Carta de um leitor - a propósito de D. João II
Passo a publicar uma carta de um leitor que me chegou hoje, acompanhada por um artigo publicado pelo mesmo no Semanário Económico de 7 de Julho de 1997, que encontrarão publicado como comentário a este post.
“Sendo senhor dos senhores, nunca quis
nem parecer servo dos servos”
D. João II, Rei de Portugal
---------------------------------------
Caro Pedro Estadão,
sendo avô de um dos descendentes de D. João II (» Brites Anes A boa Dona » Brites Anes de Santarém) gostei muito do seu trabalho.
Como me dedico à cibernética social -Estratégia e Liderança- observo o seguinte:
Devido ao comportamento linear e algo confuso do seu pai, D. João II encontrou uma situação que tinha saido fora do leme, com "os frades ricos e a ordem pobre" (-tal como, aliás, acontece hoje em dia com a "pax americana" and her partners in misleadership", incluindo e sobretudo a UE e cada um dos seus estados membros » "candeias às avessas").
Daí, D. João II tomou as seguintes medidas: contenção do "mal" ou, melhor
dito, "limpeza"). As mesmas, bastante draconianas e mecanicistas sob o ponto
de vista de hoje, resultaram em ganhos de poder primeiro não solidário. Aproveitou essa liberdade de movimentos (fôlego) para tomar a medida certa que lhe permitiu transformar o poder inicialmente não solidário em poder solidário:
fez do fomento decidido aos descobrimentos portugueseses a sua primeira prioridade governamental o que acabou por lançar Portugal na "saga épica da busca do caminho marítimo para a Índia" por si referida. Com outras palavras: deu a Portugal um novo perfil, um novo designio, de índole extrovertido e alterocêntrico que depois Camões descrevera como "dar novos mundos ao mundo". Foram estas medidas que fundamentaram o sucesso português de então levando o país a uma grande ascensão sócio-económica, cultural e ecológica. Com efeito, a partir dos séculos 15 e 16 Portugal acertou,
para falar na minha linguagem, no "ponto cibernéticamente mais eficaz" que despoletou a espiral positiva daquela ascensão da qual não só Portugal mas outros países d Europa e do mundo tiraram grande partido. Claro, os portugueses também não eram altruistas, eles também perseguiam os lucros materiais, contudo a forma como o fizeram observou, intuitivamente, as regras das leis naturais da evolução, ou seja, primeiro dar, para receber depois. Isso, sempre em combinação com o know how e consequente poder dos especialistas.
Para mim, a maior proeza e maior mérito de D. João II consiste nessa reorientação estratégica que fez com que o país deixasse de reagir e que comecasse a AGIR, dando cartas de acordo com os seus pontos fortes únicos e inconfundíveis.
Infelizmente, esse sucesso, com o comportamento linear (natural), no decorrer dos séculos convertiu-se num insucesso crónico, pois, observado de mais perto, o país desde então começou a olhar para dentro, querendo então bater-se, sistematicamente, com armas que outros dominam melhor. É o "me too".
O outro dia, vi essa minha tese corrobaorada por Roberto Carneiro que afirmou na SIC Notícias, perante o meu aplauso incondicional, mais ou menos, como segue:
"(...) Sempre quando Portugal olhou para fora, o país esteve bem, sempre quando se fechou em copas e olhou para dentro, então as coisas andaram mal (...)". Continuou: "(...) Por isso, temos é que agir e olhar para fora, sem termos medo nem da Espanha, nem da Europa (...)" Quando ele disse "Europa" o meu aplauso cessou e fiquei sem graça: lá estava outra vez esse preconceito de um Portugal e uma Espanha de um lado e a tal "outra Europa" -será a do adamastor ?- a outro. (O magazine alemão DER SPIEGEL já observou nos anos setenta que "na Grécia e em Portugal as pessoas falam da Europa como se não fizessem parte dela".)
É imperioso que esse preconteio de outros tempos seja superado para que Portugal saia da estagnação. Todavia, não se trata de um problema apenas português mas sim da União Europeia na qual o país se encontra integrado. De facto, o sistema UE encontra-se desde há mais de três décadas às avessas e essa situação não ajuda muito na urgente reorientação estratégica de Portugal.
Porém, cada estado membro -também Portugal !- poderá saír deste círculo vicioso, dando então exemplo para o sistema. Escrevi sobre este tema no Semanário Económico de 07.07.1997. Um governante que tinha recebido, em 1999, um cópia do meu artigo, porventura, deve ter achado interessante.
Não tenho a certeza, mas facto é que em 2002 começou uma grande iníciativa para
desenvolver Angola e alguns dos argumentos citados pelo Expresso podiam ser minhas. Só que, infelizmente, esse governante às tantas "fugiu" para Bruxelas e como as coisas estão hoje não é fácil de descobrir.
Será preciso o país esperar até que chegue um novo D. João II com métodos de correcção oxalá* menos violentos ?
Melhores cumprimentos
Rolf Dahmer
* A propósito de "oxalá" ! Se a UE continuar a via linear de perseguir os jogos de soma nula, mais dia, menos dia teremos, começando por Portugal e
Espanha, novamente a forma antiga do termo na Europa. "inch-allah" .
:-)
1 comentário:
Estratégia de desenvolvimento
Porque vale a pena apostar em África
Por Rolf Dahmer
(publicado no Semanário Económico de 04.07.1997)
Verifica-se ultimamente um crescente
aumento do desnorteamento
a nível da UE, subindo em flecha as
dúvidas e angústias subconscientes
das pessoas acerca do rumo das
coisas. De facto, quando surgem
certas noticias que nos vêm da
Alemanha, da outrora incansável
“locomotiva” que zelava por tudo e
todos, não é caso para menos:
começa a soar o alarme. O que se
passou de grave ? Ora, na
Alemanha previa-se em Dezembro
passado um aumento do desemprego
em 200.000 pessoas para o
primeiro trimestre de 1997 -o que,
de facto, já é muito grave, também
para uma potência económica daquelas
Em 6 de Fevereiro, dia
entretanto intitulado pela imprensa
alemã de “quinta-feira negra” veio a
notícia que fez desabar o céu: o
aumento real, em pouco mais de
um mês, tinha sido de 500.000 desempregados.
Isto confirma a seguinte
tese: na fase final de sistemas
primariamente introvertidos como o
é a UE e todos os seus subsistemas
na sua actual forma -os meios
tornaram-se fim-, as “desgraças”
aumentam sempre exponencialmente.
Os “remédios” de hoje,
quase todos eles mecanicistas, já
não fazem efeito.
Na fase final de sistemas primariamente
introvertidos, como o é a UE
e todos os seus subsistemas na sua
actual forma -os meios tornaram-se
fim-, as “desgraças” aumentam
sempre exponencialmente...
Numa situação daquelas que requer
uma urgente mudança da
forma do pensar linear, até do
paradigma, acompanhado por grandes
medidas estratégicas que passem
de mera cosmética, surgem então
muitas propostas. Umas válidas
por corresponder a um regres-so
ao comportamento cibernético,
holístico e não linear que vê o
homem como um todo, outras que
não passam de paralogismos e
“wishful thinking”. É, portanto, de
sobremaneira importante -as caixas
vazias nos obrigam a tal- separar o
trigo do joio, pois o tempo começa a
escassear, não sendo permitidas
mais falhas.
Neste contexto, e referindo-me à situação
de Portugal como subsistema
da UE , surgiram ultimamen-te
no sentido das grandes e genui-nas
soluções, certas reflexões que por
um lado permitem ter alguma
esperança, por outro nem por isso.
Refiro-me concretamente à notícia
“Ernâni Lopes: África é tão importante
(para Portugal) como o euro”
e “Sem o euro, a guerra é uma
questão de tempo” (Expresso de 1
de Fevereiro 1997). Penso que esta
afirmação, embora acertando em
cheio quanto à África precisa de ser
diferenciada, recorrendo-se para
tanto à uma reflexão extrovertida,
não linear. Comecemos pelo euro.
Aplicando os critérios já referidos
que têm como base a analogia
entre as leis naturais e o comportamento
sócio-económico, quanto
ao euro não me resta senão concordar
com a afirmação de Otmar
Issing, um dos directores do Deutsche
Bundesbank (Der Spiegel
3/96): “No fundo, o que é determinante
(para a construção da Europa)
é o arranjo político, sendo a
União Monetária uma
concomitância do mesmo e nunca o
contrário. A ideia de
instrumentalizar a UME como
precursor da União Política,
equivale à tentativa de aparelhar
um cavalo pela cauda. Isto não poderá
funcionar.” Otmar Issing, em
minha opinião, tem razão. Afinal o
que é que visa o euro ? A estabilidade
e melhoria da segurança material
da UE. Precisamente aí é que
está o busílis, pois existe uma lei
natural impossível de contornar: é a
energia que constitui o elo entre
espírito e matéria. Daí, para alterarse
estruturas materiais é preciso
alterar-se as subjacentes estruturas
energéticas, tirando-se então partido
das forças de auto-organização
assim despoletadas. (Dr.F.Stoebe
em “Die EKS-Strategie” © 1994
Frankfurter Allgemeine Zeitung).
Para os técnicos e engenheiros
entre nós, ainda mais simples, temos
a descoberta do físico norteamericano
S.C.Chandler: “Structure
follows strategy”, sendo “strategy”
sempre um bem energético. E isto
significa: mudança de ideias, do
paradigma. O caminho da saída da
crise, de valores ideiais e materiais,
portanto, não é o do euro. Nem
para Portugal nem para os seus
parceiros na UE. Esta, para assentar
finalmente com os pés no chão,
terá que ser construida, antes que
venha o euro, em primeiro lugar nos
corações dos seus cidadãos. E sêlo-
á. Há, porém, dois caminhos: 1)
continuação do comportamento
linear (p.ex., insistindo com o euro,
com os subsídios, com a globalização
que visa a mera redução de
custos, etc.) Então teremos oportunidade
de nos lembrarmos da tese
do economista nacional austríaco,
Joseph Schumpeter que ensinou,
desde 1932, em Harvard: ”o pensamento
da maximização dos lucros
(das empresas) conduz a um aumento
dos antagonismos de interesses
conflitos e tensões e, finalmente
a um estado de inimizade
universal de cada um contra todos.”
Então, sim, isto poderá significar a
guerra. Seria também um caminho
para conseguir o objectivo da construção
de uma Europa dos “corações”
e do bem-estar. Basta nos
lembrarmos dos efeitos benéficos
da última guerra mundial para a
causa da Europa. Duvido, no entanto,
que será este o caminho a
preferir. 2) Uma estratégica extrovertida,
não linear e de vistas largas,
capaz de dar a volta às coisas
por cima. Embora talvez muita gente
concorde com esta solução, a
sua implementação, dado o actual
enfoque crispado em soluções mecanicistas,
introvertidas (p.ex., fitando
os olhos nos cofres de Bruxelas)
ainda se encontra dificultada.
Também cabe, desde o ponto
de vista português, uma objecção:
mesmo se quisessemos, como é
que um subsistema singular da UE
pode alcançar, isoladamente, algum
objectivo neste sentido?
Pode, sim, e aqui, finalmente, voltamos
de vez ao tema do epígrafe:
Embora inserido num sistema
introvertido e egocêntrico, Portugal
(tal como qualquer outro país membro
dentro das suas áreas de
competência) poderá dar, facilmente,
sem riscos e juntando o útil ao
agradável, uma ensinadela aos outros
parceiros: enveredando novamente,
num plano superior, o caminho
extrovertido e alterocêntrico do
servir aos PALOP, servindo desta
maneira à UE, em vez de servir-se
dela, como se tornou praxe comum
Portugal...poderá dar, facilmente,
sem riscos e juntando o útil ao
agradável, uma ensinadela ao outros
parceiros (da UE): enveredando
novamente, num plano superior, o
caminho extrovertido e alterocêntrico
do servir -aos PALOP...
Desta maneira, Portugal marcaria
um primeiro sinal de regresso da
UE à extroversão, talvez
conseguindo que esta finalmente
despertasse, abandonando aquelas
eternas lamúrias e preocupações
ego-cêntricas sobre o desemprego,
a segurança das reformas, os
subsi-dios, os mercados agrários,
etc., para fazer algo de jeito, indo
de novo para frente. Acertando,
numa primeira fase, apenas mais
ou menos no factor mínimo que
obsta ao desenvolvimento do
sistema, extroversão no sentido de
solucio-nar os problemas dos
outros (PALOP), começa a girar a
actual espiral do crescente
insucesso em sentido contrário.
Desta maneira os referidos
problemas seriam resolvi-dos. Não
como objectivos isolados -esta
“guerra” já está perdida de
antemão- mas como resultado de
um objectivo nuclear, constituindo
este último o factor mínimo do
respectivo grupo-alvo.
Hoje, ajudar os PALOP, num plano
diferente, entre parceiros de iguais
direitos, equivale de novo a um feliz
comportamento alterocêntrico, a um
“dar novos mundos ao mundo”. Os
PALOP precisam objectivamente de
ajuda para -importante-! se
poderem autoajudar. Sendo a
relação Portugal / PALOP como a
de entre chave e fechadura -vocação,
”image” e competências chave
coincidem exactamente com o perfil
dos problemas mais candentes a
resolver em África- o país só ganhará
com aquela estratégia. Acabando
com a confusão quanto a
verdadeira “retaguarda” (o grupoalvo
privilegiado de Portugal) -Bruxelas
não, os PALOP sim- , o país
ganhará igualmente em poder
solidário para cimentar um direito
próprio mais genuíno no seio da
UE, pois demonstrará que os hoje
considerados “necessitados crónicos
de subsidios” -actualmente até
a própria Alemanha corre este
perigo- são bem capazes de aportar
superiores valores, de profundos
efeitos sinergéticos, ao sistema: o
proporcionar de um incremento de
atracção que através do consequente
aumento de poder se
transforma em exemplo e prova
que isto assim funciona e, last not
least, bens materiais para todos.
Um projecto porventura importante
para Portugal mas demasiado insignificante
para despertar a atenção
dos seus parceiros da UE,
ficando-se depois isolado ? Errado.
Mostra a experiência, que, em sistemas
de índole introvertida, sempre
quando algum subsistema ousa
saír do paradigma, dando um
exemplo positivo de sucesso seguido
de visíveis lucros materiais, o
sistema no seu todo aceita os estímulos
da atracção criada, por mais
débeis que sejam. Isto funciona a
nível de todos os sistemas sociais,
sempre interligados em rede, tanto
empresas como países. A história
está cheia de exemplos e acontece
todos os dias de novo. (Veja-se,
p.ex., o caso da recente e espectacular
recuperação sócio-económica
da Nova Zelândia)
...em sistemas de índole introvertida,
sempre quando um subsistema (p.ex.,
Portugal) ousa saír do paradigma,
dando um exemplo positivo seguido
de visíveis lucros materiais, o sistema
aceita os estimulos da atracção
criada, por mais débeis que sejam....
Se, portanto, Portugal identificar
correctamente primeiro o “factor
mínimo” (externo) que obsta ao
crescimento dos PALOP, identificando
seguidamente o seu “factor
mínimo” (interno) , então criará um
“ponto de cristalização”, capaz de
contribuir eficazmente para que em
breve tenhamos de novo uma UE
com os pés assentes no chão.
Objecções do tipo “primeiro
precisamos de mais capital e
meios” são de rejeitar neste
contexto, pois o que os africanos
precisam (exceptuando as ajudas
de emer-gência) situa-se numa
primeira fase em grande parte no
campo dos factores imateriais.
Daqueles o país dispõe de sobra,
bastando reactivá-los. Também
dispõe de recursos materiais
suficientes para cobrir a primeira
fase, de pequenos passos. Aqui,
diga-se de passa-gem: aquele que
investir os seus capitais de forma
estrategicamente correcta, isto é,
em matérias onde domina as
competências chave e em regiões
com grupos-alvo que carecem de
urgente solução de problemas
candentes, em vez de, p.ex.,
comprar empresas nos “States”,
junta o útil ao agradável. Com
efeito, nos PALOP, agindo-se com
boa vontade e a satisfação de
ajudar a criar algo de novo, a
mesma fábrica que em países mais
avançados custa um milhão lá só
custa cem mil. São as “invisible
hands” do velho Adam Smith que
ajudam.
Em caso de sucesso os outros logo
acudirão para ajudar, incluindo a
própria Alemanha, tal como Ernâni
Lopes sugere. Existindo exemplos
de sucesso -e podemos ter a certeza
que este terá lugar - o pessimismo
cede lugar ao optimismo e
à motivação, surgindo de repente
até dinheiros provenientes de fontes
que pouco antes ainda se
tinham declarado nos limites das
suas capacidades económicas e totalmente
esgotadas. Acabaram-se
os debates estéreis. Aqui Ernâni
Lopes tem razão. É preciso agir,
não resta muito tempo. Agindo, as
palavras de Fernando Pessoa -
”tudo vale a pena se a alma não é
pequena”- ficam corroboradas pelo
apelo de Goethe: “Quem pensar ou
sonhar que pode, faça. A ousadia
tem genialidade, poder e magia.
Ousem fazer e o poder ser-vos-á
dado”. Para que esperar ? Para
frente Portugal -para África !
Enviar um comentário