maquiavel teoriza como ideal um principado absoluto, no entanto, o autor havia sido formado na escola republicana e o seu modelo era a República Romana, exaltada por si nos “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, que constitui uma ode à participação directa do povo no governo. Alguns analistas sustentam a hipótese de “O Príncipe” ter sido uma espécie de manual da preversidade da tirania. O debate sobre esta questão está em aberto, contra a hipótese de que Maquiavel não teria passado de um mero oportunista, estando disposto até a aceitar a ideia do absolutismo para conseguir uma posição política de relevo, sugerindo que o seu príncipe se tornaria um modelo universal de chefe de estado, fosse qual fosse a sua forma de governo, em Monarquia ou numa República. Ultimamente, tem sido prioposto que a sua vontade de escrever “O Príncipe” terá surgido do agravar da situação em Itália no final do Séc. XV. Nessa época, a Itália encontrava-se emersa em lutas internas pelo poder. Maquiavel pode ter escrito o seu tratado com o objectivo de incitar os príncipados Italianos a tomar as rédeas da situação, crendo que a única solução para resolver o problema, naquele momento, fosse a instituição de um poder do tipo monárquico.
O estilo literário é o típico de Maquiavel, sendo tão concreto quanto deve ser para fornecer um modelo imediatamente aplicável, não estando presentes grandes ornamentações retóricas, no entanto faz um uso maciço de parábolas, alegorias e metáforas para sublinhar a exactidão das suas propostas. As referências a acontecimentos da sua época são numerosas, dizendo respeito, sobretudo ao reino de França, mas também aparecem referências à antiguidade clássica, referindo-se ao Império Persa de Ciro, a Alexandre da Macedónia, às polis gregas e à história de Roma. Maquiavel constrói o seu modelo observando a realidade, ou, dito de outra forma, a realidade factual. O léxico não é erudito, trata-se antes de um nível discurso muito acessível, quase básico, como que a acentuar a intenção do autor de tornar este texto acessível a todos. Todo o escrito é caracterizado por um léxico conotativo e uma forte expressividade, excluindo a dedicatória e o último capítulo que estão num estilo diferente da parte principal da obra. A característica principal deste texto é a demonstração de teorias baseadas sobre hipóteses. Apresentando duas hipóteses, Maquiavel resolve rapidamente a primeira para depois se deter longamente na segunda, demonstrando-a, o que dá a esta obra um carácter científico. Os títulos dos capítulos, no original, estão todos em latim, com a correspondente tradução para italiano feita pelo próprio Maquiavel, o que se explica por, na sua época, a titulação em latim ser essencial para conferir dignidade e prestígio ao texto.
Com este texto, Maquiavel pretende demonstrar que os objectivos de conservar e potenciar o poder do estado justificam todas as acções do Príncipe (princeps, ou primeiro cidadão), mesmo que este vá contra as leis da moral. A censura jesuítica sintetizou esta intenção com uma expressão que perdura até hoje: “os fins justificam os meios”. No entanto, Maquiavel afirma que tal comportamento só é válido com o fim de conseguir a salvação do Estado, o qual, se necessário, deve estar à frente das convicções e da ética pessoal do príncipe, pois o padrão não deve ser o da sua pessoa, mas o do servidor do estado. Modernamente, e num exemplo português, podemos distinguir esse tipo de comportamento na acção dos Presidentes da República (que são princeps de facto), que frequentemente colocam os interesses nacionais à frente dos seus interesses ou convicções pessoais.
O discurso de abertura d’O Príncipe define métodos efectivos de governo para diferentes tipos de principados, posto isto, o autor dedica-se a descrever o príncipe perfeito. As qualidades que Maquiavel atribui ao príncipe ideal são nos dia de hoje citadas em inúmeros cursos de Liderança, constituindo a base de muitas teorias nessa área do conhecimento, tendo sido baseadas nas figuras de César Bórgia e, provavelmente, D. João II, de Portugal. De acordo com este autor, um príncipe, ou nos tempos modernos, um líder, deve ter a disponibilidade para imitar o comportamento dos grandes homens, no caso vertente, os da Roma antiga, deve ter a capacidade de mostrar a necessidade de um governo para o bem do povo, deve dominar a arte da guerra por forma a garantir a sobrevivência do Estado, deve ser capaz de compreender que o mal estimulado pode ser essencial para manter a estabilidade e o poder, deve ser prudente, deve ter a inteligência de procurar conselhos sempre que necessário, deve ter a capacidade de ser um grande simulador e ser dissimulado, e, finalmente, deve conseguir controlar a sorte através da sua virtude.
De acordo com Maquiavel, a natureza humana é imutavelmente má. Sendo os homens maus, a paz não é eficaz porque significa a inexistência de armas, portanto só existem dois dissuasores da maldade: as alianças e as armas. Afirma Maquiavel que a natureza humana é imutável e que não varia com os contextos históricos. Esta teoria dá vida a uma concepção da história do tipo naturalista, em que a história é cíclica e se volta sempre ao passado. Deste conceito surgem numerosas referências ao passado, nas quais Maquiavel, não só encontra homens virtuosos nos quais o seu príncipe se deveria inspirar como encontra situações que o príncipe provavelmente irá defrontar, mesmo que num contexto histórico e social diferente.
O termo virtude, neste escrito de Maquiavel, muda de significado. A virtude é o conjunto de competências que servem ao príncipe para se relacionar com a sorte, isto é, com os eventos externos. A virtude é uma união de energia e inteligência. O príncipe deve ser inteligente, mas também eficaz e enérgico. A sorte ocupa então um papel de oportunidade. Os dotes do político permanecem meramente potenciais se ele não encontra a ocasião adequada para os afirmar, e vice-versa, a ocasião permanece meramente potencial se um político virtuoso não se aproveita dela. A ocasião é, então, apresentada como uma condição negativa, que serve de estímulo a uma virtude excepcional. Maquiavel impõe que a virtude humana se pode impor à sorte através da capacidade de previsão e do calculismo. Nos momentos de calma, o político hábil deve prever o futuro próximo e predispor as acções necessárias para as contingências que adivinha.
Adicionalmente, Maquiavel concebe a religião como um instrumento de governação, isto é, um meio através do qual manter unida uma população em nome de uma única fé. A religião, para Maquiavel, é uma religião de Estado que deve ser utilizada para fins eminentemente políticos e especulativos, um instrumento de que o príncipe dispõe para obter o consenso habitual do povo. “O Príncipe” esteve sempre no index dos livros proíbidos da Igreja Católica porque, em parte, desmontava as teorias de Santo Agostnho e São Tomás de Aquino mas sobretudo porque Maquiavel anula qualquer relação entre ética e política. “O Píncipe” desafiou a filosofia escolástica da Igreja Católica e a sua leitura contribuiu para a cimentação do pensamento Iluminista e, consequentemente, do mundo moderno, ocupando uma posção única na evolução do pensamento na Europa.
Os pontos de vista expostos por Maquiavel podem parecer extremos, no entanto, toda a sua vida foi passada em Florença, numa época de conflitos políticos intermináveis, por isso, torna-se compreensível que tenha enfatizado a necessidade da estabilidade nos domínios de um príncipe. Aparentemente, com esse fim, Maquiavel escolheu ignorar a relação entre ética e política, o que desconcertou muitos dos seus contemporâneos. Na realidade, Maquiavel parte da concepção clássica de virtude e altera a ligação entre ética e política ao definir o conceito de virtude para um príncipe, que, segundo ele, deve tentar ser visto como compassivo, fiável, solidário e religioso, quando, na realidade, raramente isso é possível. Os últimos capítulos concentram-se sobretudo no estado da Itália à época, incluindo uma exortação à libertação da Itália das mãos dos bárbaros estrangeiros.
As teorias explanadas n’O Príncipe são muitas vezes igualadas a métodos perversos e manhosos que um aspirante a príncipe pode usar para chegar ao trono, ou um príncipe em exercício pode usar para estabelecer e manter o seu reinado, mas, de acordo com Maquiavel, os princípios morais devem presidir em todas as circunstâncias, sobretudo se estiver em causa a ponderação de acções sórdidas ou desumanas. É imperativo que o príncipe esteja disposto a fazer tudo o que seja necessário para manter o poder, no entanto, Maquiavel enfatiza que acima de tudo, o príncipe não se deve colocar em condições de ser odiado. E dá uma resposta concreta à diferença entre ser temido e ser amado: “…um príncipe sábio deve-se estabelecer no seu domínio e não no de outros, e deve evitar ser odiado, conforme se demonstrou”, ou ainda “É bom ser simultaneamente amado e temido, contudo, se não se puder ser ambos, é melhor ser temido que amado”.
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