sábado, 26 de maio de 2007

O Príncipe Perfeito

Poucos homens marcaram mais o seu tempo e a história da Humanidade que D. João II, Rei de Portugal, a quem os inimigos apelidaram de “o Tirano” e os amigos de “o Príncipe Perfeito”. Tem sido referido que “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, escrito cerca de 20 anos após a sua morte, pode ter sido, em parte, baseado na sua pessoa e nos métodos novos que introduziu na forma de fazer política e reger o reino.

Tendo sido contemporâneo dos Médicis, D. João II foi o mais perfeito executante do conceito de pragmatismo político que se desenvolveu naquela época na Europa. Exemplificou, em Portugal, o poder do príncipe renascentista, contrastando o seu reinado com o do seu antecessor, D. Afonso V, que foi, também ele, um expoente, mas de outra época, a dos cavaleiros medievais.

Para D. João II, o poder radicava todo na instituição real, por isso, baseou a sua acção na repressão do poder dos grandes, sem nunca se ter apoiado nos pequenos, alterando radicalmente a relação de poderes que existia nos tempos medievais que precederam o seu reinado.

Nos primeiros tempos do seu reinado, surge em Portugal uma expressão nova: “Sua Majestade Real”, que representa um conceito de realeza completamente novo. Um dos seu biógrafos, Rui de Pina escreveu que: “Sendo senhor dos senhores, nunca quis nem parecer servo dos servos”.

Hoje, apresento-vos o Príncipe Perfeito.


18- D. João II de Portugal, o Príncipe Perfeito

Filho do Rei Afonso V de Portugal e de Isabel de Coimbra, o décimo terceiro Rei de Portugal, D. João II, nasceu em Lisboa, no Paço das Alcáçovas, a 3 de Maio de 1455.

Depois da tentativa falhada de conquista de Tânger em 1464, D. Afonso V dirige uma campanha contra Arzila em 1471, na qual é acompanhado pelo Príncipe. Depois da tomada de Arzila, que também resultou na ocupação de Tânger, que entretanto foi abandonada pelos mouros em fuga, a 21 de Agosto de 1471, João II foi armado cavaleiro junto ao corpo do Conde de Marialva, que faleceu na batalha. No início do ano seguinte, casa com Leonor de Viseu, princesa de Portugal, que era sua prima direita, filha do infante D. Fernando. Fruto desta união, nasce em 1475, o infante D. Afonso.

Em 1474, assumiu a direcção da política de expansão ultramarina, enquanto D. Afonso V invadia Castela para fazer valer os direitos de sucessão sobre o trono que haviam resultado da morte de Henrique IV. A 25 de Abril de 1475, parte para Espanha para auxiliar o pai, participando a 2 de Março na batalha de Toro, na qual D. Afonso V fica gravemente ferido.

Sucedeu ao seu pai após a abdicação deste, em 1477, no entanto, D. Afonso V decidiu retornar e logo D. João II lhe devolveu o poder, só se tornando Rei após a sua morte, em 1481.

Desde o início, o jovem rei não foi muito popular junto dos pares do reino, pois mostrava-se imune a influências externas e desprezava as intrigas da corte. Os nobres mais poderosos, encabeçados por Fernando II, Duque de Bragança, temiam a sua governação. Assim que tomou as rédeas do país, o Rei provou que tinham razões para isso.

Depois de D. João II ter posto em prática uma série de medidas que transferiram poder da nobreza para a sua pessoa, começaram as conspirações contra ele. Tendo-se colocado na posição de um simples observador, João aguardou para ver o que se ia passar. Em 1483, os espiões do Rei conseguiram interceptar cartas do Marquês de Montemor, que era irmão do Duque de Bragança, dirigidas aos Reis Católicos de Espanha a propor a invasão de Portugal por tropas Castelhanas com o fito de derrubar D. João II. Em consequência disto, a Casa de Bragança foi proscrita e o Duque de Bragança, primeira figura da nobreza nacional e proprietário de quase metade do território do país, foi considerado envolvido na conspiração, julgado e executado por degolação em Évora, perante uma imensa multidão. Os bens dos Bragança foram anexados à coroa. Ao que parece, perante rumores de que João teria recompensado as testemunhas de acusação, a honestidade do julgamento foi mais tarde posta em causa, mas o facto estava criado.

Entretanto, entra em cena Diogo, Duque de Beja e de Viseu, filho do Infante D. Fernando e cunhado de D. João II, era, a seguir ao Duque de Bragança, o mais poderoso nobre do Reino, era Condestável do Reino e Governador da Ordem de Cristo. Após a execução do Duque de Bragança foi feito chefe dos descontentes e preparou uma conspiração para assassinar o Rei e o Príncipe Herdeiro, o que lhe permitiria, então, subir ao trono. Mais uma vez, D. João II toma conhecimento desta conjura através dos seus espiões. Atraindo Diogo a Palmela, ai o apunhala com as suas próprias mãos. Seguiu-se a execução de vários outros membros da alta nobreza e a fuga de muitos mais. O Bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, que havia desempenhado um papel político importantíssimo no reinado anterior, foi envenenado na prisão. Foi ainda emitido um édito condenando à morte Isaac Abravanel, um dos mais ricos judeus da Península Ibérica, que foi acusado de financiar a conspiração, este conseguiu, no entanto, fugir para Castela, onde se refugiou junto da corte. Dedicamos a este último, uma pequena entrada biográfica no final deste tema.

De acordo com a tradição oral, D. João II terá comentado, relativamente à limpeza que fez no país: “eu sou o senhor dos senhores, não sou o servo dos servos”. Depois destes eventos, mais ninguém ousou conspirar contra o Rei, que não hesitava em fazer justiça pelas próprias mãos. D. João II tornou-se então um governante com poderes absolutos.

Tendo sido um grande defensor da política de exploração atlântica iniciada por D. Henrique, tornou os descobrimentos portugueses a sua primeira prioridade governamental e lançou Portugal na saga épica da busca do caminho marítimo para a Índia. Durante o tempo do seu reinado, Diogo Cão descobre, em 1484, a foz do Rio Congo e explora a costa da Namíbia Quatro anos depois, Bartolomeu Dias leva duas pequenas caravelas para lá do Cabo da Boa Esperança, tornando-se o primeiro Europeu a navegar no Oceano Índico. Em 1493, Álvaro de Caminha inicia a colonização de S. Tomé e Príncipe. Em seguida são enviadas as expedições de Pêro da Covilhã e de Afonso de Paiva que atingem a Abissínia em busca do lendário Reino do Preste João, de cujos relatórios D. João II extraiu a certeza de poder atingir a Índia por via marítima.

Tendo a maior parte dos arquivos deste período sido destruídos no incêndio que se seguiu ao terramoto de 1755, e tendo D. João II sido um escrupuloso implementador do segredo de estado, permanecem desconhecidas a totalidade das descobertas e progressos feitos nesta época. Os historiadores ainda discutem a verdadeira extensão das descobertas feitas no tempo deste Rei, suspeitando que os Portugueses tivessem chegado à América antes de Cristóvão Colombo. Sabe-se que na época, os Portugueses dispunham de cálculos bastante precisos do diâmetro da Terra, e enquanto Cristóvão Colombo acreditava poder chegar à Índia seguindo para Oeste, é provável que D. João II já soubesse da existência de um continente no meio. As misteriosas viagens do Capitão Duarte Pacheco Pereira para Oeste de Cabo Verde foram possivelmente mais importantes que o que é usual supor. Tudo isto se passou numa época em que o resto do mundo ainda pensava que a Terra era plana.

Quando o piloto Genovês Cristóvão Colombo, que vivia em Portugal há dez anos se dirigiu a D. João II com o seu projecto, D. João II recusou. Colombo partia de uma suposição que o Rei Português sabia estar errada, afirmando que cada grau media 84 Km, quando na realidade, os Portugueses já sabiam que media 111 Km.. D. João II estava decidido a chegar à Índia pelo Oriente, contornando a África. Em 1492, Colombo descobre a América ao serviço de Isabel, a Católica. Na viagem de regresso, para primeiro em Lisboa, para lançar à cara do Rei o facto de este não lhe ter dado crédito quando lhe propôs aquela viagem, D. João II respondeu-lhe que, de acordo com o Tratado de Alcáçovas, aquelas terras eram da Coroa de Portugal. Parece que D. João II chegou a mandar armar navios para ocupar as terras descobertas por Colombo, mas, entretanto, entrou em negociações com Espanha para uma solução pacífica. Em resultado destas negociações surgiu o Tratado de Tordesilhas, o mundo era dividido entre Portugal e Espanha por uma linha que passava, de pólo a pólo a 370 léguas a Oeste de Cabo Verde, Espanha ficava com o que estivesse a Ocidente dessa linha e Portugal com que estivesse a Oriente. Até à sua morte, Colombo esteve convencido de que havia chegado à Índia.

A divisão do Mundo não era o único problema entre os Reinos Ibéricos, os Reis Católicos tinham várias filhas mas apenas um filho, Juan, de saúde frágil. Se Juan morresse sem deixar descendência, o mais provável seria Afonso, único filho legítimo de D. João II, tornar-se Rei, não só de Portugal, mas de toda a Península Ibérica. Esta ameaça à coroa Espanhola era real pois a filha mais velha de ambos era casada com o Príncipe Português. Fernando e Isabel tentaram por todas as vias diplomáticas dissolver o casamento, mas não tiveram sucesso. Em 1491, Afonso morre em consequência de uma misteriosa queda de cavalo durante um passeio à beira Tejo. A ligação dos Reis Católicos ao acidente nunca foi provada, mas tanto eles como a alta nobreza Portuguesa tinha muito a ganhar com isso, no caso destes últimos por esse acidente colocar em linha directa de descendência o Duque de Beja, Manuel, irmão do Duque de Viseu, que havia morrido às mãos de D. João II.

Durante o resto da sua vida, D. João II tentou legitimar o seu filho bastardo, Jorge. D. Jorge, Duque de Coimbra era filho de uma relação adúltera do Rei com D. Ana Furtado de Mendonça, que era dama de honor da princesa D. Joana, a Beltraneja. Mas os adversários do Rei tinham muita força, tanto dentro como fora do país e esse objectivo nunca foi conseguido.

D. João II, o Príncipe Perfeito, faleceu no Alvor em 1495, três anos antes da chegada de Vasco da Gama à Índia. Morreu sem deixar herdeiros legítimos. Não é de excluir o envenenamento como causa da sua morte, dado o ódio que a nobreza lhe tinha. Antes de morrer, D. João II escolheu Manuel de Viseu, Duque de Beja, seu primo direito e cunhado, para sucessor. Na data da sua morte, Isabel de Castela terá afirmado: “Murió el Hombre!”. O Homem jaz no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha. Deixou como legado uma política de expansão ultramarina que foi continuada ao longo dos séculos seguintes e que tornou Portugal na primeira potência verdadeiramente mundial da história da humanidade.


19 – Isaac ben Judah, o Abarbanel

Isaac bem Judah ou Yitchak bem Yehuda Abravanel foi um estadista Judeu, um filósofo, comentador da Bíblia e financeiro. Descendente da família Abravanel, em várias obras é referido apenas pelo seu apelido, que por vezes surge como Abravanel, Abarbanel, Abrabanel. Muitos estudiosos da Tora e do Talmude referem-se a ele simplesmente como “O Abarbanel”. Nasceu em Lisboa, em 1437. Faleceu em Veneza, em 1508. Foi enterrado em Pádua.

A família Abravanel é uma das mais antigas e distintas famílias judaicas sefarditas, cuja ascendência directa tem origem no Rei David bíblico. Membros desta família viveram em Sevilha, onde viveu o seu representante mais velho, Judá Abravanel.

Tendo sido aluno de Joseph Hayim, rabino de Lisboa, Isaac Abravanel era versado em literatura rabínica e nos estudos do seu tempo, devotando os seus jovens anos ao estudo da filosofia judaica. Com apenas 20 anos de idade escreveu sobre a forma original dos elementos naturais, sobre questões religiosas e sobre profecias. As suas capacidades na política também lhe valeram a atenção de terceiros mesmo ainda na juventude. Entrou para o serviço do Rei Afonso V de Portugal como Tesoureiro do Reino e em breve ganhou a sua confiança.

Não obstante a sua alta posição e grande riqueza que herdou do seu pai, era notável o seu amor pelos pobres e oprimidos. Quando Arzila foi tomada pelos portugueses e os prisioneiros judeus foram vendidos como escravos, Abravanel contribuiu largamente com os fundos necessários para os libertar e organizou também colectas em seu favor por todo Portugal, tendo chegado a escrever ao seu rico e influente amigo Jehiel de Pisa, em apelo pelos presos.

Após a morte do Rei Afonso V, foi obrigado a deixar o seu cargo, tendo sido acusado por D. João II de conivência com o Duque de Bragança, que havia sido executado e com Diogo, Duque de Beja e Viseu, que tinha sido apunhalado pelo Rei por estarem a desenvolver uma conspiração contra este. Avisado a tempo, Abravanel salvou-se, fugindo para Castela em 1483. A sua grande fortuna foi confiscada por decreto real.

Em Toledo, sua nova residência, ocupou-se inicialmente com estudos bíblicos, e no decorrer dos meses seguintes, produziu uma grande quantidade de comentários aos livros de Josué, Juízes e Samuel. Pouco tempo depois,entrou ao serviço da Casa de Castela. Juntamente com o seu amigo, o influente Don Abraham Senior, de Segóvia, encarregou-se de administrar as receitas e fornecer abastecimentos ao exército real, com contratos que ele executou bem, para satisfação total de Isabel de Castela.

Durante as Guerras Mouriscas, Abravanel emprestou somas avultadas de dinheiro ao governo e quando foi decretada a expulsão dos Judeus de Espanha, tentou por todos os meios convencer o rei a revogar o édito, chegando a oferecer-lhe 30.000 ducados. Mas foi em vão. Com os seus companheiros de fé, Abravanel deixou a Espanha para ir viver para Nápoles, onde em breve entraria para os serviços do Rei. Por um período curto, viveu em paz, mas quando a cidade foi tomada pelos Franceses, foi roubado de todas as suas posses e seguiu o Rei Francês Ferdinand, em 1495, para Messina e, mais tarde, para Corfu.Em 1496 instalou-se em Monopoli, e finalmente em 1503 em Veneza, onde os seus serviços foram empregues na negociação de um tratado comercial entre Portugal e a República de Veneza. Ao longo desta época, foi contemporâneo de Nicolau Maquiavel e é de imaginar que tenham cruzado caminhos e talvez até discutido temas de política.

O mundo é pequeno…

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